quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ourives do verniz

Dou uma corridinha e consigo entrar no metro no último instante antes de partir. Balançando-me no corredor como se estivesse bêbeda procuro um lugar, encontro-o e sento-me. À minha frente está uma rapariga com cerca de vinte anos vestida com um polar amarelo, hoje, onde as previsões apontam para trinta graus e eu, como todas as outras pessoas, estou de manga curta, à excepção das que estão de alças ou com menos ainda. E ela de polar. Estará doente? Não parece.
A minha estranheza perante a roupa da moça desapareceu completamente quando, casualmente, olhei as mãos da mulher que viajava ao meu lado. Nas pontas dos dedos, onde temos aquilo a que chamamos unhas, ela tinha um mural! Metade da unha era verde e a parte superior amarela. A fronteira era feita com uma linha dourada, precisa mas grossa e encorpada, com certeza de outro tipo de verniz, quiçá verniz para fronteiras. Em cima do amarelo estava depositado um coração azul, emoldurado a branco! Aquilo era uma obra de arte, ou melhor, dez obras de obras, talvez vinte obras de arte pois os sapatos eram fechados à frente e não deixavam ver nada, mas algo me diz que ao rés do chão havia também trabalho valente duma qualquer Dali das unhas, que aquilo não era obra duma qualquer esteticista e sim duma artista de gabarito.
A mim tinham que me pagar muito bem para andar com aquelas bandeiras nas unhas mas reconheço ali um trabalho de minúcia, um ofício de ourives do verniz difícil de fazer e cujo resultado final é artístico e chama a atenção. Rendo-me sempre perante quem é capaz de fazer aquilo que não sou, e sinto uma ponta de inveja, por vezes uma grande pontada, perante certos feitos que parecem tão fáceis nas mãos, nos pés ou na cabeça de outras pessoas. Admiro a agilidade, a destreza, a pontaria, a inteligência, e mais mil coisas onde fico, não em segundo lugar, mas nas quais nem sequer sou concorrente.
Sem saber quem pintou aquelas unhas, ou outras semelhantes, deixo aqui os parabéns pela mão firme com o minúsculo pincel, pela precisão e pelo trabalho. Se há pessoas que gostam e se sentem bem assim, que haja também quem as consiga satisfazer!

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