segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Velhos, são só os trapos?

Domingo de manhã. Regressada das compras vejo uma ambulância do INEM parada à minha porta. Entro com os sacos e vejo que foi chamada para o rés-do-chão. Os bombeiros preparam-se para levar o velhote que ali mora para o hospital. Pergunto à senhora que está à porta o que se passa com o marido. Ela esclarece-me que é a pessoa contratada pelo filho para tomar conta dele de noite, que não é da família. Peço desculpa alegando ignorância, ela sorri dizendo que não faz mal, que muita gente pensa que são marido e mulher e termina a conversa com ansiedade dizendo que tem que chamar um táxi para a levar ao hospital, pois não pode ir na ambulância. Prontifico-me imediatamente para a levar. Subo na velocidade do elevador, deixo os sacos e informo o Duarte em três palavras.
Quando desço já a ambulância vai em velocidade de cruzeiro e a senhora começa um rosário de agradecimentos, com explicações pelo meio e muita amargura a toda a volta.
O filho não pode dar apoio ao pai porque vive na Alemanha, e para isso a contratou a ela, que dorme todas as santas noites na casa do Sr. G., com a missão de zelar por ele, levá-lo à casa de banho e fazer-lhe o almoço, que ele toma sozinho. O jantar também o faz, quando entra ao serviço.
As orientações que tem se acontecer uma urgência é avisar o irmão mais novo do Sr. G. Foi o que fez ligando para casa dele, telefone 21 etc., etc., e do qual ele lhe respondeu repetindo o que a senhora lhe dizia, Ai ele vai para o hospital? Mas agora? Olhe que maçada, logo agora que estou em Lisboa a tratar dum assunto e não posso ir...
A senhora estava amarga com quem tinha tido o desplante de lhe responder assim, Pois se mora na Amadora, a dizer-me que estava em Lisboa...
Porém, de acordo com as mesmas orientações, em segundo lugar deverá ligar a uma sobrinha que mora igualmente a 10 minutos de carro. Mas, ele há coincidências do diabo..., não é que a sobrinha tinha planeado ir almoçar fora com a filha e não lhe dava jeito agora ir ao hospital?
A senhora que me contara o episódio do irmão com amargura e tristeza, contava agora o da sobrinha com acidez e acrescentava que quando se é velho é-se um monte de trampa.
As minhas tentativas para discordar dela foram fracas porque também eu sentia raiva de pessoas que nem sei quem são. Como se as informações não chegassem, ela acrescentou ainda que tinha a certeza que lhe atendiam o telefone apenas por um motivo: o Sr. G. tinha uns dinheiritos, pois claro, que a sobrinha vinha reclamar em dias de festa, natais e páscoas, alturas em que aparecia com doces que o tio não podia comer. Nas mesmas alturas apareciam sobrinhos que o Sr. G. nem se lembrava que tinha.
Já à porta do hospital a senhora atendeu a filha a quem explicou os motivos de não estar ainda em casa, dizendo que não sabia a que horas chegaria e pedindo desculpa por não ter avisado. Explicou-me que estava de folga, mas tendo consciência, quem é pode ter folgas numa situação daquelas, perguntava-se.
Deixei-a e dei-lhe o número do meu telefone dizendo que não me custava ir buscá-la, que me chamasse quando estivesse despachada.
Eram nove da noite quando recebi o telefonema. Disse que tinha entrado em casa naquela hora, que a filha a fora buscar ao hospital, onde o Sr. G. ficara internado. Tinha acabado de ligar ao filho, na Alemanha, a quem tinha poupado a informação até saber do internamento. Agradeceu-me mais uma vez e em tom de desabafo informou que ninguém da família sequer lhe ligara o dia inteiro.

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