Por vezes
esqueço-me do livro e não tenho outro remédio senão ir a olhar para as pessoas
no Metro. Outras vezes levo o livro mas as pessoas falam de tal maneira que não
tenho outro remédio senão ouvi-las.
Eu ouço-as, as pessoas que vão ali nas
redondezas ouvem-nas, a carruagem inteira as ouve, mas garanto que elas não se
ouvem a elas próprias.
Qualquer um
pensará que são surdas ou velhotas. Errado.
Há dias iam três
senhoras, pela conversa professoras do primeiro ciclo, todas na casa dos trinta
e tal anos e, literalmente, todas a falar ao mesmo tempo, sem esperar resposta
e sem interrupção. Aquilo sim merecia ser filmado.
Às tantas percebi
que não eram professoras, eram lunáticas fugidas de um hospício. Talvez já
tivessem sido professoras ou talvez quisessem ter sido professoras, qualquer
coisa do género, mas serem professoras, não podiam ser.
Uma atenção bem
atenta e concentrada revelava que falavam da mesma coisa, da mesma escola,
diziam os nomes dos mesmos miúdos e referiam-se aos pais desses miúdos, mas
tudo ao mesmo tempo como se estivessem num concurso para ver quem falava mais e
mais depressa.
Nesse dia eu
levava um livro, que seguia fechado, e ia fascinada pelo trio professoral, cada
qual com sua louca oração de sapiência, apressada e desprovida de sentido.
A coisa era de
tal forma que de repente uma delas disse a outra que já tinham passado o Colégio
Militar, estação onde a amiga devia ter saído. Ela calou-se uns milésimos de
segundo, parecendo estar a processar a informação, voltou a encarrilar no solilóquio
e nem deu resposta à outra que, por sua vez, fez a mesma coisa.
Duas ou três
estações mais adiante saíram as três em permanentes e paralelos monólogos,
virando a cara sucessivamente, como para dar a ideia que falavam umas para as
outras, e o comboio continuou a sua marcha.
Um velhote que
seguia sentado frente a mim olhou-me e disse:
- Livra, parecia
uma garreia de cães!
Desatei a rir
pela oportunidade da expressão mas também pela lembrança, pois era uma coisa
que o meu avô dizia muitas vezes.
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