Com o Verão agarrado às pernas
desprezo a chuva e saio triunfante de casa, desconhecendo a greve do metro. A meio
caminho volto para trás, alertada pelo noticiário, e encaminho-me para a
estação dos comboios, que passam rápidos e muito mais vazios do que imaginava.
Na carruagem o calor é sufocante
e o meu vestido cor-de-rosa impõe-se no meio de tanta roupa escura, invernosa. Os
sapatos, cor-de-rosa também, mesmo no rés-do-chão de tudo quanto é acessório,
brilham decadentemente.
É preciso fazer a avenida da
Liberdade a pé, mas resolvo assustar-me com a chuva e deixo-me ficar num café
do Rossio, como se fosse uma turista. As caras cinzentas de quem tenta chegar
aos empregos contrastam com os narizes encarnados dos estrangeiros que, de
chinelos, ali abundam.
Com o telemóvel vejo os números
do euromilhões, decidida a fazer uma loucura caso tenha sido eleita: saio do
café e paro o trânsito a dançar no meio da chuva! Virá a polícia, que me levará
para a esquadra, e amanhã os jornais mencionarão uma louca que teve um ataque
no centro de Lisboa e que ainda piorou a situação já caótica do tráfego. Verificada
a total falta de correspondência, rio sozinha e decido que já chega de
pieguice, vamos lá.
A chuva abrandou e faço a avenida
encostada a lojas de vidros cristalinos onde nunca entrei, e não faço questão
de entrar. Sinto o cabelo encaracolar, o mesmo cabelo que me levou a levantar
mais cedo para o esticar com escova e secador, tão Cleópatra que saí de casa.
Qual pato de borracha a navegar
na banheira, chego ao trabalho e troco os sapatos cor-de-rosa por uns pretos, rasos,
fechados.
Os pés aquecem, o vestido seca, o
cabelo insufla, os óculos limpam-se, o estado de espírito não foi afectado!
Sem comentários:
Enviar um comentário