Haverá pessoa que cative mais nas suas alocuções do que o Prof. José Hermano Saraiva? A sua estatura é oposta à estatura das suas conquistas, Napoleão feito cronista oral da História de Portugal e dos portugueses por esse mundo.
O Prof. JHS é o deus da oralidade, vemo-lo na televisão e pensamos ver a História de Portugal em linguagem gestual que, com uma forma muito própria, agarra ouvintes. Adora uma boa lenda que, dita muitas vezes, se transforma numa verdade com selo e tudo. É o grande divulgador, fala para massas, e o discurso tem obrigatoriamente que contemplar os que sabem o significado de 1143, os que dão valor máximo na História aos cognomes dos monarcas, os que consideram que alguém é um sábio digno de respeito com joelho no chão e tudo quando sabe de cor e salteado a genealogia real, embora não saiba perscrutar os caminhos económicos ou sociais aqui do jardinzinho. A linguagem tem que se adaptar a uma média de pessoas e evitam-se palavrões como miscigenação ou ostracizar (não, não é a técnica de apanhar ostras), ou seja, no entendimento da mensagem têm que caber todos os ouvintes. As televisões estão cansadas de saber como se faz, os média em geral sabem a cartilha toda.
Se a ‘coisa’ fosse escrita outro galo cantaria. É que a palavra escrita aloja-se, fica ali, deixa marca e não podemos dizer, ah, foi uma gralha e tal… ah, foi o revisor, aquele malandro… não senhor. Nos livros, para além de faltar o apoio do gesto, mantém-se a necessidade de esclarecer o destinatário, neste caso, o leitor.
Como é óbvio há várias maneiras de o fazer e uma delas é partir do princípio que o leitor é um tolinho a quem tem de se explicar tudo, incluindo longas deambulações por pormenores, mais ou menos ‘técnicos’ e, não contente, repetindo-os! Só assim garantimos que o nosso livro é percebido por todos desde o totó ao ‘senhor doutor’.
Também pode ser manobra comercial para aumentar o número de potenciais compradores, mas aí o Autor está a escrever batatas e não livros, está a fazer cadeiras de diferentes cores, para totós, desculpem, para todos os gostos e talvez fosse boa ideia enviar um currículo para a Ikea.
Nesta linha de escrever para totós, para fazer chegar a informação ao leitor o Autor arranja as formas mais disparatadas que, frequentemente, são as menos credíveis. Será que se dá conta? Umas vezes sim, outras não. No primeiro caso, sabe também que está em jogo aquela malta que pode comprar o livro para fazer estante…, no segundo caso, é mais grave pois se escreve como se o fizesse para si, então algo vai mal no reino da Dinamarca… Mas se pensarmos que o público inclui os telespectadores da Casa dos Segredos, está perfeito! Tem que ser tudo explicado, explicadinho… enfim, é assumidamente para totós!
Assim sendo, aos escritores – e não só – bastam-lhes as vendas chorudas. Se introduzisse aqui uma nota de rodapé, ao jeito dos livros de Direito, diria: Sobre este assunto ver também Paulo Coelho, entre outros. Porém, são campeões de vendas! Indiscutível. Mas como bibliófila, como amante de livros e da escrita, como crítica também, mas acima de tudo como Leitora, tenho que mencionar que há livros que são uma fraude: uma fraude nas traduções, uma fraude nas revisões, uma fraude enquanto livros, porque me desapontam, não me desiludem, porque com certos autores já não tenho ilusões mas, ainda assim, conheço muitas pessoas que compram a banha da cobra. Embora não dite comportamentos ou acções seja de quem for, mas a minha consciência diz-me para avisar.
Já tinha lido José Rodrigues dos Santos e não tinha gostado, nomeadamente A Fórmula de Deus e O Sétimo Selo. A leitura do segundo confirmou o que pensava do primeiro: excessiva repetição de explicações científicas, como se o acto do repete-repete-repete, como quem decora, fosse mais esclarecedor quando, no fundo, é aborrecido e, a bem da verdade, é sinal de que os leitores são uns tolinhos.
Conhecedora dos meus gostos, uma amiga pôs-me O Último Segredo na mão, de empréstimo, e pediu-me opinião sobre o romance.
A construção de personagens é fraca, fraquíssima, fazendo lembrar os filmes que parodiam outros filmes e que pretendem ser sátiras de alguma coisa. Há um aflorar, nunca um aprofundar, do interior das personagens, e a sua solidez esbate-se como barro misturado com água.
JRS escreve para tontos, com personagens tontas – um historiador que vê palhaços no Vaticano e só depois se lembra que são os guardas suíços? Ainda por cima está a fazer trabalho de arqueólogo… e se se lembra de dar um osso ao cão? Mas apesar de ser muito inteligente e ter conhecimentos acima da média estranha quando lhe falam em ADN fóssil… Estranho…
Valentina Ferro é inspectora da Polizia Guidiziaria. Está no local do crime – no interior do Vaticano – com ‘dois guardas suíços, três carabinieri, dois religiosos e mais umas pessoas à paisana’. Não há alguém do Corpo della Gendarmeria, a polícia da Cidade do Vaticano. Estranho…
A inspectora é uma pessoa crente em tudo o que lhe dizem, violando o espírito de polícia que, por norma, ouve para reflectir e mais tarde decidir. Valentina vai acreditando em tudo o que Tomás diz, atrapalha-se com frequência perante a eloquência deste, engasga-se, não questiona nada, fazendo desaparecer a perspectiva científica dum agente da Judiciária. Estranho…
A mesma personagem não se exalta: entra em fúria, o que acontece várias vezes ao longo da narrativa! Se por um lado, vai acreditando em tudo o que ouve, por outro, tem lampejos esquisitos e saídas nada dignas de uma Judite: “Oh, não diga isso” é o melhor que consegue para ripostar sobre uma incongruência da Bíblia. É a personagem palerminha do livro que oscila entre atitudes infantis (perante letras gregas afirma: “Parecem sinais alienígenas, daqueles que vemos desenhados nas naves dos extraterrestres em filmes de ficção científica. Star Treck e coisas do estilo”), caprichosas (“Problemas? Que problemas? Dio mio, lá está você a complicar”), birrentas (“Eu estou calma ouviu?”, quase gritou a italiana. “Não me enervo facilmente! Não sou dessas! Mesmo quando por vezes tenho motivos para me enervar. Como quando escuto certas alarvidades!...“), completamente estúpidas (“Tomás fitou-a com intensidade, para sublinhar o significado das suas palavras. ‘O reino de Deus irá ser instituído já amanhã’. ‘Amanhã?’ Interrogou-se Valentina, verificando no relógio o dia em que estavam”). Estranho…
A memória do académico português (expressão repetida à exaustão até cerca de meio do livro e depois abandonada, para se usar mais uma vez lá para o final) é fabulosa no que se refere aos versículos da Bíblia. O Autor não encontrou outra forma de fazer chegar a informação ao leitor e põe o protagonista, qual evangelista, a citar a Bíblia. Como ele próprio considera isto uma atitude estranha – nem os Jeovás! - tenta dar credibilidade ao facto colocando uma personagem a dizer isso mesmo. Não atinge o objectivo mas consegue abrir buracos na personagem do historiador ‘criptanalista e perito em línguas antigas’.
A minha personagem favorita neste livro lembra Johnny English: Sicarius é o assassino mais trapalhão da história da literatura. Apanha táxis a caminho dos alvos, perde-se, pergunta a quem passa, pára em quiosques e faz mais perguntas, comportamentos completamente anormais para a sua posição secreta e sigilosa. Embora seja descrito como “… um autómato, uma máquina programada para cumprir a sua missão, fosse qual fosse o preço” mas depois contacta com o Mestre (que falta de imaginação no nome!) por telemóvel e este envia-lhe os planos dos assassinatos por e-mail, mas nem lhe deu uma gazua, obrigando o pobre a roubar a chave mestra na sala das empregadas de limpeza! Mas a cereja em cima do bolo atinge-se quando o Mestre lhe dá instruções por telefone, instruções essas que ele anota num bloco de notas que trás no bolso juntamente com uma caneta. O zénite é dividido por dois momentos: um, quando ambos s…o…l…e…t…r…a…m o nome duma Biblioteca a que optam por chamar Library e outro quando o Mestre se exprime ao telefone manifestando alívio através da palavra Ufa... Hilariante!
Convenhamos que uma ‘entidade’ como um Mestre deste gabarito se descredibiliza ao usar um tão vulgar Ufa…
Na página 40 do livro está outra aberração: o Codex Vaticanus fica ao alcance de todos quantos por ali deambulam, põe-se-lhe o dedo em cima para melhor se indicarem as leituras, bebe-se água nas imediações, enfim, é um forrobodó que nos traz de novo Johnny English à memória, numa sucessão de improbabilidades, (para não se lhe chamar impossibilidades) que criam osteoporose na narrativa. Já a leitura do Codex sem acompanhamento é uma fantasia, e a acontecer alguma coisa do género, seria imediatamente retirado por um batalhão de centuriões bibliotecários do Vaticano… antes de chamarem a Polícia, qualquer Polícia que fosse…
Muitas páginas adiante deita-se o protagonista numa cama do hospital Bikur Holim em Jerusalém, onde abre a gaveta da mesinha de cabeceira e tira uma Bíblia de onde lê excertos do Novo Testamento. Num Hospital que observa a dinâmica judaica com todo o rigor – só os não judeus trabalham ao sábado e até o aquecimento das refeições é pré-programado para esse dia sagrado – porque razão teriam Bíblias com o Novo Testamento nas gavetas dos quartos?
Na contra capa, uma afirmação atribuída ao holandês Tros Nieuwsshow, diz: ‘Melhor que Dan Brown’. E quem é este holandês? É um programa de rádio semanal que acorda os ouvintes às 8 e meia da manhã de sábado e, com certeza tem alguém que fala português, uma vez que o livro não está traduzido para holandês. Estratégia de marketing da editora, eu sei, eu sei… todos o fazem.
Quis-se acentuar a questão religiosa e deixou-se um pouco ao acaso a musculatura do enredo, deixando mais buracos que a Estrada da Morte na Bolívia.
Os autores que pretendem fazer divulgação científica, pseudo, o que queiram, devem escrever manuais, artigos que submeterão a revistas da especialidade, entre outros, mas a escrita dum romance implica a assumpção de certos pressupostos que aqui se encontram ausentes.
Por outro lado, e em termos formais, a Editora devia saber que o excesso de aspas para indicar os discursos directos é prejudicial à fluidez da leitura, povoada assim por elementos gráficos absolutamente desnecessários.
Da nota inicial 'Todas as citações de fontes religiosas e todas as informações históricas e científicas incluídas neste romance são verdadeiras' esperava-se uma bibliografia final bem organizada e completa, por dois motivos: primeiro porque o tom afirmativo da nota inicial indiciava que assim seria e, nestes casos, só é verdadeiro o que se prova; em segundo lugar, pela delicadeza do tema, digamos assim, que suscitaria dúvidas e necessidade de credibilidade documental.
Porém, a nota incial tem eco na nota final que descreve nomes de autores e títulos, sem qualquer referência bibliográfica, e ainda se afirma "Toda a informação relativa ao processo de clonagem (...) encontra-se disponível em toda a literatura científica relacionada com o assunto".
É caso para dizer, Obrigadinha José... havia de ser relacionada com quê?
Edição da Gradiva, 2011
O Prof. JHS é o deus da oralidade, vemo-lo na televisão e pensamos ver a História de Portugal em linguagem gestual que, com uma forma muito própria, agarra ouvintes. Adora uma boa lenda que, dita muitas vezes, se transforma numa verdade com selo e tudo. É o grande divulgador, fala para massas, e o discurso tem obrigatoriamente que contemplar os que sabem o significado de 1143, os que dão valor máximo na História aos cognomes dos monarcas, os que consideram que alguém é um sábio digno de respeito com joelho no chão e tudo quando sabe de cor e salteado a genealogia real, embora não saiba perscrutar os caminhos económicos ou sociais aqui do jardinzinho. A linguagem tem que se adaptar a uma média de pessoas e evitam-se palavrões como miscigenação ou ostracizar (não, não é a técnica de apanhar ostras), ou seja, no entendimento da mensagem têm que caber todos os ouvintes. As televisões estão cansadas de saber como se faz, os média em geral sabem a cartilha toda.
Se a ‘coisa’ fosse escrita outro galo cantaria. É que a palavra escrita aloja-se, fica ali, deixa marca e não podemos dizer, ah, foi uma gralha e tal… ah, foi o revisor, aquele malandro… não senhor. Nos livros, para além de faltar o apoio do gesto, mantém-se a necessidade de esclarecer o destinatário, neste caso, o leitor.
Como é óbvio há várias maneiras de o fazer e uma delas é partir do princípio que o leitor é um tolinho a quem tem de se explicar tudo, incluindo longas deambulações por pormenores, mais ou menos ‘técnicos’ e, não contente, repetindo-os! Só assim garantimos que o nosso livro é percebido por todos desde o totó ao ‘senhor doutor’.
Também pode ser manobra comercial para aumentar o número de potenciais compradores, mas aí o Autor está a escrever batatas e não livros, está a fazer cadeiras de diferentes cores, para totós, desculpem, para todos os gostos e talvez fosse boa ideia enviar um currículo para a Ikea.
Nesta linha de escrever para totós, para fazer chegar a informação ao leitor o Autor arranja as formas mais disparatadas que, frequentemente, são as menos credíveis. Será que se dá conta? Umas vezes sim, outras não. No primeiro caso, sabe também que está em jogo aquela malta que pode comprar o livro para fazer estante…, no segundo caso, é mais grave pois se escreve como se o fizesse para si, então algo vai mal no reino da Dinamarca… Mas se pensarmos que o público inclui os telespectadores da Casa dos Segredos, está perfeito! Tem que ser tudo explicado, explicadinho… enfim, é assumidamente para totós!
Assim sendo, aos escritores – e não só – bastam-lhes as vendas chorudas. Se introduzisse aqui uma nota de rodapé, ao jeito dos livros de Direito, diria: Sobre este assunto ver também Paulo Coelho, entre outros. Porém, são campeões de vendas! Indiscutível. Mas como bibliófila, como amante de livros e da escrita, como crítica também, mas acima de tudo como Leitora, tenho que mencionar que há livros que são uma fraude: uma fraude nas traduções, uma fraude nas revisões, uma fraude enquanto livros, porque me desapontam, não me desiludem, porque com certos autores já não tenho ilusões mas, ainda assim, conheço muitas pessoas que compram a banha da cobra. Embora não dite comportamentos ou acções seja de quem for, mas a minha consciência diz-me para avisar.
Já tinha lido José Rodrigues dos Santos e não tinha gostado, nomeadamente A Fórmula de Deus e O Sétimo Selo. A leitura do segundo confirmou o que pensava do primeiro: excessiva repetição de explicações científicas, como se o acto do repete-repete-repete, como quem decora, fosse mais esclarecedor quando, no fundo, é aborrecido e, a bem da verdade, é sinal de que os leitores são uns tolinhos.
Conhecedora dos meus gostos, uma amiga pôs-me O Último Segredo na mão, de empréstimo, e pediu-me opinião sobre o romance.
A construção de personagens é fraca, fraquíssima, fazendo lembrar os filmes que parodiam outros filmes e que pretendem ser sátiras de alguma coisa. Há um aflorar, nunca um aprofundar, do interior das personagens, e a sua solidez esbate-se como barro misturado com água.
JRS escreve para tontos, com personagens tontas – um historiador que vê palhaços no Vaticano e só depois se lembra que são os guardas suíços? Ainda por cima está a fazer trabalho de arqueólogo… e se se lembra de dar um osso ao cão? Mas apesar de ser muito inteligente e ter conhecimentos acima da média estranha quando lhe falam em ADN fóssil… Estranho…
Valentina Ferro é inspectora da Polizia Guidiziaria. Está no local do crime – no interior do Vaticano – com ‘dois guardas suíços, três carabinieri, dois religiosos e mais umas pessoas à paisana’. Não há alguém do Corpo della Gendarmeria, a polícia da Cidade do Vaticano. Estranho…
A inspectora é uma pessoa crente em tudo o que lhe dizem, violando o espírito de polícia que, por norma, ouve para reflectir e mais tarde decidir. Valentina vai acreditando em tudo o que Tomás diz, atrapalha-se com frequência perante a eloquência deste, engasga-se, não questiona nada, fazendo desaparecer a perspectiva científica dum agente da Judiciária. Estranho…
A mesma personagem não se exalta: entra em fúria, o que acontece várias vezes ao longo da narrativa! Se por um lado, vai acreditando em tudo o que ouve, por outro, tem lampejos esquisitos e saídas nada dignas de uma Judite: “Oh, não diga isso” é o melhor que consegue para ripostar sobre uma incongruência da Bíblia. É a personagem palerminha do livro que oscila entre atitudes infantis (perante letras gregas afirma: “Parecem sinais alienígenas, daqueles que vemos desenhados nas naves dos extraterrestres em filmes de ficção científica. Star Treck e coisas do estilo”), caprichosas (“Problemas? Que problemas? Dio mio, lá está você a complicar”), birrentas (“Eu estou calma ouviu?”, quase gritou a italiana. “Não me enervo facilmente! Não sou dessas! Mesmo quando por vezes tenho motivos para me enervar. Como quando escuto certas alarvidades!...“), completamente estúpidas (“Tomás fitou-a com intensidade, para sublinhar o significado das suas palavras. ‘O reino de Deus irá ser instituído já amanhã’. ‘Amanhã?’ Interrogou-se Valentina, verificando no relógio o dia em que estavam”). Estranho…
A memória do académico português (expressão repetida à exaustão até cerca de meio do livro e depois abandonada, para se usar mais uma vez lá para o final) é fabulosa no que se refere aos versículos da Bíblia. O Autor não encontrou outra forma de fazer chegar a informação ao leitor e põe o protagonista, qual evangelista, a citar a Bíblia. Como ele próprio considera isto uma atitude estranha – nem os Jeovás! - tenta dar credibilidade ao facto colocando uma personagem a dizer isso mesmo. Não atinge o objectivo mas consegue abrir buracos na personagem do historiador ‘criptanalista e perito em línguas antigas’.
A minha personagem favorita neste livro lembra Johnny English: Sicarius é o assassino mais trapalhão da história da literatura. Apanha táxis a caminho dos alvos, perde-se, pergunta a quem passa, pára em quiosques e faz mais perguntas, comportamentos completamente anormais para a sua posição secreta e sigilosa. Embora seja descrito como “… um autómato, uma máquina programada para cumprir a sua missão, fosse qual fosse o preço” mas depois contacta com o Mestre (que falta de imaginação no nome!) por telemóvel e este envia-lhe os planos dos assassinatos por e-mail, mas nem lhe deu uma gazua, obrigando o pobre a roubar a chave mestra na sala das empregadas de limpeza! Mas a cereja em cima do bolo atinge-se quando o Mestre lhe dá instruções por telefone, instruções essas que ele anota num bloco de notas que trás no bolso juntamente com uma caneta. O zénite é dividido por dois momentos: um, quando ambos s…o…l…e…t…r…a…m o nome duma Biblioteca a que optam por chamar Library e outro quando o Mestre se exprime ao telefone manifestando alívio através da palavra Ufa... Hilariante!
Convenhamos que uma ‘entidade’ como um Mestre deste gabarito se descredibiliza ao usar um tão vulgar Ufa…
Na página 40 do livro está outra aberração: o Codex Vaticanus fica ao alcance de todos quantos por ali deambulam, põe-se-lhe o dedo em cima para melhor se indicarem as leituras, bebe-se água nas imediações, enfim, é um forrobodó que nos traz de novo Johnny English à memória, numa sucessão de improbabilidades, (para não se lhe chamar impossibilidades) que criam osteoporose na narrativa. Já a leitura do Codex sem acompanhamento é uma fantasia, e a acontecer alguma coisa do género, seria imediatamente retirado por um batalhão de centuriões bibliotecários do Vaticano… antes de chamarem a Polícia, qualquer Polícia que fosse…
Muitas páginas adiante deita-se o protagonista numa cama do hospital Bikur Holim em Jerusalém, onde abre a gaveta da mesinha de cabeceira e tira uma Bíblia de onde lê excertos do Novo Testamento. Num Hospital que observa a dinâmica judaica com todo o rigor – só os não judeus trabalham ao sábado e até o aquecimento das refeições é pré-programado para esse dia sagrado – porque razão teriam Bíblias com o Novo Testamento nas gavetas dos quartos?
Na contra capa, uma afirmação atribuída ao holandês Tros Nieuwsshow, diz: ‘Melhor que Dan Brown’. E quem é este holandês? É um programa de rádio semanal que acorda os ouvintes às 8 e meia da manhã de sábado e, com certeza tem alguém que fala português, uma vez que o livro não está traduzido para holandês. Estratégia de marketing da editora, eu sei, eu sei… todos o fazem.
Quis-se acentuar a questão religiosa e deixou-se um pouco ao acaso a musculatura do enredo, deixando mais buracos que a Estrada da Morte na Bolívia.
Os autores que pretendem fazer divulgação científica, pseudo, o que queiram, devem escrever manuais, artigos que submeterão a revistas da especialidade, entre outros, mas a escrita dum romance implica a assumpção de certos pressupostos que aqui se encontram ausentes.
Por outro lado, e em termos formais, a Editora devia saber que o excesso de aspas para indicar os discursos directos é prejudicial à fluidez da leitura, povoada assim por elementos gráficos absolutamente desnecessários.
Da nota inicial 'Todas as citações de fontes religiosas e todas as informações históricas e científicas incluídas neste romance são verdadeiras' esperava-se uma bibliografia final bem organizada e completa, por dois motivos: primeiro porque o tom afirmativo da nota inicial indiciava que assim seria e, nestes casos, só é verdadeiro o que se prova; em segundo lugar, pela delicadeza do tema, digamos assim, que suscitaria dúvidas e necessidade de credibilidade documental.
Porém, a nota incial tem eco na nota final que descreve nomes de autores e títulos, sem qualquer referência bibliográfica, e ainda se afirma "Toda a informação relativa ao processo de clonagem (...) encontra-se disponível em toda a literatura científica relacionada com o assunto".
É caso para dizer, Obrigadinha José... havia de ser relacionada com quê?
Edição da Gradiva, 2011
Cheguei aqui através do link que deixou no Horas Extraordinárias, pois interessei-me pela sua opinião. Depois de ter lido o Codex 632 (o tal livro sobre o Colombo), nunca mais li JRS. Mas esta coisa de ele vender tão bem, pôs-me a pensar que, talvez, devesse ler outro livro dele, talvez o Codex fosse o menos conseguido.
ResponderEliminarConstato aqui que esta crítica também se poderia aplicar ao Codex, que, além de um enredo absurdo e cenas sem pés nem cabeça, contém um dos diálogos mais longos, chatos e inverosímeis de toda a História da Literatura.
Boa tarde Cristina, penso que há veias inovadoras, imaginações criativas e desenvolvimento de narrativas que se estendem para todos os lados. E depois há modelos que se seguem... funcionou o 1º? Então vamos fazer igual! Tipo comboio que anda ali no carril e nós já sabemos quais as estações onde vai parar, conhecemos quase tudo por antecipação... É a chamada receita do bolo que sai sempre bem... Neste novo título lá vem de novo o 'super herói' Tomás de Noronha, que o autor pensa poder alcandorar a um James Bond... mas para isso, havia que alterar a receita... só que o autor só sabe fazer esta...
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