Depois da tempestade
vem a bonança. Costuma ser assim. Mas também pode ser ao contrário.
Saímos do hospital em
procissão, quais peregrinos agradecidos, a graça foi-nos concedida: o meu pai não
será operado tão cedo. Chovem telefonemas que são atendidos com o mesmo sorriso
de satisfação e a informação repete-se.
Passa uma semana e já
nos habituámos a não reter a respirar com medo das notícias, pelo menos por ora
navegamos sem perigo à vista.
A menos que telefonem
a dizer que houve um engano, que uma análise mais centrada dos exames dite exactamente o contrário, que a coisa é muito mais grave do que parecia e
afinal não há alternativa, é operar, com escassos pontos percentuais de
probabilidades de não cortar.
Atendo o telefone a
caminho de uma curta reunião. Deixo de sentir os braços e fico com tonturas. Um
engano?
Sinto-me uma criança a
quem tiraram o brinquedo preferido e penso imediatamente no euro-milhões; não, não
precisa de ser aquela batelada de milhões, o necessário para uma cadeira de
rodas chega.
Não, não chega,
quero-o todo!
Quero comprar a mais
sofisticada cadeira de rodas que já existiu, quero comprar uma prótese digna de
um atleta olímpico, e um carro adaptado, o melhor que alguma marca de carros já
construiu; quero comprar uma casa rasteira com jardim e com quintal, sem
escadas; quero bilhetes em primeira classe no avião mais rápido do mundo para
os levar a Roma, onde rezem o que lhes for na alma, e dali a Paris para que
conheçam a cidade que lhes suscita curiosidade e onde nunca foram, num passeio
que dure o tempo que lhes apetecer; quero comprar outra casa, lacustre de
preferência, para que estejam na praia sempre que lhes apetecer e a minha mãe a
decore como bem entender; quero comprar todos os bilhetes de teatro e cinema e
dança e exposições e tudo em todo o mundo para que se deliciem com o que
gostam; quero comprar todos os
dicionários que existem no mundo e apagar a palavra Engano; quero que a operação
corra bem.
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