Em todos os telhados obliquamente
preparados para receber a neve que nunca caí por essas aldeias, em toda a gama
de azulejaria variada, em todos os Mercedes de capot brilhante, em todas as môts
de todas as conversas pronunciadas as mais das vezes um pouco às avessas, em
toda a generosidade e até na ostentação dos emigrantes emana um carinho difícil
de explicar, sente-se.
Um regresso é sempre
um regresso, mete saudades e sorrisos, acorda sentimentos, cria confrontos
entre cá e lá, mostram-se manias novas, recordam-se hábitos adormecidos.
O Rebate é um regresso
vivo, duro e cru, de tal forma que é de pouca dura. Ninguém aguenta.
Os meneios da
linguagem fazem-nos ver as imagens descritas, os diálogos não dizem tudo mas
expressam-se como olhos que captam e fazem de muitas palavras inúteis verbos. Não
é preciso dizer tudo, este autor não precisa dizer tudo pois dizendo meio faz-nos
chegar além de onde outros nos levariam se dissessem tudo.
As meias palavras
carregadas de raiva, de inveja, de sorte alheia, nunca nossa. Nunca, caramba.
Imagino a dificuldade
que será traduzir um livro assim, um livro que é mais que um livro, um relato
da alma de uma aldeia, com passados e presentes, e futuros desejados de forma tão
díspare do que se adivinham, com tanto de implícito como de conhecedor de
realidades e palavras e reacções e gestos e, mais difícil ainda, meios-gestos
e, ainda mais difícil, intenções, que bastam elas para que outros se mexam
adivinhando, fazendo, desfazendo.
Não descansei até que
cheguei à última página e se o livro em si é essência, as últimas páginas são
como que uma bibliografia da alma do autor, uma mostra da recolha de sítios e
lugares, de pessoas e situações.
Ao escrever assim, José
Rentes de Carvalho dá-nos uma hipótese única, a de relermos como quem revive a
vida verdadeira, como quem volta ao passado, sem hipótese de o mudar, mas de o
voltar a sentir.
Ter um livro assim na
prateleira é como ter um animal de estimação que tem uma vida própria tão
intensa que receamos salte da estante sozinho, não precisamos de o olhar ou ler
para saber que ri e se entristece, que nos faz companhia e emite um barulho
mudo, chamando.
Para reler, agora sabendo da estalada que se leva ao consumir vida em estado puro.
Lido em edição da
Quetzal, de 2012.
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