terça-feira, 31 de maio de 2011

Do meu pai

Na cidade de Chigaco reinava Al Capone.
O homem mais calmo do mundo passeava numa das muitas vielas da cidade.
De repente ouviu:
- Pare!
O homem mais calmo do mundo, sentindo nas costas o cano frio de uma pistola, voltando-se respondeu:
- Ímpar!

Ps. Sempre ouvi o meu pai contar-nos isto. Ele não se lembra onde a aprendeu, mas eu adoro estas linhas.

Adeus até amanhã, ó batata!

O senhor Paiva era colega do meu pai lá na gráfica. Muito bem-disposto, como trabalhava por turnos, nem sempre tinha alguém com quem conversar e vivia com os ruídos da linotype que matraqueava à medida que os tipógrafos iam escrevendo. As palavras eram transportadas para linhas de chumbo que depois seriam juntas e enlaçadas com um cordel para levarem umas pinceladas de tinta e se deixarem imprimir fazendo jornais, livros, rótulos, folhetos e um sem fim de produtos gráficos.
Quando acabava um turno o tipógrafo deixava uma linha em branco, uma espécie de sinal que dizia, Vou aqui!, para que quem o fosse render soubesse onde devia começar. Todos faziam o mesmo, à excepção do Sr. Paiva, que preferia deixar uma mensagem aos colegas.
O Sr. Paiva era muito brincalhão mas tinha o hábito de usar palavras esquisitas para falar com as pessoas e dizia, por exemplo, a minha chouriça, para se referir à mulher… hábitos!
Numa ocasião quando acabou o turno resolveu deixar uma mensagem carinhosa ao colega e escreveu: Adeus até amanhã, ó batata!
A gráfica tinha aceitado um trabalho – isto na altura em que se tinha que pedir quase por favor que as gráficas aceitassem certos trabalhos, ao contrário de hoje que, face ao advento tecnológico, pouco trabalho têm – que consistia no boletim cultural duma associação recreativa que dava conta das suas andanças, progressos, passeios dos associados e tinha uma página dedicada à literatura onde, por norma, se publicavam poemas da autoria dos sócios.
Quem rendeu o Sr. Paiva não se apercebeu que a última coisa escrita não fazia parte do boletim, riu-se e agiu como de costume não mudando uma letra do que lá estava e bola p’ra frente, que se faz tarde, e ao revisor, dois dias depois, apenas lhe ocorreu pensar que há gente mesmo maluca!
A gente maluca apareceu lá na gráfica umas semanas mais tarde a pedir explicações sobre a razão pela qual o poema da autoria do senhor doutor fulano de tal, logo tinha que ser doutor, bolas!, que era sobre a paz no mundo e os efeitos do sol no coração dos apaixonados, tinha como título Adeus até amanhã, ó batata!
Batata? Isso era a assinatura do Paiva!
O dono da gráfica desfez-se em desculpas, Oh senhor doutor, por quem é, pois foi um engano, e o Paiva aqui não fez por mal, não sabemos como foi a batata parar no meio do amor, no meio, ou seja, a encabeçá-lo, pois, pois, fique descansado, vamos já fazer uma errata, é que é já, desculpe o senhor doutor, desculpe o senhor também na qualidade de director de tão distinta publicação, olhe, fique sabendo que é a que mais gostamos de fazer, de tantas iguais que aqui se fazem, iguais? que digo eu, parecidas, que esta destaca-se e de longe…
E assim se fez a errata que dizia:
Onde se lê Adeus até amanhã ó batata deve ler-se Os Desaguisados do Amor.
Como diria uma pessoa minha conhecida, é quase parecido.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O meu Rolex...

Aborrece-me imenso não conseguir ter acesso às múltiplas contas bancárias que aparentemente tenho em Portugal, no Brasil, em vários países árabes e nas ilhas Caimão. Recebo extractos, mensagens sobre depósitos e informações sobre movimentos que me farão aumentar ainda mais o meu pecúlio. Resumindo, sou riquíssima mas deve faltar-me uma palavra passe qualquer porque não sou capaz de movimentar as fortunas.
Mais ainda, não deve ser coisa de meia dúzia de milhõezitos, mas sim uma dúzia ou duas de milhõezões pois há entidades internacionais, com nomes distintíssimos, que me vêm propor empréstimos de alto gabarito e só o devem fazer porque sabem que tenho condições para os pagar! Certo?
Mas o que me chateia mesmo é verificar que há imensos e-mails que vão parar à caixa de SPAM, com enormes prejuízos para mim. E-mails importantes que deviam entrar na pasta dos recebidos e ficar ali a piscar – dourado, prateado, dourado, prateado… - chamando-me a atenção para eu os ler.
Na semana passada perdi a hipótese de ter um bê éme dabliu (tenho alguns, mas falta-me o azul bebé) e uma viagem às Caraíbas (ainda não fui a Caicos), mas nada disto se compara com o Rolex que acabei de perder porque não li a mensagem nos 2 segundos e 59 décimos imediatamente a seguir a ter entrado na minha caixa postal virtual e agora não sou capaz sequer de abrir a mensagem!
Só tenho seis Rolexes, falta-me este modelo e até já tinha a moldura pronta para imprimir a imagem e colocá-lo ao lado dos outros!

terça-feira, 24 de maio de 2011

Sorry malta... obrigada malta...

Fui avisada que os comentários não estavam a ser aceites aqui no blog. Não sou uma expert na matéria e tentei perceber o que se passava. Escusado será dizer que não percebi...
Porém, verifiquei que o número de visitas tem sido enorme e quero agradecer a todos quantos se dignam aqui passar e ficar um bocadinho.
Da mesma forma que não sei porque não se conseguiam deixar comentários, agora também não sei porque já se consegue. Quando as pessoas são peritas acontecem estas coisas :)
Abraços!

(In)Justiça

Passei a manhã e parte da tarde no tribunal à espera de botar discurso a favor duma pessoa que não devia precisar de defesa se a justiça tivesse olhos, mas como é cega...
Uma pessoa foi assaltada. Participou à polícia. O caso foi a tribunal e os acusados, absolutamente inocentes!, ameaçaram a pessoa em questão e as suas gerações, para trás e para diante. A pessoa acaba por dizer que não se lembra e os meretíssimos acusam-na então, com uma grandiloquência, de estar a mentir e face a essa situação, que ali não se admitem mentiras!, a pessoa sai daquela distinta casa como arguida!
Passam-se sete anos, sete... quase oito e a distinta casa chama a pessoa e permite que testemunhas abonatórias estejam presentes e digam de sua justiça, ou seja, contem como conhecem a pessoa em questão e como ela tem princípios e valores onde a mentira não tem lugar.
Mas omitir não é uma espécie de mentira? As testemunhas, eu incluída, omitiram... omitimos que aquilo parece tudo uma palhaçada, que demais sabem eles todos a verdade, mas não a podem admitir e por isso carregam na parte mais fraca, para se mostrarem fortes, que achamos que o erário público está a ser delapidado com brincadeiras desta natureza porque as distintas casas de justiça não têm o que é necessário para resolver as questões pela raiz e que quase oito anos de esticanço duma situação como esta só serve para... deixa ver... serve para... bem, quando me ocorrer alguma coisa, aviso!
Sinto-me mal por não ter tido coragem de dizer que tudo aquilo é jogo com dados viciados e que assim não brinco... mas como têm a faca e o queijo na mão e estava em jogo, lá está..., outra pessoa, deixei-me ficar, embora saiba que me vai ser muito difícil conciliar com a almofada.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Viva o Bocejo!

Finalmente temos um programa de televisão interessante: é uma espécie de novela, dá todos os dias, tem estórias que se cruzam, ainda não deu para perceber como, tem muitos intérpretes, etc., e chama-se Direito de Antena.
Não sei quando começou mas gravei o episódio de ontem para o poder ver bem e concluí que tudo se passa à volta duma espécie de Graal que todos querem.
Do que percebi há várias famílias – O quê? Não sei, acho que não são mafiosas… - que se apresentam de diferentes formas, a saber:
Uns são o CDS-PP e comunicam em silêncio, usando placas com palavras. Como sempre, já me conhecem, tenho uma teoria sobre isto: há ali alguém que é gago e para não criarem constrangimentos com o pobrezinho, optaram por esta fórmula. Assim ninguém fala e nem se nota.
Outros são o PCP que falam e falam para todos, pois recorrem à tradução para linguagem gestual.
Há ainda uma família que se chama PPM, cujo presidente é Doutor. Sim, vem lá a dizer, cada vez que o senhor aparece! Como têm um doutor e até pode ser que seja médico, e já se sabe a falta que eles fazem, até agora é a minha favorita.
Do POUS não retirei nada de especial, aguardo a ver se hoje terá mais acção.
Depois havia uma dinâmica que nos remetia, acho eu, para uma estória de emigrantes, do Norte para os Açores ou dos Açores para o Norte, o telefone tocou nessa altura, raios partam, e fiquei sem perceber. É o PDA e o senhor dizia caros conterrâneos nortenhos, com uma prateleira em fundo onde só se via o nome Salazar, mas depois aparecia alguém com sotaque açoriano… ou seja, tenho que ver outros episódios, para entender a trama.
O PH induziu-me em erro! Pensei que era relacionado com acidez e alcalinidade e afinal é o Partido Humanista. Seja como for gostei imenso, embora não tivesse linguagem gestual, tem tudo legendado, para se não percebermos alguma coisa do que dizem e, surpresa das surpresas tem uma candidata chamada Wendy!
Havia ainda o PND que se fartou de mostrar um coração que, visto derepentemente parecia a estrela do BE, que também entrava no episódio de ontem e cuja acção pode ser definida por uma imagem vale mil palavras.
Falta o PNR, onde, se bem me lembro entrava uma rapariga com um acessório giríssimo, tipo coleira, que vai fazer moda, de certeza.
E, last but not least, o PAN, que nos remete logo para a flauta de pã, canaviais, campo, feno e a Julie Andrews a rodopiar e a encher-nos o coração de música em três tempos, o animal, o humano e o ecológico!
Como sempre nas novelas, que eu vejo e sigo diariamente embora com dificuldade pois são várias e tenho que por duas televisões lado a lado para não perder pitada, nem todos os intervenientes entram em todos os episódios e assim concluo que faltam alguns. Como sempre também, sem sabermos como, mas cria-se logo uma predilecção por certos personagens, uma identificação, sei lá, gostamos deles e pronto. Mas quando comecei a pensar sobre a minha preferência, lembrei-me duma coisa que vi na televisão há uns dias sobre dívidas no crédito ao consumo e veio-me à memória uma distinta senhora que abriu a sua casa aos repórteres, mostrando-a mobilada do bom e do melhor, carro novo na garagem e que quando o tipo do microfone lhe perguntou porque razão tinha ela tantas dívidas se sabia que não as podia pagar, ela respondeu, e bem, com toda a propriedade: se os outros podem ter, porque é que eu não posso?
Ora, inspirada nesta senhora, que devia ser uma inspiração para todos, diga-se de passagem, lembrei-me… e porque não, criar eu também uma novela daquelas?
O que é que faz falta a todos os portugueses? A todos sem excepção? DORMIR, para ver se as ideias repousam, se assentam, mas sem ganhar pé, e por isso subscrevo o Movimento das Sestas que, como toda a gente sabe, fazem muitíssimo bem e até tenho a Bela Adormecida como directora de campanha! Quem sabe mais do assunto, quem?
Embora saiba que a Wendy se passou para outro lado, que o Peter está, obviamente, com o Pan, mas conto com a solidariedade das princesas e sei que a Bá – é o nome carinhoso que uso com a Bela… - tem imenso poder sobre a princesada por duas razões: primeiro, ela guarda o resto da maçã e ai de quem se atrever a fazer o contrário do que ela diga e, segundo, quem melhor que as princesas para saberem que o sono é reparador e o principal ingrediente para manterem aqueles peles de… de princesa, pois claro!
Tenho ainda como cabeça de lista o próprio Morfeu que neste preciso momento está a organizar os simpatizantes – milhões! - em catres, tendas de campismo, toalhas de praia, assentos de autocarros, metro, eléctricos, comboios, etc.,
Levantemos pois um enorme bocejo, o símbolo vivo da nossa campanha, fechemos os olhos e façamos do Movimento das Sestas uma prática diária e assim, garantidamente, chegaremos ao futuro mais depressa e com maiores poupanças a todos os níveis!
Conto convosco!

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Monopólio

A minha amiga Lu já nasceu vendedeira! Admiro-a porque eu sou daquelas pessoas que não conseguiria vender uma mantinha no Pólo Norte, mas ela vende aquecedores até no deserto do Sahara!
Depois de várias experiências ao longo da vida, curta, diga-se de passagem, porque ela tem só trinta aninhos e mal feitos e quem disser que essa é quase a idade da filha mais velha, leva logo com o meu olhar de olhos bem abertos a pedir para corrigir o disparate, mas, dizia eu, depois de outras experiências, agora é consultora imobiliária.
Um título destes tem imensa supless – soletremos por favor con sul to ra i mo bi li á ri a, que nos leva logo para uma dinâmica aparentada com sangue azul – e a Lu pediu-me ajuda no sentido de contactar pessoas a quem possa apresentar os seus serviços, dentro da sua zona de posicionamento/trabalho.
Confesso – estou de joelhos a penitenciar-me – que a zona de posicionamento levou a minha mente perversa para um cenário cheio de cetins, veludos e cintos-liga a atarem as barrigas gordinhas de certas meretrizes. Abanei a cabeça para afastar tão indignos pensamentos, centrei-me na candura da Lu, que parece um anjo e acedi a falar com algumas pessoas.
A bem da verdade, isto é um aviso pois a Lu planeia mudar a configuração da cidade, coisa que algum Plano Director Municipal conseguiu e ontem à noite esteve em minha casa a contar-me os planos da pólvora. Conclusão, ela vai reinventar o Monopólio!
Começou com os Jardins da Gulbenkian, que quer comprar a todo o custo, e quando percebeu que tenho um primo revisor da CP, os olhos brilharam-lhe já a ver as estações de Santa Apolónia, Campanhã e São Bento, debaixo da sua alçada!
Também no Quartel do Carmo se vai erguer um hotel – vão poder reconhecê-lo, era uma daquelas pecinhas vermelhas, maiores que as verdes, que eram as casas – e o meu amigo da GNR que falou com ela já anda a fazer terapia…
O parque Eduardo VII também está na mira da espingarda da rapariga, embora não saiba o que lá vai nascer, mas apenas que ela não gosta da inclinação, motivo pelo qual vai mandar terraplanar aquilo tudo para ficar com o terreno à mesma altura. Quando lhe disse que assim ia criar uma espécie de abismo em frente à rotunda do Marquês do Pombal, ela só me perguntou o que achava eu de por ali uma cascata que caísse em direcção à avenida da Liberdade…?
Também me explicou que o Rio Tejo está num local pouco razoável e avançou com umas ideias de o atapetar, para ficar mais estreito e criar espaço para mais construção, isto para além de projectar a compra e venda do Parque das Nações para ali sim, instalar o novo aeroporto!
Isso é que vai ser… os cámones a chegar, todos aos gritos a pensarem que vão cair no rio, atirar com o Oceanário e já a verem-se com a Amália e o Eusébio a onk, onk, onk pelo corredor do avião em chamas…
A danada da Lu faz um esforço enorme para acertar na Casa da Sorte, acho até que ficou com as cartas todas, e eu aviso-a que tenha cuidado que o Monopólio tem também uma prisão! Mas ela, forte e determinada, diz-me que se lá for parar conta com os amigos para lhe levarem uns cigarritos e, não tarda nada, está a passar outra vez pela Casa Partida!
Assim mesmo é que é!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Solstício

Deu-se em mim um solstício de Inverno
Foi num Domingo, depois da missa e antes do almoço
Ninguém viu nem sentiu
O mundo continuou a sua jornada
E eu a minha.

Peregrino em busca do meu altar

Peregrino em busca do meu altar
O perfume fugiu das lágrimas
A distância não existe
O longínquo está aqui.
A dor crepita levemente
As imagens à minha volta são sombras de vitrais em dias sem sol
Olho e vejo um cemitério branco e negro
Tapeçaria de pedras e corpos
Que as almas estão guardadas nas torres que se alcandoram pelos castelos
Estátuas com semblantes doridos imploram movimento
São os guardiões de nada que todos querem ver
Cabe-lhes a honra de montarem guarda ao passado.

Adeus

Quero esquecer
Mas ouço o barulho da dor a doer
Arde ardentemente
O sabor do sangue quente
Vinhos, tisanas sobre mim derramem
Vozes silenciosas não clamem!
Acabo de acabar o corte
Pareço-me com a morte
Não, não e não, quero a vida
A por viver, não a vivida
Vou saltar penhascos, todos
Em tempo algum seguirei engodos
Mesmo com a alma quebrada
A cabeça estará levantada
O tempo terá que fluir
O espaço vai fugir
Viver, será o meu cais
Voltar a ti, jamais
E quando tiver terminado
Sim, dormirei descansado

Pinto-me para mim

Pinto-me para mim.
Cuidadosamente, passo o baton pelos lábios
O espelho diz-me que o carregue mais e mais
E eu, provocando-o, passo a ponta vermelha uma e outra vez
No lábio inferior, que esfrego no lábio superior, besuntando-o
Imaginando que não é o meu lábio
Gasto deliberadamente a cor
Transformando a boca numa bandeira ao vento
Para que quando passes me faças uma continência.

Pedido de desculpa

Não sei como nem porquê, mas verifico o desaparecimento de vários comentários, sem que tivesse havido intervenção minha. Aos autores as minhas desculpas.

domingo, 15 de maio de 2011

Borboletas

Mato as borboletas que esvoaçam em mim
Mato-lhes a cor, o exotismo
As asas, arranco-as
Mato-lhes o rodopiar, a beleza
A emoção, sufoco-a
Mato-lhes a fome, a sede
Porque a vida tem que começar hoje

Vou inventar uma nova vida
Selar a antiga, esquecê-la
Domar o que havia de ser
Mas não foi.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Galáxia de beijos

Gosto de ouvir falar de coisas que desconheço, principalmente se vêm pela voz ou pelas mãos de alguém que eu idolatro. É o caso.
A pessoa em questão fez o favor de fazer escala em Lisboa durante umas horas e tive a oportunidade de lhe fazer companhia ao jantar, por entre conversas, recordações e novidades.
Deu-me um livro do qual falarei quando o tiver terminado, mas sobre o qual posso adiantar que, como objecto, é belíssimo e, sendo sugerido por quem é, só pode ser de boa cepa: We, the Drowned, de Carsten Jensen.
Como a saudade entre nós é uma nascente cristalina, vamos trocando mensagens por e-mail e ontem reclamei pela falta de despedida em condições!
Para se redimir, para além de me ter sugerido ver Genesis, de Nacho Cerdá, despediu-se de mim com o envio de uma galáxia de beijos, que recebi e na qual ainda me osculo.
É nestes momentos que sorrio, toda, cheia, feliz.
Melhor, só se tivesse recebido uma carta, à moda antiga, escrita à mão, em papel de preferência amarelecido, com pétalas de rosas que podiam ter sido colhidas nos maravilhosos jardins de Serralves, uma carta de amor, pois que outro nome têm as cartas verdadeiras?
Porque procuramos sempre o óptimo? Porque sabemos que podemos lá chegar! Com esta certeza vivo na esperança de um dia receber uma carta assim, uma coisa muito adolescente, mas muito viva, crua e imediatista. Uma carta que viesse da própria Terra do Nunca, era isso mesmo que queria receber.
Sonho demais, diz a minha mãe, que não se cansa de afirmar diante de tudo e todos que sou uma sonhadora, como se fosse sinónimo de mentecapta. Vou passar a dizer que acredito em milagres!, e talvez assim, pela vertente religiosa, ela não abane tanto a cabeça olhando para mim, em sinal de desaprovação. Além do mais, eu acredito mesmo em milagres!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Mais vale um pássaro na mão...

Se não tenho canecas, bebo por um copo
Se não tenho dinheiro, vejo televisão
Se não bebo Cabeça de Burro, bebo Alabastro
Se não tenho um vestido novo, visto um usado
Se não tenho caneta, escrevo com um baton
Se não tenho gasolina, vou a pé
Se não ganho, tento de novo
Se não consigo, esforço-me
Se não sei, pergunto
Se não acerto, corrijo
Se não mergulho, sonho
Se não vou, replaneio
Se não durmo, bebo café
Se não corro, faço ginástica
Se não vejo, telefono
Se não saboreio, abro a mala de recordações
Se não sinto, morri

Há quem seja grato ao que tem, às alternativas que encontra, e quem só goste de viajar em cinco estrelas, esquecendo que a vida não existe nesses locais e que só se vive a outro nível... por isso há quem viva e quem apenas respire.

O casal de miúdos

Foi milagre, será possível?
Dona Prata e Senhor Bento
Assim é que é subir de nível
É um grande acontecimento!
O parzinho está irreconhecível
Deu-se um renascimento
O culpado é o Criar Afectos
Assim são os bons projectos

Ai filha, queres que vá passar a ferro?
Hoje não posso, talvez amanhã
Tenho que estudar, senão erro
Tenho piscina, vou ser campeã!
Vou ginasticar, a ver se desemperro
Domingo, nem pensar, eu sou cristã!
O quê? O pai arranjar o exaustor?
Não pode ser, tem aulas de computador!

Agora vê se te calas que estou a ler
O pai está de volta da internet
Não temos tempo para comer
Logo lanchamos com a Laurette
Temos imensa coisa para fazer
Onde está a minha bracelete?
Vá, vá, manda beijos ao teu filho
Adeus, que nos vamos de afogadilho

Estamos roucos? Foi de cantarmos
Roucos mas muito bem-dispostos
Não nos cansa nada viajarmos
O que foi o almoço? Dois entrecostos!
Não ouviste o telefone? Mas nós telefonámos!
Achas que estamos descompostos?
Foi dum dia inteiro de viagem
Ai, se tu visses a paisagem…

Andam contentes os petizes
Criam afectos por todo o lado
Parecem dois aprendizes
Andar assim é ser-se abençoado
Ela tira e põe vernizes
Ele veste-se com predicado
E nós vemo-los vivos e contentes
Em excelentes ambientes

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A luz da voz

- Sabes quando vais a conduzir e ficas encandeada com as luzes dos carros? Acontece-me o mesmo quando te ouço, a tua voz tem o poder de me encandear.
Quem não gostava que esta frase lhe fosse dirigida? Para além da beleza e do levantamento do ego que consubstancia, não consigo desligá-la dum episódio engraçado que aconteceu há meia dúzia de dias.
Ofereci o meu telefone para uma amiga ligar ao filho que é da mesma rede que eu, que tenho um tarifário que não pago chamadas para a minha rede, ao contrário dela que as paga. O Jorge não atendeu, concluímos a rir que estaria num momento em que as mães não devem intervir e fomos jantar juntas. Nessa noite gravei o número para uma qualquer eventualidade.
No dia seguinte a meio da manhã o telefone toca, verifico que é o Jorge e atendo:
- Olá Jorge, tudo bem?
Do outro lado chegou uma voz com sotaque carregado, de Bizheu, que disse ser o José e não Jorge mas afirmou que lhe ligaram daquele número no dia anterior ao fim da tarde. Percebi o engano, pedi desculpa e adeus.
Liguei à minha amiga a comentar a cena e a dizer-lhe que se tinha enganado e verificámos que ela tinha trocado um cinco por um dois.
Não tinha passado um quarto de hora quando o telefone voltou a tocar, anunciando outra vez o Jorge, que eu já sabia chamar-se José e que, duma assentada, disse o seguinte:
- Peço desculpa pelo incómodo, sinta-se à vontade para desligar o telefone quando quiser e juro-lhe que não mais voltarei a usar este número, mas tenho que lhe dizer que fiquei fascinado pela sua voz e não consigo deixar de pensar nela.
Uma mulher ouve uma coisa destas e fica muda, principalmente se não estiver habituada a ouvir elogios. A seguir engolimos em seco e dizemos ãh… obrigada. Se a experiência elogiosa fosse outra talvez deixássemos ouvir um riso maroto e a seguir disséssemos uma frase simpática que levasse o elogiante a continuar. Não foi o caso pois fiquei-me mesmo pelo ãh… obrigada.
O homem não se fez rogado e viu no meu garatujo linguista uma permissão para continuar o discurso e foi assim que fiquei a saber-lhe a profissão, as origens e as heranças, os gostos e fiquei a saber que é livre (sic).
Lembro-me de ter pensado que o telefonema se devia à minha voz que eu agora calava e aquilo parecia a gravação duma mensagem porque eu não dizia nada, parada no intervalo minúsculo entre o espanto e o rebentamento à gargalhada!
Por fim lá o interrompi, agradeci os elogios e a informação recebida e agora tenho um motivo de riso enorme com as minhas amigas.
Que cada um fique com os fascínios, que eu prefiro os encandeamentos.

O melhor de dois mundos

Fui ver o melhor de dois mundos. Para se ser líder em desenvolvimento pessoal temos que nos chamar… Daniel? Achei curiosa a coincidência dos dois Daniéis… ou não há coincidências?
Como diz a publicidade, Há que vê-lo para entendê-lo, falando de Daniel Sá Nogueira, o guru do desenvolvimento pessoal em Portugal.
Abraçar o caos? O homem terá ideia do que diz? Tem e eu concordo.
A tradição já não é o que era, tudo mudou, tudo muda, tudo continuará a mudar a velocidades estonteantes para as quais não estamos preparados porque, com frequência, não nos queremos preparar e deixamos a vida, a existência, passar-nos em frente do nariz, sem darmos conta.
Há muitos anos tive uma chefe que tinha um nome delicioso, a D. Regina. A senhora era uma funcionária pública sem mácula, saída do lote dos funcionários públicos perfeitos, que o mesmo é dizer, alguém pode estar a morrer, mas já bateram as cinco e meia da tarde, logo, venha amanhã se faz favor, porque não podemos violar o horário de trabalho e atender pessoas para além desta hora.
O director do departamento foi buscar a arquivista – eu – para organizar a mudança de todo o departamento para outro edifício. Iniciei-me nas lidas da organização, a vários níveis, e adorei, mas eu não contava com a D. Regina…
A ideia da mudança passava também por criar ambientes mais amigáveis ao munícipe e aos próprios funcionários, mas ela disse que se não tivesse um guichet… nada feito.
Enquanto a maioria colaborava na mudança, mostrando entusiasmo e empenho, eu passava e ela dizia, e o meu guichet?
Foram meses de árduo trabalho onde eu ia para casa e sonhava que corria, em câmara lenta, ao longo duma praia de águas translúcidas e areias brancas, com uma camisa que esvoaçava atrás de mim e do outro lado, não, não estava um tipo giríssimo que também corria para me abraçar, estava um guichet que eu partia à martelada, com um prazer inimaginável!
No dia da inauguração do novo edifício, a D. Regina meteu os papéis para a reforma, ou seja, não a consegui convencer que a mudança era um passo em direcção a um futuro melhor e a D. Regina continua a ser a pedra no meu sapato, bem, talvez seja melhor uma pastilha elástica ou um rebuçado, mas que me fazem escorregar.
Always look on the bright side of life, com a maior simplicidade possível, duma forma grata pelo que temos e não estejamos sempre à espera que os outros façam seja o que for por nós, levantemo-nos a cada dia.
Cada empresa, cada família, cada clube recreativo devia ter um Daniel Godri a servir de despertador! Acordávamos todos de forma serena mas altamente motivados para atingir os nossos objectivos, que podem ser as coisas mais diversas, como ser independente, como disse o Paulo Azevedo, cuja existência e presença são lições de vida sobre as quais todos devíamos reflectir.
Abraço apertado à minha amiga L. que me levou, com o seu entusiasmo e as suas fabulosas gargalhadas.