Lídia Jorge não mora na minha casa. Há vários anos
tentei lê-la e não me seduziu, nem com murmúrios. Agora fiz outra aproximação por
intermédio de um amigo que garantiu garantidamente garantido que iria gostar. Assim,
assisti à A noite das mulheres cantoras.
Gisela Batista pavoneia-se ao longo das páginas
como a miúda mais cool do liceu que todas já conhecemos, que invejávamos e de
quem queríamos ser amigas. Nunca se menciona que Gisela andasse no liceu, mas a
fotografia não engana. A Solange cabe em sorte ser aquela amiga, aquela sorte
que nem se acredita ter. Na verdade Gisela quer ser como Solange, quer saber
escrever, embora nunca o diga, e Solange sente-se no Olimpo só por estar ao
lado de Gisela, de quem bebe as palavras, os gestos, como quem se diviniza por
estar ao lado de um deus.
As irmãs Alcides são a essência, a estrutura vocal,
e Madalena Micaia o Kilimanjaro, o cume.
A narrativa é a descrição das memórias de tempos
ocorridos há mais de vinte anos, quando se sacrificou o Kilimanjaro sem que o
sacríficio tivesse levantado grandes problemas de consciência: as luzes da
ribalta foram mais fortes, o Coliseu falou mais alto, a fama quer-se ver ao
longe, como se fossem olímpicas candidatas e não meras aspirantes a cantoras,
fabricadas com o dinheiro do padrasto de Gisela.
Pelo meio, o amor. Pelas margens, o sexo.
Não é um livro sobre África, nem em África, mas África
está mais presente do que se pode imaginar, pelos passados das protagonistas e
pela African Lady.
Descreve-se um percurso partilhado onde a vida
pessoal deixou de fazer sentido e a que existe vive-se às escondidas da maestrina, como chamam a Gisela, que
conduz a própria existência das outras.
Até onde vamos por um objectivo luminoso, global? Que
força tem a fama que arrasta danada e cegamente? Serão os mais novos mais cegos
e os que os incentivam mais danados?
Gostei muito desta
Lídia Jorge que nos leva em balanços pelo passado, mostra-nos figuras de
caderneta, revela muitos pormenores sobre duas delas, e tudo sobre apenas uma,
gostos e desgostos, medos e receios, arrependimentos e decisões.
A partir de agora, quando vir Lídia Jorge, convidá-la-ei lá para casa.
A noite das
mulheres cantoras, para ler a qualquer hora. D. Quixote, 2011.
"a instrumentalina" é uma pequena maravilha e os livros infantis também, gosto do romance do grande gatão e do grande voo do pardal :)
ResponderEliminarEntrei com o pé esquerdo, agora vou saltitar com o direito em cima de tudo o que apanhar, para compensar :)
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