segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

'A nova ordem industrial no Estado Novo'


Conheci o mítico Rogério de Moura há vários anos por intermédio de amigos que eram autores na Editora que dirigia. Assistir a conversas entre Rogério de Moura e um dos meus amigos, ou com José-Augusto França, por exemplo, situação que também tive o privilégio de presenciar, era um fenómeno, uma viagem sem tempo nem espaço, projectada para o passado, reflectida no futuro, profundamente presente.
A determinada altura, a Editora onde eu própria trabalhava fez uma co-edição com os Livros Horizonte e foi na primeira pessoa que reuni com ele, que o vi trabalhar o que, com Rogério de Moura, era sinónimo de viver ou respirar.
Numa sala ampla, onde recordo a madeira como elemento muito presente, dispunham-se manuscritos de várias qualidade e feitios, bem como o temperamento do Editor que, parafraseando Coetzee, era a parte mais dura do seu corpo.
Semicerrava os olhos e exalava conhecimento, abria-os de curiosidade como um gaiato, não se limitava a ouvir, mas escutava bem para responder melhor. A este propósito, nunca os problemas de audição, de que sofria, se mostraram invasores das capacidades de apreciação do Editor.
Era impossível não respeitar Rogério de Moura, assim como era muito difícil, principalmente para alguém na minha área, não o invejar.
Há dias comprei um livro da sua editora e apanhei um baque. Quem conhecesse Rogério de Moura saberia que algo ia mal no reino da Dinamarca ao ver o livro, que nos apresenta uma outra Livros Horizonte, outra no sentido de vulgar, de denúncia da ausência do seu criador.
Tendo amigos e conhecidos ligados à CUF, sempre me interessei pela matéria nas suas mais variadas vertentes e, sempre que possível, acompanho o que se faz, o que se produz, o que se escreve. Assim, fui ao lançamento de A nova ordem industrial no Estado Novo: da fábrica ao território de Lisboa: 1933-1968 e comprei o livro.
A obra é o resultado de uma tese de doutoramento e a orientadora usou, abusou, violou, gastou à exaustão a palavra perseverança e toda a sua família, para se referir à sua orientanda, num discurso curto mas grosso de perseverações.
Ainda não o li, mas um livro é fonte de informação rica e variada mesmo sem ser lido de fio a pavio e, em duas penadas de vistoria, fico desanimada com várias coisas.
Na ficha técnica aparece uma tradutora! Assim se delineia a versão de mistério do livro: o que terá traduzido?
Não há notas de rodapé: a informação está alinhada no final do livro, de forma incómoda, com total prejuízo do leitor.
A bibliografia parece uma árvore de Natal… quer fazer-se tanto e depois sai um aglomerado de informação que, junto, perde o nexo, o norte, o sentido. A informação constante no livro pode ser preciosa para outros investigadores mas o código com que está apresentado, digno da CIA ou da Mossad, torna as referências bibliográficas, as pistas e os caminhos num labirinto difícil de percorrer.
Terá a autora querido alcandorar a sua obra à vastidão de uma enciclopédia? Se não quis, parece, e caiu no ridículo.
O capítulo das Fontes e Bibliografia tem divisões com critérios duplos imperceptíveis: de suporte e temática. Assim, por exemplo, temos uma secção de Periódicos e logo a seguir de Industrialização. Há uma secção de Indústrias, Implementação e Ideário e outra de Indústrias. Esta está ainda dividida, alfabeticamente por empresas. Ou seja, a árvore de Natal ganha consistência debaixo de tantas fitas e bolas.
Por falar em alfabeticamente… bem, se calhar é melhor saltar este aspecto…
Enfim, o carrossel do costume para os autores que querem mostrar, mostrar, mostrar, e não se centram em provar de forma clara e transparente os documentos a que recorreram e ponto final.
Com uma bibliografia tão pormenorizada, aparentemente, não faltaria nada, mas há notas a remeter para um autor e uma data, e quando, garimpando com vigor e paciência, dermos conta da referência na Bibliografia verifica-se que o dito autor tem mais que uma obra da mesma data. Em que ficamos, qual delas é?
Escrever livros não é difícil, fazer investigação também não, fazer investigação séria é um osso duro de roer e a falta de pormenor e rigor na Bibliografia é um dos aspectos que denunciam a falta de seriedade da investigação.
No final há um índice onomástico mas vários autores foram eliminados, esquecidos, obliterados, a começar pela própria autora do livro.
Depois não se encontram referências a quem é batido na CUF, verificando-se uma ausência por exemplo do biógrafo dos últimos senhores da CUF, Miguel Figueira de Faria.
Das fontes impressas da Fundação Calouste Gulbenkian só uma está identificada, as outras têm autor, um deles mal referenciado, e título, nada mais. Editoras e datas estão em branco; calhando, apareceram de geração espontânea.
As páginas das Fontes e Bibliografia são elas próprias uma fonte, um rio, um mar de disparidades, disparates que não deviam acontecer num trabalho de doutoramento.
Se cada um de nós começar a interpretar os sinais de trânsito à sua medida, se eu pintar de azul o sentido proibido que está numa das pontas da minha rua, muita confusão vai nascer, garantidamente.
As Bibliografias são mapas que devem ser precisos e fiáveis, mas há quem os codifique e este é um desses casos. Porém, a codificação de uma bibliografia pode acontecer propositadamente ou por desconhecimento, por desleixo e desleixo é a palavra certa para alguém que faz um doutoramento e desleixa tão importante parte do seu trabalho.
Não se percebe o critério da utilização de maiúsculas e minúsculas; não se percebem as vírgulas ou a falta delas – o que faz com que, entre muitos outros, Raquel Henriques da Silva apareça como RAQUEL HENRIQUES DA DIRC SILVA.
A falta de precisão leva a que títulos espanhóis estejam escritos em português (como por exemplo o de Sobrino Simal) e que se aportuguesem títulos franceses, como o de Michel Rautenberg.
Por outro lado, a páginas tantas a Bibliografia desdobra-se em Bibliografia Específica, onde têm lugar, novamente, secções como 5.2 -Indústria, implementação e ideário; 5.3 – Indústrias e 5.4 – Exposições industriais e outras; contudo a primeira secção é 5.1 – Artigos, e pergunta-se, é específica de quê?
AAVV, que remete para autores vários, já não se usa, e é recurso de ignorância ou facilitismo. A NP 405 indica que as obras com mais do que três autores devem entrar pelo primeiro, seguido da expressão [et. al] e não et. all, que parece querer inglesar a expressão original.
Nas notas usa-se o sistema Autor-data e na Bibliografia não, o que me leva de volta ao exemplo dos sinais de trânsito: quando vejo um 100 dentro de uma placa quererá dizer que não posso baixar a velocidade daquele limite?
No índice onomástico Le Corbusier entra no L mas na bibliografia entra em C…
Os Júniores entram por Júnior ignorando a regra do parentesco.
Fico-me por aqui. Guardarei a leitura do livro em si para quando se esbater a surpresa negativa que o primeiro embate me provocou. Mantenho a esperança de poder gostar da leitura, porque, como é sabido, é a última a morrer.
Deolinda Folgado - A nova ordem industrial no Estado Novo: da fábrica ao território de Lisboa: 1933-1968. Lisboa: Livros Horizonte, 2012.

2 comentários: