É Domingo de manhã. Não tenho
carro que me leve até à areia da praia e daí possa dar asas aos pés durante alguns
quilómetros. Bem, o que não falta na cidade da Amadora são estradas e ruas e
caminhos, por isso, vamos embora.
Dou por mim a andar em direcção
à estação de metro e com o aproximar vejo gente com sacos e saquinhos e
lembro-me: é dia de mercado da Brandoa.
Quando viemos morar para
Lisboa ficámos na casa de um tio meu que estava em África; entretanto fomos
vendo casas com sucessivas recusas peremptórias da minha mãe face às sugestões
do meu pai:
Buraca! Qué lá isso? Com um
nome desses nem dá para calçar saltos!
Porcalhota! Bento! Só podes
estar a brincar…
Brandoa! Brandoa… vamos lá ver
isso…
A viagem foi de comboio até à
Amadora e dai de táxi – ou melhor, de táx… - para a Brandoa. Chegados lá, a
senhora minha mãe põe um pé fora do táxi no meio do maior lamaçal de que há memória
e perde um sapato, assim, sem mais nem menos, sapato que nunca se encontrou
naquele mar de lama. Eu nem cheguei a sair do táxi.
E assim se riscou a Brandoa do
mapa e ficámos nesse outro maravilhoso subúrbio que se chama Cacém.
Isto para dizer que associo
Brandoa a lama e assim será durante os próximos cem anos, mesmo que lá passe de
carro com muita frequência.
Sou habituée do mercado do
Algueirão, pelo-me por uma boa feira e na Brandoa revivi Belleville. Quem diz
que conhece Paris e nunca foi a Belleville não conhece nada, nadinha, zero!
Com um morro afavelado lá atrás,
vizinho da estação de metro, a Brandoa pode meter medo a uns quantos, mas a
mim, pelo menos o mercado, fascina-me: brancos e pretos e chineses e indianos e
barracas de couratos paredes meias com os montes de roupa e fumo dos choriços
assados ao lado de hortaliças lindas de comer e plásticos e meias e cuecas e
tudo!
É neste mercado que mora o
Fanan, o verdadeiro Fanan, aquele que aparecia num programa de televisão em
frente de uma roulotte, com casaco de pura pele de crocodilo, rabinho de cavalo,
bota bicuda a esconder a peúga branca.
Os Fanan’s deste mundo conhecem
as cervejas por bejecas e enfardam bifanas enquanto o crucifixo lhes balança ao
pescoço e o mindinho levantado ostenta um anel de ouro… ou isso; são reis e
senhores nas suas enormes gargantas e, se fosse de Verão, ainda iam dar uma
cacholada a Carcavelos.
Vi belos exemplares de ladies
em fato de treino e sapatos que atestam a genuinidade do local, onde voltarei,
como é óbvio. Não faltavam pechinchas, faltava-me a mim o carcanhol, caso contrário
viria de lá envolta num casaco de pele de leopardo, calçada com uns Manolos.
Não por causa da lisura da carteira mas pelo incómodo do transporte – a pé! – não
comprei nenhum ramo de hortaliça, embora fossem de meter pelos olhos dentro.
Planeia-se já nova incursão,
desta feita em excursão com amigas a reboque. Não posso falar muito se não
ainda tenho mesmo que alugar um autocarro.
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