quarta-feira, 16 de junho de 2010

Lisboa, 8 de Junho de 2007

Vítor
Bom dia e hoje sim, digo-o com propriedade, pois o sol deixou-se de vergonhas e apareceu, espreguiçando-se e tocando nesta terra, abençoando-a.
O teu eclectismo é sempre uma incrível e agradável surpresa…
Numa das cartas que de ti recebi pedes-me o impossível… que faça luz no teu espírito… vejo a tua mente tão iluminada a reflectir, leio-te e é como se olhasse uma planície regada pelo sol… como vou eu iluminar-te o espírito?
Peço-te que não me cries tal embaraço, pois gosto de corresponder aos desejos dos meus amigos, mas a este teu sou incapaz.
As tuas reflexões vão para além do que pensas sobre o que foi dito… deves reler a tua descrição sobre o enquadramento das notícias: leva-nos dentro da tua mente estruturada que, para além de me contar o que pensa e o que lê, faz-me o quadro formal das próprias notícias, para que eu não só leia, mas para que VEJA, através dos teus olhos. O facto de eu conseguir captar o cheiro da terra, quando nela falas, é aqui compensado pela descrição do tipo do cabelo ou pela geometria do mármore, para além da sua coloração. Isto é espantoso, não perdes um pormenor (é pormenor!).
Dentro de muito pequenos limites, porém, quero dizer que não deixo de pensar que em instituições como uma Constituição, se se prestar atenção, encontram-se “coisas” cuja intenção de quem as escreveu, até foi boa, mas parafraseando as frases populares, de boas intenções está o inferno cheio… sendo a Constituição o que é, será “isto” do inferno? Não tenho dúvidas e Descartes que me perdoe por isso mas, por vezes, é o inferno do direito.
O Direito e a Justiça têm algo divino… acreditamos que existem e, embora esporadicamente surjam revelações desta verdade e, tal como a fé, nunca ninguém viu o Direito ou a Justiça… terão certamente casado e emigrado para parte incerta…
Agora…, serão filhos deles os direitos e justiças, que tantos existem? Mas ao contrário de tudo o resto, não é por se multiplicarem que agem em conformidade com o nome que têm e que nós, com a pressa, pensamos tratar-se do pai e da mãe, não corrompidos, universais, iguais a si mesmos, com as doses de tolerância que sempre têm que existir… mas cuja acção pelo que me é dado ver, tem mais a ver com vergonha, mas por vergonha de se ter vergonha, na vergonha não se fala e, os direitos e justiças continuam a nascer, arrogando-se cada um deles à herança do pai e da mãe que, lá onde vivem, parecem não querer transmitir a sua linguagem universal. Onde viverão? Porque se escondem? Ou serão os filhos que rejeitam os pais… ou será cada um de nós que quer alcandorar-se a ser Justiça e Direito e criamos justiças e direitos, sendo que este plural, que nos levaria, supostamente, à universalidade da expansão do conceito, é apenas um falso plural, para nos iludirmos, conscientemente tantas vezes, porque não queremos encarar a vergonha, e brincamos… por isso, Justiça e Direito se escrevem tantas vezes com letra pequena, coitada da letra pequena que não fez mal a ninguém…
… e quando deparamos com justiças e direitos em qualquer esquina, muitas vezes rezamos, porque a parcialidade anda de braço dado com estas coisas pequenas e plurais fingidos. Direito e Justiça são no singular porque Humanidade há só uma. Quando os buscamos dentro de nós, são com letra grande… o problema é quando os aplicamos… diminuem de tamanho, mesmo que se escrevam com letras enormes nos manuais de Direito e na Justiça que se faz, que raramente é cega, como só ela devia ser. Infelizmente, quantas vezes tem os olhos bem abertos para ver só o que quer, o que convém e encornar o Direito, fazendo-o esquerdo…
A Justiça não distingue estibordo de bombordo e desorienta o Direito, envolvendo-o em vendavais que são provocados por lobos que sopram para deitar abaixo qualquer tipo de edificação.
Onde nos levaria a continuação deste infantil pensamento? Não sei, mas pouca luz farei para te alumiar, vagabundo de línguas estrangeiras, dono do que não pode ser perdido e meu saudável companheiro epistolar.

Um abraço
Camila

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