Herman Melville escreveu
uma das mais famosas frases de abertura de um livro: Chamai-me Ismael.
É uma ordem e um
pedido em simultâneo. Duas palavras que transportam firmeza e o pedido de um
favor. Duas palavras que nos remetem de imediato para a imensidão e a
vulnerabilidade do gigante odiado.
Porque se odeiam os
gigantes? Por que se lhes tem medo e, no fundo, no fundo, anseia-se por ser um
deles.
Ahab odeia Moby Dick e
quem odeia é prisioneiro desse ódio que se agarra à pele como uma doença pútrida.
Tão prisioneiro que só pode acabar morrendo vítima do seu próprio ódio.
A moral da história
avisa-nos que as pessoas ambiciosas perdem aquilo que prezam, por exemplo,
perdem-se a si próprias, isto se forem de facto pessoas e tiverem um pouco de amor-próprio
no meio da inexistência de respeito e de vergonha.
Moby Dick cumpre o seu
destino e mata-os a todos.
Nuno Amado conta-nos
uma história de perda, uma história bela, belíssima chamada À Espera de Moby Dick.
Somos cada
protagonista em diferentes momentos da nossa vida, nem que seja em anseio. Com uma
escrita profunda, mas irónica e até cómica em certos pontos, acompanhamos
segredos – alguns felizmente não revelados – que estão ali desenhados em cada página.
Não, desenhados não, fotografados. Não, fotografados não, filmados, como se as
letras fossem imagens em movimento que nos transportam para outros mundos,
sejam eles países diferentes, mágoas dolorosas ou mentiras inventadas para
melhor sobreviver.
Este é um daqueles
livros onde a meio se diminui a velocidade da leitura e já anda por ali uma
certa embirração com o autor que fez o livro tão pequeno; ler devagar é a única
forma de prolongar a nossa estadia em tão comovente lugar. Podemos sempre voltar, relendo, viagem que farei garantidamente.
É um livro rodeado
pelo mar e cheio de lágrimas onde entramos por especial favor. As cartas não são
nossas nem nos são dirigidas mas temos o privilégio de as ler todas,
espreitando cantos que aparentemente nos eram inacessíveis, beirais onde só os
pássaros chegariam, grutas propriedade de peixes. Nada daquilo é nosso e no
entanto somos nós, é o nosso segredo, a nossa dor, o nosso vazio.
Houvesse um plano de
leitura obrigatório para cada cidadão e eu colocava este livro na lista, um dos
primeiros. Num mundo perfeito instituía como pena do mais duro tribunal a
proibição de o ler.
À Espera de Moby Dick,
Oficina do Livro, 2012, sem gralhas.
«sem gralhas»
ResponderEliminarNotável; não a ausência, mas a detecção, a leitura garimpeira :)
Já reparei que não é primeira vez que refere a falta de gralhas, mas gosto das observações onde as aponta. Sem maldade.
ResponderEliminarÉ inato. Tentarei explicar o que sinto em texto a afixar a seguir.
ResponderEliminarAcabo de o ler e surpreender, tratando-se do Zé Colaço Barreiros; mas não se o escreve...
ResponderEliminarLi algures que José Colaço Barreiros – JCB - é tido em elevada consideração e considerado o melhor tradutor de Jorge Luís Borges.
ResponderEliminarEm Ficções, no capítulo A Biblioteca de Babel, JCB traduz prateleiras por estantes, o que numa biblioteca faz toda a diferença. Confunde dos - dois – com o plural da contracção do artigo e do pronome! Considera ainda que vindicar é reabilitar.
Em http://salmoura.blogspot.pt/2003/06/prolas-de-uma-traduo-jos-colao.html, cujo autor desconheço, encontram-se algumas pérolas de tradução de JCB.
Não tenho qualquer prazer em anunciar incompetências, embora por vezes tenha que denunciar algumas coisas. Ninguém me liga, como é óbvio.
Ando à procura de informação sobre este tradutor - José Colaço Barreiros - porque estava a ler um livro traduzido por ele, a saber A trégua, de Primo Levi, e a tradução torna a leitura insuportável, de tão má! Aliás não passei da pág. 67 e vou devolver o livro à livraria ( comprei-o há uma semana e ainda posso devolvê-lo). Também mandei hoje um mail à Teorema/Leya e aguardo resposta. Nunca me tinha acontecido isto antes. Há alguma associação de tradutores a quem me possa dirigir?
ResponderEliminarPresuncäo e água benta. Leia o original e verá como a traducäo näo só é digna como excelente.
EliminarPara além de treinadores, Portugal tem 10 milhöes de tradutores literatos.
pim!
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EliminarTeresa, a 18 de Fevereiro de 2013 partilhei um texto chamado 'Das gralhas'. Esse post inclui a carta que enviei à editora face ao pavor da tradução das obras de Primo Levi por José Colaço Barreiros, (excepção feita ao Sistema Periódico, cuja tradução é assinada por outra pessoa).
ResponderEliminarNo mesmo post assinalei a resposta da editora. Estes livros continuam à venda nas livrarias e, aparentemente, os leitores são bons é para comprar livros, a partir daí...
O nome do senhor em questão dá resultado zero na pesquisa dos membros da Associação Portuguesa de Tradutores, (que tem um Código Deontológico, disponível em http://bo.apt.pt/fileuploads/Objetivos/APT-JURAMENTO%20-SAO-%20JERONIMO.pdf)
Se conseguir resposta agradeço se a puder partilhar comigo. Obrigada.
Vim parar a este blog precisamente por causa deste senhor, porque li "todas as cosmicómicas" de Italo Calvino e achei muito boa a tradução. Não deve ser qualquer um que consegue traduzir aqueles textos fazendo o leitor esquecer-se de que não está a ler na lingua original.
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