Os voos low cost não têm
lugar marcado, razão pela qual me sentei assim que vi o primeiro vago do lado
da coxia. Terceira fila, lugar do meio ocupado por um homem com cerca de 50
anos. Assim que me sentei, agarrou no telefone e disse a alguém que se
apressasse, que não podia guardar o lugar. Em menos de um minuto aparece uma
trintona afogueada que me pede licença e passa para a janela.
Ele manifestou-lhe a ansiedade
e disse-lhe que nunca mais podia trazer aquela quantidade de bagagem, que para
além do preço a mais, era uma maçada depois terem que esperar pelas maletas. Disse-o
com um tom que foi passando de incomodado para compreensivo, passou pela tolerância
e foi terminar naquelas vozinhas abebezadas que se fazem quando queremos mimar
alguém ou mostrar que não estamos zangados.
Apesar do espaço ser parco ele
lá conseguiu por-se de perna cruzada, a dele por cima da perna dela e foi
dizendo fosquices que a levaram a pedir que parasse, meia encarnada, ao que ele
ripostou que ninguém ouvia. Contendo-me para não rir, deu-me vontade de lhe
dizer que qualquer pessoa nos bancos à volta estava pronta para fazer revisão
daquela matéria, de tão claro e audível ele tinha falado.
Enquanto os outros passageiros
se acomodavam nos buracos vagos, ele destrocou a perna, agarrou no telefone e
avisou um bacano que estava a chegar:
avião (onde ele estava) rimava com amigão (o que o esperava no Funchal), com
jantarão (o que iriam comer juntos), com abração (o que lhe enviava). Aproveitou
também para lhe dizer, desviando-se ligeiramente da sua companheira e,
obrigatoriamente, aproximando-se (ainda mais!) de mim que a gaja também ia.
Achei extraordinária a
observação, o facto de ele pensar que não se ouvia, o facto de se estar nas
tintas, enfim…
Terminado o telefonema ligou
um portátil mas foi toca e foge pois a hospedeira espanholita pediu-lhe que não
o fizesse. Ele cumpriu, contorceu-se novamente, cruzou a perna e foi depositá-la
em cima da pernoca dela, muito nervosa por ir aterrar no Funchal, que tinha uma
pista muito pequenina e era sítio perigoso. Mas qual perigo qual quê? Não
estava ali ele? Isto era percurso que ele conhecia de cor e salteado e acalmou-a
com beijinhos e abraços e carinhos, enquanto ela me controlava com o canto do
olho e dizia olha as pessoas…
Para a ajudar a descontrair
começou a dissertar sobre o sítio onde iam jantar, que servia tanto comer que até te vais vomitar toda… Tive pena
de não ter decorado o nome do restaurante para me lembrar de nunca lá ir, mas
com tanta informação a ser debitada não tenho cabeça para tudo! A seguir
falou-lhe do bacano que os esperava
no aeroporto, que ele conhecia desde pequeno e avisou-a, passando à velocidade
da luz de um tom ternurento para um de ameaça, que não lhe desse abébias, que
ele conhecia-o bem e ele comia tudo o que
lhe aparecia.
A esta hora já eu estava com a
impressão do bilhete na mão, o primeiro papel que me apareceu quando meti a mão
na mala, a escrever em código estas pérolas românticas.
Rabiscava eu à pressa, quando
eles se endireitaram e calaram. Discretamente guardei o papel e o lápis no
bolso do peito do blusão, a hospedeira pediu-me que metesse as pernas para dentro
pois iam passar com o carro e adormeci. Acordei com a mesma senhora – bolas,
esse carro demora a passar, hem? – a perguntar-me se tinha o cinto apertado
pois íamos aterrar…
Esta coisa boa de dormir
quando tenho sono, deitada, sentada, torta, de qualquer maneira, fez-me perder
o resto da conversa entre o casalinho meu vizinho, embora tenha acordado a
tempo de a ver muito nervosa com o aproximar da aterragem, tendo a rapariga
batido palmas como se estivesse na primeira fila de um concerto dos Beatles,
apesar de ele lhe dizer, já chega, já
chega…
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