segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Proposta para o Plano Nacional de Leitura


Em arrumações descubro um Rómulo de Carvalho perdido fora do sítio: O texto poético como documento social, editado em 1995 pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Nas palavras prévias pode ler-se: “Pretende o autor, com a presente obra, erguer, aos olhos do leitor, a pessoa do poeta como um ser atento aos acontecimentos que o rodeiam, e envolvem, no ambiente social em que o poeta se movimenta. (…) Acrescentaremos apenas que, logo após o 25 de Abril, ainda na fase de exaltação que a revolução provocou, a poesia ‘veio para a rua’, conforme foi assim mesmo proclamado, dando voz às gargantas que se sentiam sufocadas com as restrições impostas pelo regime político anterior. Foi um desabafo incontido, irreprimível, dir-se-ia mais orgânico que mental. Ao desabafo seguiu-se o alheamento. Pela primeira vez na nossa História os poetas, enquanto tal, parecem alheados dos problemas sociais. Caberá aos sociólogos darem interpretação a tão estranho acontecimento”
Rómulo de Carvalho guia-nos por cerca de 400 páginas ao longo da História de Portugal, de onde se retiram dois ou três exemplos:

Sá de Miranda, (p. 102):
Homem de um só parecer,
De um só rosto e de uma fé,
De antes quebrar que volver,
Outra coisa pode ser
Mas de corte homem não é

Álvaro de Brito (p. 102):
Sem pena ou sem favor
Nem por graça divinal
Não pode bom servidor
Medrar neste Portugal

António Ribeiro Chiado (p. 102):
Vejo andar a justiça
Em mãos dos mais roubadores,
E vejo os julgadores
Casados com a cobiça

Gil Vicente, fala a Justiça (p. 103):
A justiça sou chamada,
Ando muito corcovada,
A vara tenho torcida
E a balança quebrada
………………………………………………….
Fazei-me estas mãos menores
Que não posso apanhar,
E que não posso escutar
Esses rogos de senhores
Que me fazem entortar

Gil Vicente, fala o Diabo (p. 111):
Toda a glória de viver
Das gentes é ter dinheiro,
E quem muito quiser ter
Cumpre-lhe de ser primeiro
O mais ruim que puder

Eduardo Fernandes (Esculápio), (p. 357):
Temos novas subvenções
E há muito quem aproveite
De mais uns magros tostões.

Mungiu-se a teta do leite
E saiu aos borbotões.

Mas o pior, ó meu Zé,
Ó meu tão dilecto amigo,
É que vais no volié.
Todos exploram contigo
Já pagas mais no café.

Quem diz café, diz carvão
Diz carnes e mercearias,
Diz toucinho, diz feijão,
Diz diversas porcarias,
Desde o vinho até ao pão.

E tu que, subvencionado,
Julgavas uma fortuna
No que tinham aumentado,
Ficas à divina, à tuna
E és um homem encravado.

Sabe pois, meu idiota,
Que isto nunca mais se ajeita.
Mangam contigo. É batota.
Dão-te três com a direita
Tiram-te dez com a canhota

Octávio de Medeiros (p.357):
São horas de expandir à pátria inteira
Que é preciso correr com os vendilhões
Que fazem do país uma esterqueira
De onde o carácter sorve as infecções!
São horas de acabar com a bandalheira
Fazendo quaisquer outras eleições
Correndo de uma vez com estes sicários
Mais daninhos que ratos nos armários.

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