terça-feira, 5 de julho de 2011

Requiem por um par de chinelos

Há quatro anos comprei dois pares de chinelos de enfiar no dedo no mercado: uns pretos para mim e outros azuis escuros para o meu filho. Três euros o par, cinco euros dois pares. O delicado número 45 que ele calçava, o facto de os levar para os treinos e usá-los nos banhos diários, deve ter ajudado a que se tenham partido no ano seguinte. Mas o meu par durou, durou e dura.
Usados diariamente em casa o ano inteiro e em todo o lado assim que o sol se deixa de vergonhas, já fizeram muitos, muitos quilómetros e têm uma sola que parece uma fina panqueca. Há umas semanas encontrei uns bocadinhos de borracha preta na sala e demorei a perceber de onde tinham vindo. Quando percebi o que era, lavei-os e deixei-os secar, mas depois, a vontade de os usar foi mais forte: a minha tara por botas, sapatos e tudo o que seja de calçar, teve aqui um ponto muito alto. Estes chinelos conhecem o meu pé como algum outro calçado, seguram-me com calças e saias, na praia e no sofá; são os únicos que têm o privilégio de poderem estar nos pés e em cima do sofá. Calço-os e sinto-me vestida. Imunes ao suor ou à sujidade da sola dos pés. Já adormeci com eles, viajei por muitos sítios, escorreguei em momentos de chuva inesperada, corri e transportei-os na mão quando caminhava na água ou na areia.
Hoje vi que têm um corte por baixo. É definitivo. Lembrei-me do dia que descobri que um dos meus cães estava doente. Era definitivo e foi rápido. Sei que os vou calçar amanhã e que os vou matar definitivamente, talvez até durem mais dois ou três dias, mas vão ficar até ao último sopro, e depois, depois vão para a galeria dos inesquecíveis, dos verdadeiros companheiros.
Todos conhecemos pessoas que se dizem amigas e que não fazem metade do que um par de chinelos de enfiar no dedo faz por nós.
Posso ter outro par de chinelos, terei com certeza, mas não há substituições.

4 comentários: