quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Saltemos!


Fruto de uma vida passada com muitas horas em pé, a que se junta uma alimentação bem portuguesa com tudo a que se tem direito no universo dos presuntos gordos e afins, falta de exercício físico e uma média de horas de sono muito aquém do recomendado, o meu pai tem uma colecção única de operações às artérias.
Se as primeiras se ficaram por banais limpezas, passou depois a desobstruções que obrigaram a outras logísticas, cujos sinais de trânsito interrompido nem se percebia se eram provisórios ou definitivos. Ah, o tabaco também não ajudou lá grande coisa, não sei porque me lembrei de repente, mas é verdade.
Quando as simples desobstruções não fizeram efeito, os cirurgiões optaram por umas quantas ligações directas, fazendo das pernas do meu pai uma espécie de patchwork arterial.
Consequentemente, da mesma forma que a minha mãe muda de óculos de sol, o meu pai muda de bengala. Não sendo o caso para brincadeira, temos que o levar o melhor possível, combatendo as angústias que se geram, o medo do desconhecido em forma de amputação de um pé, a perca da liberdade física como se conhece.
De entre os problemas de saúde há os chamados cromos doirados e um dos do meu pai é um AVC, vários até, mas um que se destacou pela intensidade e pelo rasto dos estragos.
Ora, agora dizem-nos que as obstruções se verificam num grau de 95%, daí a urgência de nova operação. Porém, o historial dos avc’s põe travão à urgência e pede exames complementares para se pesar o risco de um lado e do outro.
A minha mãe está presente na consulta e ouve o médico dizer que as possibilidades do meu pai ficar na mesa de operações são elevadas (sic). As palavras não foram brutas, de modo algum, apenas não se cozinharam e foram proferidas cruas. Nem lumes brandos, nem entaladelas.
O portão do hospital exala desânimo e as pedras da calçada parecem ter ímanes que nos dificultam o andar. Cumpre-me falar do mundo, de tudo e de nada, e faço-o com a ajuda do meu filho e de uma amiga que estava connosco.
Construo diques e uma barragem ou outra na conversa de modo a conduzi-la para saltos de para-quedas, um sonho que o meu pai tem desde sempre, que nunca concretizou e que se diz pronto para o fazer, independentemente das circunstâncias.
Falo num velho com oitenta e tal anos que o fez há meia dúzia de dias. Um velho de oitenta e tal anos! O meu pai tem setenta, é um gaiato.
Perante a ideia a minha mãe insurge-se contra as minhas loucuras. O meu pai alarga o sorriso como se pensasse em qualquer coisa que está na dimensão dos sonhos irrealizáveis e, de repente, lhe aparecesse à frente em carne e osso.
Pelo meu lado sinto o coração bater mais depressa. Nada é melhor que fazer os outros sorrir. Saltemos. 

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