Há pessoas que têm como vocação ouvir e não, não falo dos padres. Ouve-se tanto que até se deixa de saber falar e quando se torna necessário dizer qualquer coisa, o lugar do outro lado aparenta ser de sacrifício pois os anos de prática é na disciplina de ouvir e não de falar. Até uma simples dor de dentes pode ser escondida, por se ter perdido a prática de anunciar o que se sente. Como se chega aqui?
Para além daquela interrogação inicial com que começam as conversas, está tudo bem?, que não é uma pergunta verdadeira, não é uma preocupação, não é o reflexo de quem quer saber, mas um simples cumprimento, ninguém pergunta mais nada e perguntamo-nos, será que se eu dissesse alguma coisa, se deteriam a ouvir? A falta de prática de estar no lugar de quem fala, leva-nos a pensar que os outros não sabem ouvir. Se calhar sabem.
Mas se por um lado os problemas duns são tantos e tão grandes que não deixam margem para a expressão dos nossos próprios problemas, por outro lado, as felicidades dos outros trazem-nos notícias que não merecem ser mescladas com tristezas. Não merecem eles e não merecemos nós levarmos com o silêncio constrangido e surpreendido por nunca se terem dado conta que também tínhamos problemas e há anos que vivemos lado a lado, dia a dia; não damos sinais? Fechamo-nos assim tanto? Não há indícios, tantos!, que temos problemas e preocupações como qualquer outra pessoa? Quando isto acontece somos olhados como um bicho raro, como se o facto de a vida não nos correr bem trouxesse um desequilíbrio às conversas que se costumam ter; como se também eles passassem a ter a grande responsabilidade de ouvir, de aconselhar, de perguntar, de estar disponível, de ser acessível, de serem todos ouvidos.
Quem errou? Quem não insistiu na pergunta do, está mesmo tudo bem?, ou quem insistiu na resposta do sim, tudo, e mudou logo o azimute perguntando, e tu, conta-me tudo.
O poder está na pergunta, em quem pergunta, como pergunta, porque a pergunta é que manifesta o interesse.
Passam-se anos nestas dinâmicas e um dia acordamos a saber ouvir tudo, sussurros e palavras lá ao longe, gestos, mas sem conseguirmos falar de nós. Um dia acordamos esquecidos de nós. Os outros já se esqueceram há muito e o que querem é mesmo o nosso aparelho auditivo.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
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