A maior benesse vinda do trabalho do meu pai eram os bilhetes de cinema de graça. Qual ordenado, qual quê? Os bilhetes, os bilhetes, esses sim, eram a melhor coisinha que ele trazia para casa, directamente para as minhas mãos. Os bilhetes em si eram reclamados na bilheteira mediante a apresentação de um talão rectangular, branco, com o nome do cinema, não do filme, inscrito a letras grandes: Condes, S. Jorge, Tivoli, Eden, Europa, Monumental, Alvalade, entre outros.
Sendo os bilhetes gratuitos e não havendo muitos pedidos, coisa que me causava grande estupefacção, mas satisfação em simultâneo, pois assim ninguém me faria concorrência, chegava a ver três filmes no mesmo dia, o que em plenos anos 70 era uma proeza.
Com uma linha de metro com meia dúzia de estações, sabia-lhe os horários - ou as expectativas deles - melhor que os maquinistas e corria de sala em sala, arfando até me sentar no escurinho do cinema. Fiz muitos amigos, pois claro, mas neste dia fui com os meus pais.
Comecei com a minha mãe numa sessão no S. Jorge a ver uma coisa leve, Os Canhões de Navarone. Ela ia como uma super-modelo, de lenço na cabeça, muito em moda na altura, óculos de sol estilo Madalena Iglésias e botas altas.
Quando o filme acabou o meu pai esperava-nos, saído do trabalho, e fomos em direcção ao Monumental, ver outro filme. Ela já não ia bem-disposta, que canseira, que exagero, dois filmes, mas onde é que isto já se viu, e eu, coitado do pai, tu viste mas ele não viu e este deve ser tão giro, eu nem sonhava o que ia ver, mas não fazia mal algum, era preciso ir.
Enquanto a minha mãe esperançava num filme romântico, ai estes canhões, tanta guerra, só guerra, quase não entram mulheres e uma das poucas logo tinha que fazer de muda, eu mentia garantindo que este agora era diferente, não tinha nada a ver. E não teve, pelo menos para mim, que da acção dos Canhões de Navarone lembro duas ou três coisas e de Lawrence da Arábia, lembro tudo, ou não o tivesse visto vezes sem conta pois desde aquele dia que exerce em mim um fascínio inexplicável.
O meu pai quis sair a meio, o lenço que ela levava na cabeça passou para o pescoço e daí para a mala, da mala para as mãos e para a testa, para limpar o suor que a fartura do filme lhe causava. E eu parecia uma boneca, sem ouvir nem falar, imóvel, a amar para sempre aquele homem, aquelas paisagens, aquele actor, aqueles países, aquela dinâmica e, porque não dizê-lo, aquelas roupas e até aqueles camelos.
Depois daquela tarde li, vi outros filmes, viajei pelos caminhos que ele percorreu, ouvi injuriá-lo, ouvi adorações em seu nome, arrebanhei tudo, como os fãs costumam fazer, sem acreditar nuns ou dando razão a outros, só ouvindo, que os mitos têm sempre dois lados.
As pessoas, agora que têm televisão e internet acreditam em tudo; a última dizia que morreu Peter O'Toole, como se alguém assim pudesse morrer...
A palavra Imortal tem poucas utilizações, e nesta pessoa é uma delas, nesta pessoa que para sempre será duas pessoas, que o mesmo é dizer, um mito.
Sendo os bilhetes gratuitos e não havendo muitos pedidos, coisa que me causava grande estupefacção, mas satisfação em simultâneo, pois assim ninguém me faria concorrência, chegava a ver três filmes no mesmo dia, o que em plenos anos 70 era uma proeza.
Com uma linha de metro com meia dúzia de estações, sabia-lhe os horários - ou as expectativas deles - melhor que os maquinistas e corria de sala em sala, arfando até me sentar no escurinho do cinema. Fiz muitos amigos, pois claro, mas neste dia fui com os meus pais.
Comecei com a minha mãe numa sessão no S. Jorge a ver uma coisa leve, Os Canhões de Navarone. Ela ia como uma super-modelo, de lenço na cabeça, muito em moda na altura, óculos de sol estilo Madalena Iglésias e botas altas.
Quando o filme acabou o meu pai esperava-nos, saído do trabalho, e fomos em direcção ao Monumental, ver outro filme. Ela já não ia bem-disposta, que canseira, que exagero, dois filmes, mas onde é que isto já se viu, e eu, coitado do pai, tu viste mas ele não viu e este deve ser tão giro, eu nem sonhava o que ia ver, mas não fazia mal algum, era preciso ir.
Enquanto a minha mãe esperançava num filme romântico, ai estes canhões, tanta guerra, só guerra, quase não entram mulheres e uma das poucas logo tinha que fazer de muda, eu mentia garantindo que este agora era diferente, não tinha nada a ver. E não teve, pelo menos para mim, que da acção dos Canhões de Navarone lembro duas ou três coisas e de Lawrence da Arábia, lembro tudo, ou não o tivesse visto vezes sem conta pois desde aquele dia que exerce em mim um fascínio inexplicável.
O meu pai quis sair a meio, o lenço que ela levava na cabeça passou para o pescoço e daí para a mala, da mala para as mãos e para a testa, para limpar o suor que a fartura do filme lhe causava. E eu parecia uma boneca, sem ouvir nem falar, imóvel, a amar para sempre aquele homem, aquelas paisagens, aquele actor, aqueles países, aquela dinâmica e, porque não dizê-lo, aquelas roupas e até aqueles camelos.
Depois daquela tarde li, vi outros filmes, viajei pelos caminhos que ele percorreu, ouvi injuriá-lo, ouvi adorações em seu nome, arrebanhei tudo, como os fãs costumam fazer, sem acreditar nuns ou dando razão a outros, só ouvindo, que os mitos têm sempre dois lados.
As pessoas, agora que têm televisão e internet acreditam em tudo; a última dizia que morreu Peter O'Toole, como se alguém assim pudesse morrer...
A palavra Imortal tem poucas utilizações, e nesta pessoa é uma delas, nesta pessoa que para sempre será duas pessoas, que o mesmo é dizer, um mito.
Tal e qual, Areia às Ondas, falou! Grande filme. Grande actor. No tempo em que o cinema era ir ao cinema ... e se perder nas telas para sempre.
ResponderEliminarFatima MP, que saudades desse 'ir' ao cinema... pode crer.
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