terça-feira, 8 de outubro de 2013

Takk

As saudades do V. são sempre muitas. Por isso foi com ansiedade que chegou esta semana, na qual ele prometera uma visita. Veio acompanhado por um amigo de quem já ouvira falar frequentes vezes, dono de loja de albarrábios, que o mesmo é dizer mago destas coisas dos livros.
A Praça do Comércio recebeu-nos com sol e a mesa no Martinho ao almoço com peixe grelhado para uns e favas para outro. E vinho. E excelente disposição. E conversa, a minha aos saltos, no meu estrangeirar, que se dane!
Senti imediata empatia com o norueguês e passei a adorá-lo quando percebi que idolatrava o V., tal como eu, suposição que ficou no ar ao almoço e foi confirmada ao jantar - fiz um intervalo de tarde para ir trabalhar...
D. José acolheu-me debaixo do seu cavalo enquanto os esperava ao fim do dia, com um jantar em Cacilhas debaixo de olho. Conhecedora exímia da cidade onde trabalho, encaminhei-os para a estação fluvial em direcção ao Barreiro. Estando as máquinas de venda de bilhetes out of service - todas! - fomos à bilheteira, onde percebi o engano. Saltámos para um autocarro, transporte que não apanhava há anos e que, curiosamente, hoje voltei a usar, face à greve do Metro, e fomos para o Cais do Sodré.
Não sei se por solidariedade com as outras máquinas, mas também aqui estas estavam out of service... sobrava uma e não dava troco, não aceitava pagamento com multibanco, lá se tiraram três bilhetes - um de cada vez! - e fiquei com as notas de crédito para levantamento posterior.
É tão bom termos as coisas mas nada funcionar, não é nada terceiro-mundista, fazem-se filas de gente na bilheteira, quem mete dez ou vinte euros na máquina e não pode recuperar a demasia reclama e insurge-se contra a máquina, são muito vivos e dinâmicos aqueles momentos...
Finalmente, chegamos a Cacilhas, o sol já não podia esperar mais por nós e tinha desaparecido deixando um rasto cor-de-laranja, ainda assim, impressionante, as gruas do porto a desenharem-se à contra-luz, espuma branca efémera a formar-se e desfazer-se enquanto outro cacilheiro passa por nós, imagem sempre memorável.
Caminhamos no Cais do Ginjal em direcção ao Atira-te ao Rio ainda com luz. Falamos, falamos, falamos, comigo a tropeçar na língua a cada passo, mas fascinada com o que o norueguês sente pelo V., aproveitando dois momentos em que se ausenta para rezarmos ao mesmo Deus, abrirmos os olhos de felicidade pelo amigo comum, comungarmos naquela amizade, elogiando mais que merecidamente quem não gosta de elogios, os dois com a certeza que um dia o V. será descoberto. Descoberto pela sua inteligência, pela sua enorme e inultrapassável capacidade de análise da vida, pela sua forma de escrever, pelo talento para cruzar conhecimento imprimindo-lhe mais valia, pela sua memória, da qual morro de inveja, assim como pelas línguas onde se espraia, que me faz ciumenta.
O V. é uma pessoa que me faz sentir segura só por estar ao lado dele, fico feliz por saber que não sou a única e por poder partilhar esta sensação com alguém que convive com os Invernos noruegueses, como se a amplitude térmica que ambos simbolizamos fosse a escala para a dimensão do V.: dos calores alentejanos aos gelos nórdicos, o V. é universal.

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