quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Garreia de cães


Por vezes esqueço-me do livro e não tenho outro remédio senão ir a olhar para as pessoas no Metro. Outras vezes levo o livro mas as pessoas falam de tal maneira que não tenho outro remédio senão ouvi-las. 
Eu ouço-as, as pessoas que vão ali nas redondezas ouvem-nas, a carruagem inteira as ouve, mas garanto que elas não se ouvem a elas próprias.
Qualquer um pensará que são surdas ou velhotas. Errado.
Há dias iam três senhoras, pela conversa professoras do primeiro ciclo, todas na casa dos trinta e tal anos e, literalmente, todas a falar ao mesmo tempo, sem esperar resposta e sem interrupção. Aquilo sim merecia ser filmado.
Às tantas percebi que não eram professoras, eram lunáticas fugidas de um hospício. Talvez já tivessem sido professoras ou talvez quisessem ter sido professoras, qualquer coisa do género, mas serem professoras, não podiam ser.
Uma atenção bem atenta e concentrada revelava que falavam da mesma coisa, da mesma escola, diziam os nomes dos mesmos miúdos e referiam-se aos pais desses miúdos, mas tudo ao mesmo tempo como se estivessem num concurso para ver quem falava mais e mais depressa.
Nesse dia eu levava um livro, que seguia fechado, e ia fascinada pelo trio professoral, cada qual com sua louca oração de sapiência, apressada e desprovida de sentido.
A coisa era de tal forma que de repente uma delas disse a outra que já tinham passado o Colégio Militar, estação onde a amiga devia ter saído. Ela calou-se uns milésimos de segundo, parecendo estar a processar a informação, voltou a encarrilar no solilóquio e nem deu resposta à outra que, por sua vez, fez a mesma coisa.
Duas ou três estações mais adiante saíram as três em permanentes e paralelos monólogos, virando a cara sucessivamente, como para dar a ideia que falavam umas para as outras, e o comboio continuou a sua marcha.
Um velhote que seguia sentado frente a mim olhou-me e disse:
- Livra, parecia uma garreia de cães!
Desatei a rir pela oportunidade da expressão mas também pela lembrança, pois era uma coisa que o meu avô dizia muitas vezes. 

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