Sempre admirei a lealdade dos Mosqueteiros que Alexandre Dumas um dia me apresentou e a mera audição do lema tem em mim um efeito quase mágico, como se alguém me tivesse introduzido um chip que acciona umas células específicas do meu corpo assim que ouço Um por todos e todos por um. Esta unidade que vejo desaparecer hoje, esta disponibilidade, esta união que apenas constatamos nos livros de histórias e estórias, é matriz do que devia ser a ligação entre as pessoas, do dar em vez de receber.
Tal como ainda hoje gosto de ver um filme ou ler um livro baseado numa história verídica delirei quando soube que os três mosqueteiros e D’Artagnan eram inspirados em personagens reais e foi-me fácil, ainda mais fácil, lembrá-los de carne e osso, com defeitos e virtudes como qualquer pessoa, mas possuídos daquele sentimento de lealdade que nos leva às lágrimas e nos faz querer ser um deles.
Escolhi esta introdução para o dia 31 de Dezembro, véspera do primeiro dia dum ano que se sabe, nem se precisa adivinhar, duro, difícil, sujeito a muita privação, a dificuldades que temos que encarar como desafios e não como obstáculos, que temos que enfrentar unidos, como país, como sociedade, como pessoas que não vivem isoladas e sim em comunidade. A comunidade é cada vez mais global, mas as distâncias já não são o que eram e do longe se faz perto se essa for a nossa vontade.
Assim, na meia-noite que se aproxima para além de agradecermos pelo que temos devemos mudar o azimute dos pedidos tradicionais feitos nesta ocasião: devemos pedir por nós próprios e aqui deixo o meu pedido antecipado para o Ano Novo: quero ser mais solidária, quero ser tolerante, quero ser mais voluntária, quero ser mais disponível, quero ser mais atenta, quero ser mais essencial, quero ser mais leal, porque acredito que se formos um por todos e todos por um, seremos melhores.
Bom Ano Novo.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Pedro e o Lobo
Hoje é Dia de Natal, não por receber, mas por saber que vou dar. Estou com uma ansiedade difícil de controlar e parte dela já foi satisfeita: finalmente instalaram a internet em casa dos meus pais e o meu sobrinho de 8 anos está a dar formação de informática ao avô de 67!
Falo com eles ao telefone e quando digo com eles, é mesmo com eles e não com cada um à vez, embora não haja telefones de alta voz lá por casa, mas como falam todos ao mesmo tempo e por cima uns dos outros, percebo que a algazarra é geral, de satisfação e contentamento. No meio das conversas entre gargalhadas o professor grita-me que repita a palavra passe para entrar no Facebook do avô; o aluno quer saber quem foi que fez aquilo, esquecido das dores e dos 67 anos, com sorrisos que se ouvem deste lado cintilantes como se tivesse a idade do neto. A avó, por agora espectadora atenta, amanhã, quem sabe, pirata virtual, faz de narradora das pressas e anseios de quem maneja o computador. Tenho imensa pena de não estar lá, não a ajudar ou a entrar em explicações, mas como fantasma, para que pudesse ver e ouvir e rir-me à vontade sem que ninguém desse por mim.
Estou inchada de felicidade como um bando de pavões a quem tenham dado a comer um prato cheio daquilo que os pavões mais gostam e que eu não sei o que é!
Mas o Dia de Natal não acaba aqui: logo à tarde darei uma prenda que estava guardada para o dia de hoje e que me tem provocado as maiores gargalhadas dos últimos tempos, ataques de risadas secretas e dissimuladas, mentiras e confusões, tudo com o objectivo de fazer uma surpresa a uma pessoa. A minha amiga I.
Sinto-me como nos dias que antecediam o Natal e queríamos saber e ver o que continham os embrulhos que dormiam em cima do guarda-fato dos meus pais, mas também sabíamos que apenas poderíamos olhar para eles e esperar que chegasse, não a meia noite do dia 24, mas a manhã do dia 25 de Dezembro.
Adoro organizar coisas às escondidas e fazer surpresas; muitas delas surgem naturalmente, como a que pregámos à pobre da L., fazendo-a crer que a S. estava a viver um momento estranho ou como a festa de aniversário de casamento da própria S., que decorreu no meio da maior alegria, com abraços, lágrimas e sorrisos, tudo entremeado.
Como faço estas coisas com frequência os meus amigos dizem-me sempre que um dia, ai minha menina, um dia destes… e eu vou esperando que o dia chegue.
Perdi a conta às surpresas e brincadeiras que já fiz na vida e a cada nova partida sinto-me como no dia em que montávamos a árvore de Natal, depois de termos andado horas a apanhar musgo, de termos arranjado um bocado de espelho, mais tarde substituído por papel prata para fazer o riacho que corria ao lado da casa do Menino Jesus, depois da minha mãe ter desviado metade dos móveis da sala para que o presépio que o meu pai imaginara pudesse caber, sim, porque os presépios que se faziam lá em casa eram apoiados numa armação em madeira com cerca dum metro de altura e vários de extensão. Valiam a pena ser vistos e lamento que na altura não se usassem máquinas de fotografar como hoje para termos provas da magnitude das aldeias temporárias que instalávamos na sala. Mas o que eu mais gostava, aliás como sempre, não era do presépio em si, mas da sua preparação, daquelas andanças no meio do pinhal atrás do musgo, dos caixotes que era preciso arranjar para o trazer para casa, das desculpas que inventávamos ano após ano, para aumentar o tamanho do presépio, juntar-lhe uma nova igreja, mais dois rebanhos de ovelhas, cães que por vezes eram maiores que o pastor, e mais uma fonte que era maior que a ponte, sem que a minha mãe reclamasse muito, de preparar as luzes, de conferir se funcionavam, de ir à drogaria do senhor Casimiro comprar pequenas lâmpadas de substituição, que naquela altura não se deitavam as coisas fora, consertavam-se!
Os últimos dias foram de montar o presépio, uma montagem especial para a I. que hoje vai poder ver em todo o seu esplendor o que é para mim uma prenda de Natal, das verdadeiras, sem que tenha que gastar dinheiro ou que lhe vá ocupar espaço lá em casa, sem que ela a possa perder, partir ou danificar.
E assim, hoje ao fim do dia terei entregues duas prendas de Natal, que calham a ser entregues em Dezembro, mas podiam ser em qualquer altura do ano, porque Natal é sempre que nós quisermos.
Falo com eles ao telefone e quando digo com eles, é mesmo com eles e não com cada um à vez, embora não haja telefones de alta voz lá por casa, mas como falam todos ao mesmo tempo e por cima uns dos outros, percebo que a algazarra é geral, de satisfação e contentamento. No meio das conversas entre gargalhadas o professor grita-me que repita a palavra passe para entrar no Facebook do avô; o aluno quer saber quem foi que fez aquilo, esquecido das dores e dos 67 anos, com sorrisos que se ouvem deste lado cintilantes como se tivesse a idade do neto. A avó, por agora espectadora atenta, amanhã, quem sabe, pirata virtual, faz de narradora das pressas e anseios de quem maneja o computador. Tenho imensa pena de não estar lá, não a ajudar ou a entrar em explicações, mas como fantasma, para que pudesse ver e ouvir e rir-me à vontade sem que ninguém desse por mim.
Estou inchada de felicidade como um bando de pavões a quem tenham dado a comer um prato cheio daquilo que os pavões mais gostam e que eu não sei o que é!
Mas o Dia de Natal não acaba aqui: logo à tarde darei uma prenda que estava guardada para o dia de hoje e que me tem provocado as maiores gargalhadas dos últimos tempos, ataques de risadas secretas e dissimuladas, mentiras e confusões, tudo com o objectivo de fazer uma surpresa a uma pessoa. A minha amiga I.
Sinto-me como nos dias que antecediam o Natal e queríamos saber e ver o que continham os embrulhos que dormiam em cima do guarda-fato dos meus pais, mas também sabíamos que apenas poderíamos olhar para eles e esperar que chegasse, não a meia noite do dia 24, mas a manhã do dia 25 de Dezembro.
Adoro organizar coisas às escondidas e fazer surpresas; muitas delas surgem naturalmente, como a que pregámos à pobre da L., fazendo-a crer que a S. estava a viver um momento estranho ou como a festa de aniversário de casamento da própria S., que decorreu no meio da maior alegria, com abraços, lágrimas e sorrisos, tudo entremeado.
Como faço estas coisas com frequência os meus amigos dizem-me sempre que um dia, ai minha menina, um dia destes… e eu vou esperando que o dia chegue.
Perdi a conta às surpresas e brincadeiras que já fiz na vida e a cada nova partida sinto-me como no dia em que montávamos a árvore de Natal, depois de termos andado horas a apanhar musgo, de termos arranjado um bocado de espelho, mais tarde substituído por papel prata para fazer o riacho que corria ao lado da casa do Menino Jesus, depois da minha mãe ter desviado metade dos móveis da sala para que o presépio que o meu pai imaginara pudesse caber, sim, porque os presépios que se faziam lá em casa eram apoiados numa armação em madeira com cerca dum metro de altura e vários de extensão. Valiam a pena ser vistos e lamento que na altura não se usassem máquinas de fotografar como hoje para termos provas da magnitude das aldeias temporárias que instalávamos na sala. Mas o que eu mais gostava, aliás como sempre, não era do presépio em si, mas da sua preparação, daquelas andanças no meio do pinhal atrás do musgo, dos caixotes que era preciso arranjar para o trazer para casa, das desculpas que inventávamos ano após ano, para aumentar o tamanho do presépio, juntar-lhe uma nova igreja, mais dois rebanhos de ovelhas, cães que por vezes eram maiores que o pastor, e mais uma fonte que era maior que a ponte, sem que a minha mãe reclamasse muito, de preparar as luzes, de conferir se funcionavam, de ir à drogaria do senhor Casimiro comprar pequenas lâmpadas de substituição, que naquela altura não se deitavam as coisas fora, consertavam-se!
Os últimos dias foram de montar o presépio, uma montagem especial para a I. que hoje vai poder ver em todo o seu esplendor o que é para mim uma prenda de Natal, das verdadeiras, sem que tenha que gastar dinheiro ou que lhe vá ocupar espaço lá em casa, sem que ela a possa perder, partir ou danificar.
E assim, hoje ao fim do dia terei entregues duas prendas de Natal, que calham a ser entregues em Dezembro, mas podiam ser em qualquer altura do ano, porque Natal é sempre que nós quisermos.
Música de rua
Quando andava no 12º ano na Cidade Universitária e usava a estação de metro de Entre Campos, tinha uma colega que entrava no corredor do Metro e começava a chorar quando encontrávamos alguém que brindava os transeuntes com trechos musicais. Ora, eu que sempre me desfiz em lágrimas quando ouço música na rua e tentava esconder aquilo que considerava uma fraqueza, dei por mim a dar-lhe força e a dizer-lhe que não era motivo para ficar naquele estado. Cá dentro ardia como se estivesse no inferno e cheguei a sugerir-lhe que mudássemos o percurso para que ela não desatasse a chorar quando, na verdade, o que queria era proteger-me a mim própria.
Durante estes 20 anos sempre que encontro alguém a tocar no meio da rua lembro-me dela. A Teresa do Cartaxo, como lhe chamávamos e como a continuo a lembrar por não lhe saber o apelido e por ela ser do Cartaxo, esteve na minha lembrança nos mais desvairados locais, como Saratov onde os passeios estão pejados de gente que toca violoncelos e violinos como aqui há buracos na rua, ou em Helsínquia onde as pessoas paravam para ouvir deliciadas, eu em êxtase, um trompetista, ou em Cracóvia, ah, Cracóvia, onde o meu ainda marido comprou e me ofereceu (é verdade!) um CD caseiro com as músicas que os artistas debitavam naquela praça cuja lembrança me rasa os olhos de água. Admirava a Teresa porque ela era capaz de fazer o que eu não conseguia: mostrar de forma aberta e espontânea a sua humanidade, desfazer-se em lágrimas com a beleza das coisas, dar asas aos sentidos e deixá-los usufruir do belo.
Não consigo descrever o prazer que sinto ao ouvir música na rua e durante algum tempo a minha irmã fazia uma coisa fantástica e inolvidável: seguia três passos atrás de mim a cantarolar qualquer coisa que eu gostasse! Para além da sublimação desta acção que fazia com que as pessoas olhassem para nós como se estivessem a ver um filme, eu sentia-me a protagonista duma película em forma de livro raro, só com uma edição e só com um exemplar, impossível de reproduzir e recriar!
Uma das coisas que os filmes têm que em nada são reais mas que nos ajudam a prender ao ecrã é a música que acompanha qualquer cena, como se a própria música fosse uma personagem imprescindível à acção. Apesar de ser uma ilusão que, contraditoriamente, pretende imbuir-nos de verdade para nos ajudar a acreditar na invenção que criaram para nós, a vida devia ser assim, com música.
Em casa tenho o privilégio de ouvir música seleccionada pelo meu filho, num mix que mistura o que ele gosta com o que gosto e que passa directamente da voz rouca e lenta do Elvis a debitar Love me tender para um qualquer tum tum tum digno da discoteca de adolescentes mais na berra, mas adoro ouvir rádio porque nunca sei o que vem a seguir, como se me depositasse nas mãos dum desconhecido produtor radiofónico e aceitasse ser embalada pela música que escolhem. Viver e respirar ao som do inesperado, agora com uma balada, a seguir com uma rockada - e ficar danada quando uma música é interrompida por um noticiário ou pior, com publicidade. Tudo tem o seu preço.
Não sei tocar qualquer instrumento com imensa pena minha, mas se tocasse adoraria fazê-lo na rua e partilhar um intenso prazer meu com o mundo anónimo.
Abraço para a Teresa, esteja onde estiver.
Durante estes 20 anos sempre que encontro alguém a tocar no meio da rua lembro-me dela. A Teresa do Cartaxo, como lhe chamávamos e como a continuo a lembrar por não lhe saber o apelido e por ela ser do Cartaxo, esteve na minha lembrança nos mais desvairados locais, como Saratov onde os passeios estão pejados de gente que toca violoncelos e violinos como aqui há buracos na rua, ou em Helsínquia onde as pessoas paravam para ouvir deliciadas, eu em êxtase, um trompetista, ou em Cracóvia, ah, Cracóvia, onde o meu ainda marido comprou e me ofereceu (é verdade!) um CD caseiro com as músicas que os artistas debitavam naquela praça cuja lembrança me rasa os olhos de água. Admirava a Teresa porque ela era capaz de fazer o que eu não conseguia: mostrar de forma aberta e espontânea a sua humanidade, desfazer-se em lágrimas com a beleza das coisas, dar asas aos sentidos e deixá-los usufruir do belo.
Não consigo descrever o prazer que sinto ao ouvir música na rua e durante algum tempo a minha irmã fazia uma coisa fantástica e inolvidável: seguia três passos atrás de mim a cantarolar qualquer coisa que eu gostasse! Para além da sublimação desta acção que fazia com que as pessoas olhassem para nós como se estivessem a ver um filme, eu sentia-me a protagonista duma película em forma de livro raro, só com uma edição e só com um exemplar, impossível de reproduzir e recriar!
Uma das coisas que os filmes têm que em nada são reais mas que nos ajudam a prender ao ecrã é a música que acompanha qualquer cena, como se a própria música fosse uma personagem imprescindível à acção. Apesar de ser uma ilusão que, contraditoriamente, pretende imbuir-nos de verdade para nos ajudar a acreditar na invenção que criaram para nós, a vida devia ser assim, com música.
Em casa tenho o privilégio de ouvir música seleccionada pelo meu filho, num mix que mistura o que ele gosta com o que gosto e que passa directamente da voz rouca e lenta do Elvis a debitar Love me tender para um qualquer tum tum tum digno da discoteca de adolescentes mais na berra, mas adoro ouvir rádio porque nunca sei o que vem a seguir, como se me depositasse nas mãos dum desconhecido produtor radiofónico e aceitasse ser embalada pela música que escolhem. Viver e respirar ao som do inesperado, agora com uma balada, a seguir com uma rockada - e ficar danada quando uma música é interrompida por um noticiário ou pior, com publicidade. Tudo tem o seu preço.
Não sei tocar qualquer instrumento com imensa pena minha, mas se tocasse adoraria fazê-lo na rua e partilhar um intenso prazer meu com o mundo anónimo.
Abraço para a Teresa, esteja onde estiver.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Cegos somos todos
Diariamente no Metro da cidade de Lisboa ouve-se uma ladainha triste e repetitiva: são os cegos pedintes que acompanham o bater da bengala nos ferros dos bancos e nas pernas dos passageiros com pedidos de ajuda. São homens e mulheres, novos e velhos. De entre eles destaca-se um que grita obscenidades se nada lhe dão. A populaça assim que o vê entrar faz milagres e mesmo que a carruagem vá cheia consegue-se sempre fazer aparecer um caminhito livre para ele passar, de preferência só pedindo e não insultando.
Para além dos cegos há os que se fazem acompanhar dum cão que carrega um pequeno balde na boca, onde é suposto colocarmos as moedas, há os tocadores de concertina e de acordeão. Há quem substitua o cão por uma criança pequena.
A cada um que passa, e chegam a passar vários no decorrer duma viagem, seguidos, como se fossem personagens duma curtíssima metragem que está sempre a ser exibida, termina e volta ao princípio, encho-me de tristeza e penso na minha maravilhosa vida, maravilhosa é pouco, e tenho uma enorme dificuldade em colocar-me naquele lugar, eu que tão facilmente me coloco no papel dos outros. A agonia que me sobe, a tristeza profunda que me invade, a impotência que me domina ao pensar que podia ser cega são tão grandes que sinto desfalecer. É-me extremamente difícil transformar em palavras o turbilhão de sentimentos que me assaltam quando penso no assunto. Sinto-me fraca demais para ser cega, sinto que não conseguiria encarar a vida, por falta de força.
Todos os pedintes são corajosos, pedir não é fácil e nunca penso que estou a ser enganada, como já me avisaram, com palavras que pretendiam ser protectoras mas que só conseguiram a minha ira. Um pedinte cego é alguém perante quem eu baixo o olhar, não para o desviar, mas por ter dificuldade em sustentar a falta de visão que terá proporcionado aquela vida. Quero não ter pena, no sentido galináceo do termo, mas sou inundada por ela, no sentido do respeito.
Há dias entrou no Metro um casal de cegos que se colocou mesmo à beira da porta. Não tardou, entrou um cego pedinte a quem os outros dois dirigiram palavras imprudentes, penso eu, em surdina, escárnio sussurrado. O cego pedinte ou não ouviu ou fingiu que não ouviu e desempenhou o papel do costume. Atónita, lembrei-me duma personagem do Vai Tudo Abaixo, o Black Skin, o preto mais racista com pretos que se pode imaginar.
É claro que se valoriza o esforço pessoal de cada um e um cego saberá fazer várias coisas melhor que alguém que nunca precise de óculos; é claro que as pessoas sejam quem forem, com deficiências físicas ou não, têm que se empenhar para não passarem na vida simplesmente a respirar; é claro que há exemplos de ‘sucesso’ de pessoas cegas com percursos cheios e que nunca pediram anda a alguém, que venceram sozinhas batalhas de vida. Há exemplos de tudo, como nos catálogos das farmácias. Mas naquele momento senti uma irritação crescente por constatar que estava diante de alguém que se sentia superior a outrem e se há coisa que mexe comigo é alguém pensar-se superior seja a quem for, pela simples razão que se mentem a eles próprios e, com a alcandorice da atitude, ficam cegos.
Para além dos cegos há os que se fazem acompanhar dum cão que carrega um pequeno balde na boca, onde é suposto colocarmos as moedas, há os tocadores de concertina e de acordeão. Há quem substitua o cão por uma criança pequena.
A cada um que passa, e chegam a passar vários no decorrer duma viagem, seguidos, como se fossem personagens duma curtíssima metragem que está sempre a ser exibida, termina e volta ao princípio, encho-me de tristeza e penso na minha maravilhosa vida, maravilhosa é pouco, e tenho uma enorme dificuldade em colocar-me naquele lugar, eu que tão facilmente me coloco no papel dos outros. A agonia que me sobe, a tristeza profunda que me invade, a impotência que me domina ao pensar que podia ser cega são tão grandes que sinto desfalecer. É-me extremamente difícil transformar em palavras o turbilhão de sentimentos que me assaltam quando penso no assunto. Sinto-me fraca demais para ser cega, sinto que não conseguiria encarar a vida, por falta de força.
Todos os pedintes são corajosos, pedir não é fácil e nunca penso que estou a ser enganada, como já me avisaram, com palavras que pretendiam ser protectoras mas que só conseguiram a minha ira. Um pedinte cego é alguém perante quem eu baixo o olhar, não para o desviar, mas por ter dificuldade em sustentar a falta de visão que terá proporcionado aquela vida. Quero não ter pena, no sentido galináceo do termo, mas sou inundada por ela, no sentido do respeito.
Há dias entrou no Metro um casal de cegos que se colocou mesmo à beira da porta. Não tardou, entrou um cego pedinte a quem os outros dois dirigiram palavras imprudentes, penso eu, em surdina, escárnio sussurrado. O cego pedinte ou não ouviu ou fingiu que não ouviu e desempenhou o papel do costume. Atónita, lembrei-me duma personagem do Vai Tudo Abaixo, o Black Skin, o preto mais racista com pretos que se pode imaginar.
É claro que se valoriza o esforço pessoal de cada um e um cego saberá fazer várias coisas melhor que alguém que nunca precise de óculos; é claro que as pessoas sejam quem forem, com deficiências físicas ou não, têm que se empenhar para não passarem na vida simplesmente a respirar; é claro que há exemplos de ‘sucesso’ de pessoas cegas com percursos cheios e que nunca pediram anda a alguém, que venceram sozinhas batalhas de vida. Há exemplos de tudo, como nos catálogos das farmácias. Mas naquele momento senti uma irritação crescente por constatar que estava diante de alguém que se sentia superior a outrem e se há coisa que mexe comigo é alguém pensar-se superior seja a quem for, pela simples razão que se mentem a eles próprios e, com a alcandorice da atitude, ficam cegos.
Cem anos que eu viva...
Cem anos que eu viva nunca me vou habituar a chamar-te Sónia. Por vezes as pessoas têm nomes que não são delas, como uma carta que foi parar à nossa caixa do correio por engano e que, não tendo remetente, acaba por não ser devolvida. Para além dos nomes também acontece o mesmo com as pessoas: há erros de vida fatais e ficamos primos dum bronco qualquer para sempre! E há pessoas que sentimos conhecer desde o início da eternidade mesmo que não troquemos assim tantas palavras com elas, e para com quem sentimos uma ternura fácil, inata, simples mas profunda.
A tua vitalidade e energia são contagiantes e tiveram a capacidade de me fixar em ti desde que te conheço e mesmo quando te tratava por você. A simplicidade que pões em tudo, a franqueza com que falas e te manifestas são-me gratas e especiais.
Lembro-me duma ocasião em que um vendaval levou a roupa do nosso estendal e o meu filho perdeu assim uma camisola da Académica com a qual tinhas recomendado o maior cuidado. Disse-te e pedi desculpa por uma coisa da qual não tinha culpa e respondeste-me com um sorriso malandro que ias ter uma conversa com esse vento!
Embora não esqueça nunca os motivos iniciais da presença mútua na vida uma na outra, e te agradeça penhoradamente pelos conselhos, pelas conversas, por tudo em relação ao Duarte, há muito tempo que já não é só isso que mantém a ligação e fico feliz por assim ser. Fico feliz por falarmos de ti lá em casa como alguém que poderia com facilidade ter a chave e entrar a qualquer momento sem pedir autorização. Fico feliz com os teus sucessos. Fico feliz com o teu aniversário. Parabéns!
A tua vitalidade e energia são contagiantes e tiveram a capacidade de me fixar em ti desde que te conheço e mesmo quando te tratava por você. A simplicidade que pões em tudo, a franqueza com que falas e te manifestas são-me gratas e especiais.
Lembro-me duma ocasião em que um vendaval levou a roupa do nosso estendal e o meu filho perdeu assim uma camisola da Académica com a qual tinhas recomendado o maior cuidado. Disse-te e pedi desculpa por uma coisa da qual não tinha culpa e respondeste-me com um sorriso malandro que ias ter uma conversa com esse vento!
Embora não esqueça nunca os motivos iniciais da presença mútua na vida uma na outra, e te agradeça penhoradamente pelos conselhos, pelas conversas, por tudo em relação ao Duarte, há muito tempo que já não é só isso que mantém a ligação e fico feliz por assim ser. Fico feliz por falarmos de ti lá em casa como alguém que poderia com facilidade ter a chave e entrar a qualquer momento sem pedir autorização. Fico feliz com os teus sucessos. Fico feliz com o teu aniversário. Parabéns!
Aleluia
Utilizamos o termo Aleluia com um suspiro que subentende um milagre realizado. Damos graças, elogiamos. Agradecemos.
Hoje é dia de dizer Aleluia à Universidade do Minho! Numa decisão pioneira em Portugal, cheia de coragem, com rigor e vontade de reposição da ordem das coisas, a Universidade do Minho anulou um doutoramento por plágio. O mesmo é dizer, puniu o ladrão, no caso a ladra.
A escrita, vinda só de dentro, no caso dos romancistas, e aqui se englobam todos os que escrevem ficção, ou fruto de investigação científica e cruzamento de milhares de leituras, é uma coisa tão íntima que aplicar o verbo roubar ao plágio, é pouco: é uma violação.
Assim, parece terminar um reinado de trevas sobre os plágios académicos onde eram escondidos e abafados, temendo-se que o nome da Universidade fosse posto em causa, tentando não ferir a susceptibilidade do douto orientador, consagrado professor doutor que, quantas vezes apenas espreitando pelo canto do olho a prosa do orientando, dava-lhe abertura para continuar, assinando desta forma a sua co-irresponsabilidade, que nunca iria ser posta em causa, pois quem teria coragem para o fazer? A Universidade do Minho teve-a! Esperamos agora que o(s) orientador(es) sejam igualmente chamados à liça e que o exemplo seja dado de alto abaixo.
Esperamos também que os cuidados a ter futuramente sejam maiores, a partilha do trabalho entre orientando e orientador seja efectiva, a discussão seja real, que exista verificação de fontes, que a bibliografia seja verdadeira (e bem feita, já agora) e que os candidatos não se atenham a fazer misturas do género baralha e volta a dar.
Mesmo assim, ainda cabe perguntar, deste processo inédito ficará uma lição?
Hoje é dia de dizer Aleluia à Universidade do Minho! Numa decisão pioneira em Portugal, cheia de coragem, com rigor e vontade de reposição da ordem das coisas, a Universidade do Minho anulou um doutoramento por plágio. O mesmo é dizer, puniu o ladrão, no caso a ladra.
A escrita, vinda só de dentro, no caso dos romancistas, e aqui se englobam todos os que escrevem ficção, ou fruto de investigação científica e cruzamento de milhares de leituras, é uma coisa tão íntima que aplicar o verbo roubar ao plágio, é pouco: é uma violação.
Assim, parece terminar um reinado de trevas sobre os plágios académicos onde eram escondidos e abafados, temendo-se que o nome da Universidade fosse posto em causa, tentando não ferir a susceptibilidade do douto orientador, consagrado professor doutor que, quantas vezes apenas espreitando pelo canto do olho a prosa do orientando, dava-lhe abertura para continuar, assinando desta forma a sua co-irresponsabilidade, que nunca iria ser posta em causa, pois quem teria coragem para o fazer? A Universidade do Minho teve-a! Esperamos agora que o(s) orientador(es) sejam igualmente chamados à liça e que o exemplo seja dado de alto abaixo.
Esperamos também que os cuidados a ter futuramente sejam maiores, a partilha do trabalho entre orientando e orientador seja efectiva, a discussão seja real, que exista verificação de fontes, que a bibliografia seja verdadeira (e bem feita, já agora) e que os candidatos não se atenham a fazer misturas do género baralha e volta a dar.
Mesmo assim, ainda cabe perguntar, deste processo inédito ficará uma lição?
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
25 mil malas é muita mala!
O mau tempo que se tem feito sentir na Europa fez mudar um adágio popular e já não se diz Depois da tempestade vem a bonança e sim Depois da tempestade vêm as malas por entregar!
O aeroporto Charles de Gaulle tem 25 mil malas nesta situação. Vinte e cinco mil. Um mais um mais um mais um mais milhares. Os passageiros lá se foram encafuando em aviões e avionetas e balões de ar quente e parapentes mas, como num puzzle para adultos feito por uma criança pequena ou como quando o meu ex-marido arranjava máquinas de lavar, sobraram peças, neste caso as malas de viagem.
A lua-de-mel da minha irmã foi passada no centro da Europa sendo o primeiro destino a Áustria. Ora eles foram mas as maletas ficaram em Lisboa fruto dum engano da senhorita que lhes fez o check in. Quando aterraram e viram que estavam sozinhos sem o apoio confortável das escovas de dentes, das meias e cuecas telefonaram-me em pranto pedindo ajuda para reaver a preciosa maleta. Fui ao aeroporto da Portela tentar encontrar a bagagem e mandá-la ter com os donos. Foi nessa altura que me senti uma personagem, esquecida e não filmada, da última cena do filme Indiana Jones e a Arca Perdida, quando o caixote com a arca lá dentro foi depositado num imenso armazém onde estavam milhares e milhares de outros caixotes, de feitios e tamanhos diversos. Os perdidos e achados do aeroporto da Portela são assim: um amontoado de malas de todas as cores e tamanhos, pranchas de surf, malas de mão de senhora, carrinhos de bebé, pagaias e canoas, canas de pesca e skys, sacos de golfe, sacos de plástico, sacos de pele, enfim, um mundo insuspeito e gigantesco de bens que muitos alguéns deixaram em Lisboa.
Mas estava tudo organizado, arrumado por tamanhos e cores e não foi difícil dar com a mala. Disse o código, a senhora marcou-o e a mala abriu-se diante dos meus ufanos olhos, prova que eu sabia do que falava! Lá se mandou a maleta que chegou ao destino sem mais demoras.
Agora 25 mil maletas assim, caídas do céu, literalmente pois muitas foram fruto de ligações anteriores, e havendo a necessidade de as mandar outra vez ao ar, não é fácil e não gostava de estar na pele dos funcionários que agora têm que se armar em carteiros do céu e devolver à procedência ou aos lugares onde estão os donos, tanta mala e tanto objecto. Imagino a confusão, o desespero dos proprietários, quanta prenda de Natal não entregue, quanto chocolate derretido, quando vinho entornado, quantas couves, se eram portugueses, podres e a cheirarem mal.
Estou solidária convosco, amigos funcionários da secção de entrega e devolução de malas perdidas, esquecidas ou simplesmente abandonadas em qualquer aeroporto do mundo e sei que a confusão é já muita mas, e isto é só uma ideia, o que aconteceria se as 25 mil malas fossem distribuídas simplesmente só com o critério do primeiro avião a sair…? Ok, está bem, isto é terrorismo, peço desculpa. Mas lá que era cómico, ah, isso era!
O aeroporto Charles de Gaulle tem 25 mil malas nesta situação. Vinte e cinco mil. Um mais um mais um mais um mais milhares. Os passageiros lá se foram encafuando em aviões e avionetas e balões de ar quente e parapentes mas, como num puzzle para adultos feito por uma criança pequena ou como quando o meu ex-marido arranjava máquinas de lavar, sobraram peças, neste caso as malas de viagem.
A lua-de-mel da minha irmã foi passada no centro da Europa sendo o primeiro destino a Áustria. Ora eles foram mas as maletas ficaram em Lisboa fruto dum engano da senhorita que lhes fez o check in. Quando aterraram e viram que estavam sozinhos sem o apoio confortável das escovas de dentes, das meias e cuecas telefonaram-me em pranto pedindo ajuda para reaver a preciosa maleta. Fui ao aeroporto da Portela tentar encontrar a bagagem e mandá-la ter com os donos. Foi nessa altura que me senti uma personagem, esquecida e não filmada, da última cena do filme Indiana Jones e a Arca Perdida, quando o caixote com a arca lá dentro foi depositado num imenso armazém onde estavam milhares e milhares de outros caixotes, de feitios e tamanhos diversos. Os perdidos e achados do aeroporto da Portela são assim: um amontoado de malas de todas as cores e tamanhos, pranchas de surf, malas de mão de senhora, carrinhos de bebé, pagaias e canoas, canas de pesca e skys, sacos de golfe, sacos de plástico, sacos de pele, enfim, um mundo insuspeito e gigantesco de bens que muitos alguéns deixaram em Lisboa.
Mas estava tudo organizado, arrumado por tamanhos e cores e não foi difícil dar com a mala. Disse o código, a senhora marcou-o e a mala abriu-se diante dos meus ufanos olhos, prova que eu sabia do que falava! Lá se mandou a maleta que chegou ao destino sem mais demoras.
Agora 25 mil maletas assim, caídas do céu, literalmente pois muitas foram fruto de ligações anteriores, e havendo a necessidade de as mandar outra vez ao ar, não é fácil e não gostava de estar na pele dos funcionários que agora têm que se armar em carteiros do céu e devolver à procedência ou aos lugares onde estão os donos, tanta mala e tanto objecto. Imagino a confusão, o desespero dos proprietários, quanta prenda de Natal não entregue, quanto chocolate derretido, quando vinho entornado, quantas couves, se eram portugueses, podres e a cheirarem mal.
Estou solidária convosco, amigos funcionários da secção de entrega e devolução de malas perdidas, esquecidas ou simplesmente abandonadas em qualquer aeroporto do mundo e sei que a confusão é já muita mas, e isto é só uma ideia, o que aconteceria se as 25 mil malas fossem distribuídas simplesmente só com o critério do primeiro avião a sair…? Ok, está bem, isto é terrorismo, peço desculpa. Mas lá que era cómico, ah, isso era!
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Os primeiros encontros
Devia ser em plural este título? Se é primeiro, é primeiro, é único, é só. Mas não no caso. Dado que o meu divórcio ocorreu essencialmente por razões de princípio e não por total falta de amor, embora tivesse que a declarar para conseguir divorciar-me dos imbróglios familiares que sempre se arrastam nestas ocasiões com perguntas repetidas, mas tens a certeza?, e pressões e pedidos de reconciliação, uma vez que para as famílias para além de vergonhoso, o divórcio dos filhos é, acima de tudo, muito difícil, com novas repartições de calendários no que aos netos diz respeito e mudança de palavreado conceptual com as amizades, passando, no caso, o genro, a ser designado como pai do neto, ou, engolindo dificilmente como se lhe doesse a garganta, como ex-marido da minha filha, foi-me difícil retomar qualquer forma de contacto social que se assemelhasse a um encontro. Os que têm acontecido têm sido liminarmente colocados na prateleira. Comigo tudo se faz em função de livros ou dos seus arredores metafóricos ou reais e uma das razões porque os primeiros encontros continuam a existir é que não consigo encontrar quem saiba conversar comigo e canso-me facilmente, sendo o facilmente consubstanciado temporalmente em 10, 15 minutos. Ao longo dos anos têm sido poucos primeiros encontros e são cada vez mais espaçados pois apenas disponho de 24 horas por dia e não tenho muito tempo para desperdiçar com novos primeiros encontros. Tenho amigas que me falam duma coisa a que chamam a minha exigência, que me aconselham a diminuir os quesitos, o que permitiria alargar o alvo. Seria o meu ex-marido um intelectual? Não, nada disso; estaria eu já formatada a ele com os anos de convivência e aceitaria o convívio por cedência? Sim, também, mas ele interessava-se pelo mundo, não aceitava explicações básicas, não acreditava em tudo o que ouvia e eu aprecio essa crítica do que nos rodeia. Um bolso generoso ou uma aparência imaculada não substituem uma cabeça pensante e é isso que não está presente nos meus primeiros encontros que, assim, continuam a existir.
Para além disso, hoje em dia um primeiro encontro serve na maioria das vezes para ver se as pessoas se entendem sexualmente, o que não corresponde à minha tabela de eleição e, assim, não tenho qualquer problema em declarar no final do primeiro encontro que será o primeiro e último, pois do outro lado está alguém espantado por eu não ter feito menção nem de raspão a qualquer tipo de intimidade. Não quero dizer que sou contra outros comportamentos, acontece é que eu tenho os meus e não me apetece abdicar deles. Logo, quem se interesse nos primeiros minutos duma primeira conversa por roupa interior tem quase cem por cento de probabilidade de não conversar comigo sobre mais nada. É aqui que algumas vozes amigas mudam o azimute e deixam de me chamar exigente para me passar a chamar esquisita. Se calhar sou, mas como conheço pessoas que admiro e que consubstanciam aquilo que gostava de alcançar, penso que deve haver outras, não iguais, mas semelhantes e que um dia vou encontrar uma com a qual possa conversar até esgotar o assunto. Depois disso, logo se vê se se arranjam outras conversas onde caibam as rendas da roupa interior.
As vozes voltam a azucrinar-me, em pânico, vais ficar sozinha!, e sinto-lhes um lamento por mim que já deixei de tentar combater com explicações onde me esmifro a meter-lhes na cabeça que estar só não é assim tão mau. Pelo menos não tenho a obrigação de arrumar a casa de banho e posso ter toda uma gama de artigos higiénicos espalhados em cima da bancada sob o espelho onde me pinto de manhã. Na verdade, a cada primeiro encontro perscruto a capacidade de ler poesia como medicamento quando eu estiver doente e não a encontro.
Tudo isto serve para agradecer a uma querida amiga que, com a desculpa que um amigo precisava dos meus préstimos profissionais, e se eu podia atendê-lo e mais daqui e mais dali, proporcionou um encontro telefónico na expectativa que desse frutos fora das linhas RDIS, uma espécie de pré-encontro, que se resume numa breve conversa ao telefone com o candidato onde, para fazer conversa eu disse que alguém tinha sugerido o nome de José Saramago para o novo aeroporto de Lisboa e ter ouvido como resposta se eu me referia ao que tinha escrito o Memorial do Convento e, seguido duma pequena gargalhada:
- Não me diga que gosta dessa literatura para freiras…
Seguiu-se um silêncio do meu lado, que fiz acompanhar dum balbuciar onde inclui as palavras talvez outro dia, hoje e esta semana não posso, uma vez que ele tinha perguntado se não nos podíamos encontrar.
Devo perdoar estas questões? Mesmo que quisesse, não consigo. Senti que conversava com um livro com gralhas e toda a gente sabe como as abomino.
Estou condenada a ficar sozinha, se não fosse mãe, diria que ficava para tia – e que bem desempenharia o meu papel – mas esta condenação não é uma condenação às galeras, é uma forma de vida, triste, mas é uma forma de vida.
Para além disso, hoje em dia um primeiro encontro serve na maioria das vezes para ver se as pessoas se entendem sexualmente, o que não corresponde à minha tabela de eleição e, assim, não tenho qualquer problema em declarar no final do primeiro encontro que será o primeiro e último, pois do outro lado está alguém espantado por eu não ter feito menção nem de raspão a qualquer tipo de intimidade. Não quero dizer que sou contra outros comportamentos, acontece é que eu tenho os meus e não me apetece abdicar deles. Logo, quem se interesse nos primeiros minutos duma primeira conversa por roupa interior tem quase cem por cento de probabilidade de não conversar comigo sobre mais nada. É aqui que algumas vozes amigas mudam o azimute e deixam de me chamar exigente para me passar a chamar esquisita. Se calhar sou, mas como conheço pessoas que admiro e que consubstanciam aquilo que gostava de alcançar, penso que deve haver outras, não iguais, mas semelhantes e que um dia vou encontrar uma com a qual possa conversar até esgotar o assunto. Depois disso, logo se vê se se arranjam outras conversas onde caibam as rendas da roupa interior.
As vozes voltam a azucrinar-me, em pânico, vais ficar sozinha!, e sinto-lhes um lamento por mim que já deixei de tentar combater com explicações onde me esmifro a meter-lhes na cabeça que estar só não é assim tão mau. Pelo menos não tenho a obrigação de arrumar a casa de banho e posso ter toda uma gama de artigos higiénicos espalhados em cima da bancada sob o espelho onde me pinto de manhã. Na verdade, a cada primeiro encontro perscruto a capacidade de ler poesia como medicamento quando eu estiver doente e não a encontro.
Tudo isto serve para agradecer a uma querida amiga que, com a desculpa que um amigo precisava dos meus préstimos profissionais, e se eu podia atendê-lo e mais daqui e mais dali, proporcionou um encontro telefónico na expectativa que desse frutos fora das linhas RDIS, uma espécie de pré-encontro, que se resume numa breve conversa ao telefone com o candidato onde, para fazer conversa eu disse que alguém tinha sugerido o nome de José Saramago para o novo aeroporto de Lisboa e ter ouvido como resposta se eu me referia ao que tinha escrito o Memorial do Convento e, seguido duma pequena gargalhada:
- Não me diga que gosta dessa literatura para freiras…
Seguiu-se um silêncio do meu lado, que fiz acompanhar dum balbuciar onde inclui as palavras talvez outro dia, hoje e esta semana não posso, uma vez que ele tinha perguntado se não nos podíamos encontrar.
Devo perdoar estas questões? Mesmo que quisesse, não consigo. Senti que conversava com um livro com gralhas e toda a gente sabe como as abomino.
Estou condenada a ficar sozinha, se não fosse mãe, diria que ficava para tia – e que bem desempenharia o meu papel – mas esta condenação não é uma condenação às galeras, é uma forma de vida, triste, mas é uma forma de vida.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Para Âncoras e Nefelibatas
Nas escolas comentam-se textos de autores ditos clássicos ou, pelos menos quando lá andei, era o que se fazia na disciplina de Português que hoje se chama Língua Portuguesa. Era preciso saber o que queriam dizer, interpretá-los (?), lê-los às avessas, comentá-los, ou seja, à força haviam de entrar em nós e continua-se a não se procurar maneiras de nos fazer entrar neles. Fazer os autores entrar em nós! Como se fossem comida! Lembra-me uma passagem do Crime do Padre Amaro quando uma beata se confessou com um problema capital: ao dizer, penso que, a Avé Maria vinha-lhe um escarro à boca. Ora, se o deitasse fora estava a cuspir o nome de Nossa Senhora, se o engolisse o sagrado nome ia-lhe parar aos intestinos que, como toda a gente sabe, é local pouco próprio para divindades. Como a compreendo! A questão é entrarmos nós, não fazermos entrar qualquer um, Deus nos livre e guarde, dentro de nós. Ora esta!
Como cumprimento de cidadania não devíamos só votar, devíamos também entrar no universo de certos autores. Porém e contudo e todavia e mormente e sei lá há coisas que não são para serem comentadas e interpretadas muito menos. São para serem apreciadas, como um mergulho, é deixá-lo vir e sentir. Usufruir do privilégio daquela leitura. Abençoar quem assim nos proporcionou aquele prazer.
Tanta arma e tanto barão assinalado em praias lusitanas e não só dão-me gozo ler e reler e interiorizar e sentir. Acima de tudo sentir.
Todo este palavreado serve para dizer que há locais onde me é fácil escrever e outros onde me sinto um animalzinho a contemplar as neves eternas do Kilimajaro, um pouco a mistura do burro que olha o palácio e o sudra, a casta mais baixa da Índia, a olhar sonhador o Taj Mahal. Ou seja, há sítios onde a caixa dos comentários me é inútil por não saber, não poder utilizá-la. Por não precisar de a utilizar porque o que leio me basta, me enche e preenche. São textos estrela porque têm um centro e várias pontas que me indicam outros caminhos, são em prosa cantada, em verso técnico, fotográficas e gramaticais, imaginosas e actuais. São os teus textos.
Obrigada senhora funcionária pública.
Como cumprimento de cidadania não devíamos só votar, devíamos também entrar no universo de certos autores. Porém e contudo e todavia e mormente e sei lá há coisas que não são para serem comentadas e interpretadas muito menos. São para serem apreciadas, como um mergulho, é deixá-lo vir e sentir. Usufruir do privilégio daquela leitura. Abençoar quem assim nos proporcionou aquele prazer.
Tanta arma e tanto barão assinalado em praias lusitanas e não só dão-me gozo ler e reler e interiorizar e sentir. Acima de tudo sentir.
Todo este palavreado serve para dizer que há locais onde me é fácil escrever e outros onde me sinto um animalzinho a contemplar as neves eternas do Kilimajaro, um pouco a mistura do burro que olha o palácio e o sudra, a casta mais baixa da Índia, a olhar sonhador o Taj Mahal. Ou seja, há sítios onde a caixa dos comentários me é inútil por não saber, não poder utilizá-la. Por não precisar de a utilizar porque o que leio me basta, me enche e preenche. São textos estrela porque têm um centro e várias pontas que me indicam outros caminhos, são em prosa cantada, em verso técnico, fotográficas e gramaticais, imaginosas e actuais. São os teus textos.
Obrigada senhora funcionária pública.
Nome?
Uma das coisas que a moda dita são os nomes das pessoas. Quando era adolescente havia na minha turma meia dúzia de Cristinas, Paulas e Paulos e a Madalena e o Eurico eram gozados por terem nomes esquisitos. Com as telenovelas vieram os Fábios, com a ginástica chegaram as Nádias, com a música os Marcos Paulos, depois apareceram as Vanessas, as Cátias e até as Cátias Vanessas. Pelo meio fica uma profusão de outros nomes que são tão bons como outros quaisquer, pena é que venham como as cheias, que inundam e deixam marca.
Há nomes lindos e outros horríveis mas não há consonância na opinião e ainda bem, cada um gosta do que gosta.
Durante algum tempo os Antónios estiveram em vias de extinção, tal como os Joaquins, os Josés ou os Manuéis com raras excepções para os que queriam manter longas listas de gerações com nomes iguais, vontade talvez proveniente de algum espírito aristocrático ou monárquico, chame-se-lhe o que se queira, com pena de não poderem incluir um primeiro, segundo e por aí fora, conferindo um ar real ao nome do petiz.
Se as Marias Josés conseguiram vingar no tempo, já os Josés Marias, ou qualquer outro Maria como segundo nome dum rapaz deixou de ter graça perante ofertas como Rúben, Flávio, Dário, Igor, Márcio, ou Ivo, entre outros. *Hoje qualquer mãezinha que se preze coloca Maria como segundo nome do seu filho, escolhendo para primeiro João, Manuel, José, Francisco ou Joaquim, e se o tratar por você será o máximo pois tem imensas hipóteses de ser confundida com uma pessoa fina. As mesmas mães sonham casá-los com Madalenas, Marianas, Matildes, Carolinas, cujos irmãos respondem pelo nome de Tomás, Santiago, Marcelo, Martim, Gonçalo, Valentim, Salvador ou Rafael.
Sem que alguém saiba porquê, verdadeiro mistério, muitos progenitores desde há meia dúzia de anos descobriram também a pérola de nome Cristiano e há quem consiga chutar em todas as direcções e registe a criança como Cristiano Maria! Isto devia ser patenteado!
Há nomes que nos fazem rir, como um antigo apaixonado pela minha mãe que se chama(va) Feliciano Rufas, curiosa e cómica junção de duas palavras; há nomes que nos deixam enojados como Maria da Expectoração, uma senhora que conheci numa viagem de comboio e em cujo nome só acreditei quando ela se dispôs a mostrar a identificação; há nomes que nos deixam incrédulos como Maria Aristotelina, que devia ter um paizinho grego; há nomes que são nítidos enganos e apropriação de diminutivos, ou assim quero crer, no caso da Maria Sanita, que nunca conheci mas da qual cheguei a ver o bilhete de identidade, e penso que provém do facto de a uma Conceição alguém teimar em chamar Sãozinha e daí a Sanita foi um passo, e como os registos eram feitos quando calhava, olha, calhou assim. E ninguém goza com o Albano Jerónimo porque teve a sorte de ter um corpinho e uma cara encomendados no melhor dos dias, que fazem com que seja, em linguagem popular desculpem lá, um pão!
Onde andarão as Isauras ou as Ivones? Os Abílios e os Adéritos? Os Amadeus e os Amílcares? Os simples Carlos? Já nem falo dos Humbertos nem dos Custódios. Os Mários, os Eduardos, os Emídios, as Elviras, as Glórias, as Dulces, que é feito deles?
Alguém conhecerá a importância de se chamar Ernesto?
*A partir daqui a até ao próximo espaçamento deve ler-se com uma inflexão na voz que imite (se não imitar e for genuína, tanto melhor) uma voz afectada, de bem.
Há nomes lindos e outros horríveis mas não há consonância na opinião e ainda bem, cada um gosta do que gosta.
Durante algum tempo os Antónios estiveram em vias de extinção, tal como os Joaquins, os Josés ou os Manuéis com raras excepções para os que queriam manter longas listas de gerações com nomes iguais, vontade talvez proveniente de algum espírito aristocrático ou monárquico, chame-se-lhe o que se queira, com pena de não poderem incluir um primeiro, segundo e por aí fora, conferindo um ar real ao nome do petiz.
Se as Marias Josés conseguiram vingar no tempo, já os Josés Marias, ou qualquer outro Maria como segundo nome dum rapaz deixou de ter graça perante ofertas como Rúben, Flávio, Dário, Igor, Márcio, ou Ivo, entre outros. *Hoje qualquer mãezinha que se preze coloca Maria como segundo nome do seu filho, escolhendo para primeiro João, Manuel, José, Francisco ou Joaquim, e se o tratar por você será o máximo pois tem imensas hipóteses de ser confundida com uma pessoa fina. As mesmas mães sonham casá-los com Madalenas, Marianas, Matildes, Carolinas, cujos irmãos respondem pelo nome de Tomás, Santiago, Marcelo, Martim, Gonçalo, Valentim, Salvador ou Rafael.
Sem que alguém saiba porquê, verdadeiro mistério, muitos progenitores desde há meia dúzia de anos descobriram também a pérola de nome Cristiano e há quem consiga chutar em todas as direcções e registe a criança como Cristiano Maria! Isto devia ser patenteado!
Há nomes que nos fazem rir, como um antigo apaixonado pela minha mãe que se chama(va) Feliciano Rufas, curiosa e cómica junção de duas palavras; há nomes que nos deixam enojados como Maria da Expectoração, uma senhora que conheci numa viagem de comboio e em cujo nome só acreditei quando ela se dispôs a mostrar a identificação; há nomes que nos deixam incrédulos como Maria Aristotelina, que devia ter um paizinho grego; há nomes que são nítidos enganos e apropriação de diminutivos, ou assim quero crer, no caso da Maria Sanita, que nunca conheci mas da qual cheguei a ver o bilhete de identidade, e penso que provém do facto de a uma Conceição alguém teimar em chamar Sãozinha e daí a Sanita foi um passo, e como os registos eram feitos quando calhava, olha, calhou assim. E ninguém goza com o Albano Jerónimo porque teve a sorte de ter um corpinho e uma cara encomendados no melhor dos dias, que fazem com que seja, em linguagem popular desculpem lá, um pão!
Onde andarão as Isauras ou as Ivones? Os Abílios e os Adéritos? Os Amadeus e os Amílcares? Os simples Carlos? Já nem falo dos Humbertos nem dos Custódios. Os Mários, os Eduardos, os Emídios, as Elviras, as Glórias, as Dulces, que é feito deles?
Alguém conhecerá a importância de se chamar Ernesto?
*A partir daqui a até ao próximo espaçamento deve ler-se com uma inflexão na voz que imite (se não imitar e for genuína, tanto melhor) uma voz afectada, de bem.
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Quer votar? Então pague!
Na sequência do tornado que assolou a zona de Tomar criou-se uma onda de solidariedade para com as pessoas cujas casas foram destruídas. Uma das formas de ajuda consiste em fazer telefonemas de valor acrescentado, valor esse que será dividido (quero acreditar que sim) entre quem precisa de ajuda e a operadora telefónica. Desta forma quem for envolvido na onda de solidariedade não necessita de fazer depósitos nem usar caixas multibanco, nem nada, apenas o telefone. Simples e eficaz.
Porém, que eu desse conta, de forma espontânea e fazendo parte do próprio ‘anúncio’ nunca tinha sido revelada qual a fatia que fica na operadora – custos de comunicação, penso que é assim que dizem – e a parte que fica para quem organiza o peditório, seja ele para que fim for. Ora, no caso em questão, estamos perante um auxílio a pessoas para com quem a natureza foi agreste, mas na esmagadora maioria das situações este método é usado para concursos, o que quer dizer que o prémio em questão é pago e bem pago por todos quantos concorrem e não por quem apenas faz de intermediário e aparece aos olhos de quem concorre como o benemérito ofertor de carros, viagens e de tudo um pouco que se imagine.
A chamada custa 60 cêntimos, 12 são para custos de comunicação e os restantes 48 são para a causa em si. Não me choca nada dar cerca de 50 cêntimos para ajudar alguém, mas choca-me que existam linhas destas a propósito de tudo e mais um par de botas e que se tenha que pagar para concorrer a qualquer coisa, ou seja, pagar de avanço o prémio ou a participação.
Quantas pessoas votarão nos Ídolos? Quantas vezes estará já pago o carro que vão oferecer na final? Mas as pessoas telefonam para votarem, telefonam na perspectiva que mandam, que elegem, que determinam, que são fundamentais, e acredito que para as votações, o sejam mas, não obstante, pagam para mandarem, para elegerem, para determinarem, no fundo pagam para votar.
É claro que não sou ingénua sobre as máquinas que suportam estas andanças, deste ou de qualquer outro concurso, iniciativa, acção benemérita, what ever, mas quase 50 cêntimos não será um bocadinho exagerado…?
Porém, que eu desse conta, de forma espontânea e fazendo parte do próprio ‘anúncio’ nunca tinha sido revelada qual a fatia que fica na operadora – custos de comunicação, penso que é assim que dizem – e a parte que fica para quem organiza o peditório, seja ele para que fim for. Ora, no caso em questão, estamos perante um auxílio a pessoas para com quem a natureza foi agreste, mas na esmagadora maioria das situações este método é usado para concursos, o que quer dizer que o prémio em questão é pago e bem pago por todos quantos concorrem e não por quem apenas faz de intermediário e aparece aos olhos de quem concorre como o benemérito ofertor de carros, viagens e de tudo um pouco que se imagine.
A chamada custa 60 cêntimos, 12 são para custos de comunicação e os restantes 48 são para a causa em si. Não me choca nada dar cerca de 50 cêntimos para ajudar alguém, mas choca-me que existam linhas destas a propósito de tudo e mais um par de botas e que se tenha que pagar para concorrer a qualquer coisa, ou seja, pagar de avanço o prémio ou a participação.
Quantas pessoas votarão nos Ídolos? Quantas vezes estará já pago o carro que vão oferecer na final? Mas as pessoas telefonam para votarem, telefonam na perspectiva que mandam, que elegem, que determinam, que são fundamentais, e acredito que para as votações, o sejam mas, não obstante, pagam para mandarem, para elegerem, para determinarem, no fundo pagam para votar.
É claro que não sou ingénua sobre as máquinas que suportam estas andanças, deste ou de qualquer outro concurso, iniciativa, acção benemérita, what ever, mas quase 50 cêntimos não será um bocadinho exagerado…?
A poesia da Poesia
Falo com frequência do facto de não dominar línguas, da pena que tenho de não conseguir ler nas línguas originais, no que se perde, no que perco, com a minha ignorância. Não tenho qualquer dúvida que a ignorância nos faz perder imensa coisa e vivo com essa certeza.
Falo com frequência das traduções, da sua qualidade, ou da falta dela, de como os tradutores são autores dum novo texto, de como têm responsabilidade, quantas vezes secundarizada, a começar por eles próprios que não têm brio no seu trabalho, em copiar transpondo.
Mas o que não falo com frequência é do facto da não gostar de ler poesia traduzida, embora o faça, por ignorância, como é óbvio. A poesia são emoções puras que algumas pessoas conseguem mostrar através de palavras, daquelas palavras a que todos temos acesso porque estão dentro dos dicionários, que são de venda livre e todos deviam ter vários em casa, mas conseguem alinhá-las de forma muito especial, diferente, porquê? Porque não são palavras, são emoções que para serem visualizadas e sentidas nos são mostradas sob a forma de palavras. Isto não se traduz.
Podemos traduzir um conceito ou a descrição duma equação, mas não a poesia. A diferença entre a matemática ou a música e a poesia é que esta tem as palavras como veículo e podemos usar diferentes veículos para a transportar. A matemática tem símbolos universais - ou quase - que fazem sentido na Terra e em Marte e a música, essa é igual em todo o lado, não tem língua, não tem cor, não tem religião, não tem sexo, não tem filiações de espécie alguma. Pode gostar-se ou não, amar-se, odiar-se, ou simplesmente optar-se não a ouvir. Ou não se poder, por se ser surdo, mas não tem intermediários, como a língua traduzida na Poesia.
Um romance ou um livro técnico passam-nos informação cujo conteúdo interiorizamos. Um poema é uma tatuagem emocional, um estado de espírito, um sopro, não uma aragem, nem uma corrente de ar, um exacto sopro, a que uma simples, pequena, quase inexistente mudança faz alterar a essência. Mas um poema pode ser uma tempestade, uma trovoada, uma descida dum rápido, uma subida duma montanha, uma descoberta científica, amor à primeira vista. E é isso mesmo, sem tirar nem por, e as tempestades tropicais não são iguais às do Árctico, as trovoadas com chuva são opostas às secas, uma montanha africana é diferente duma europeia ou americana, os rápidos podem ser maiores ou mais pequenos, mais ou menos perigosos, as descobertas científicas podem afectar a vida da humanidade ou apenas criar-nos expectativas e há quem nem sequer acredite no amor à primeira vista.
A poesia não pode ser traduzida, se não perde-se a musicalidade e a intensidade daquela língua em particular, seja sânscrito ou zeros e uns, perde-se a poesia do poema.
Porque raio não sei eu ler em todas as línguas?
Falo com frequência das traduções, da sua qualidade, ou da falta dela, de como os tradutores são autores dum novo texto, de como têm responsabilidade, quantas vezes secundarizada, a começar por eles próprios que não têm brio no seu trabalho, em copiar transpondo.
Mas o que não falo com frequência é do facto da não gostar de ler poesia traduzida, embora o faça, por ignorância, como é óbvio. A poesia são emoções puras que algumas pessoas conseguem mostrar através de palavras, daquelas palavras a que todos temos acesso porque estão dentro dos dicionários, que são de venda livre e todos deviam ter vários em casa, mas conseguem alinhá-las de forma muito especial, diferente, porquê? Porque não são palavras, são emoções que para serem visualizadas e sentidas nos são mostradas sob a forma de palavras. Isto não se traduz.
Podemos traduzir um conceito ou a descrição duma equação, mas não a poesia. A diferença entre a matemática ou a música e a poesia é que esta tem as palavras como veículo e podemos usar diferentes veículos para a transportar. A matemática tem símbolos universais - ou quase - que fazem sentido na Terra e em Marte e a música, essa é igual em todo o lado, não tem língua, não tem cor, não tem religião, não tem sexo, não tem filiações de espécie alguma. Pode gostar-se ou não, amar-se, odiar-se, ou simplesmente optar-se não a ouvir. Ou não se poder, por se ser surdo, mas não tem intermediários, como a língua traduzida na Poesia.
Um romance ou um livro técnico passam-nos informação cujo conteúdo interiorizamos. Um poema é uma tatuagem emocional, um estado de espírito, um sopro, não uma aragem, nem uma corrente de ar, um exacto sopro, a que uma simples, pequena, quase inexistente mudança faz alterar a essência. Mas um poema pode ser uma tempestade, uma trovoada, uma descida dum rápido, uma subida duma montanha, uma descoberta científica, amor à primeira vista. E é isso mesmo, sem tirar nem por, e as tempestades tropicais não são iguais às do Árctico, as trovoadas com chuva são opostas às secas, uma montanha africana é diferente duma europeia ou americana, os rápidos podem ser maiores ou mais pequenos, mais ou menos perigosos, as descobertas científicas podem afectar a vida da humanidade ou apenas criar-nos expectativas e há quem nem sequer acredite no amor à primeira vista.
A poesia não pode ser traduzida, se não perde-se a musicalidade e a intensidade daquela língua em particular, seja sânscrito ou zeros e uns, perde-se a poesia do poema.
Porque raio não sei eu ler em todas as línguas?
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
O empréstimo
Contra os meus hábitos emprestei um livro a um desconhecido. O blogue serviu de intermediário e hoje fui aos Correios buscar o empréstimo que já me foi devolvido.
O livro vinha com uma nota de agradecimento que guardarei, disso não tenham dúvidas. É tão raro sermos inundados pelo sentimento pleno de contribuição para a felicidade de alguém, e o que é a felicidade se não um conjunto de bons momentos?
Para mim é também olhar em volta e ver os outros sorrirem felizes e contentes, podermos dizer, hoje fiz alguém feliz ou contribui para a felicidade de alguém!
Mas o melhor disto é podermos congratularmo-nos com a felicidade e a alegria dum perfeito desconhecido e ficarmos igualmente sorridentes.
Escrevo isto e lembro-me que a propósito de qualquer catástrofe os serviços noticiosos informam-nos, para nosso descanso, que não há portugueses entre as vítimas. Pergunto-me sempre interiormente qual a diferença? Bem sei que a ideia é sossegar eventuais familiares, mas eu sinto-me como irmã de qualquer um, independentemente da nacionalidade e sinto-o tão fundo que eu própria não gosto de o sentir assim, pois faz-me doer.
A alegria e o sentido de contribuir para a felicidade de estranhos é igual, mas ao contrário: partilham essa felicidade comigo mesmo que o não saiba, derramam-na e eu apanho-a! E foi assim que um empréstimo se transformou numa dávida, empréstimo a um estranho, dádiva de alegria para mim. Obrigada.
Aproveito para agradecer também a todos os leitores deste espaço e desejar-lhes Boas Festas. Do coração e com sorrisos.
O livro vinha com uma nota de agradecimento que guardarei, disso não tenham dúvidas. É tão raro sermos inundados pelo sentimento pleno de contribuição para a felicidade de alguém, e o que é a felicidade se não um conjunto de bons momentos?
Para mim é também olhar em volta e ver os outros sorrirem felizes e contentes, podermos dizer, hoje fiz alguém feliz ou contribui para a felicidade de alguém!
Mas o melhor disto é podermos congratularmo-nos com a felicidade e a alegria dum perfeito desconhecido e ficarmos igualmente sorridentes.
Escrevo isto e lembro-me que a propósito de qualquer catástrofe os serviços noticiosos informam-nos, para nosso descanso, que não há portugueses entre as vítimas. Pergunto-me sempre interiormente qual a diferença? Bem sei que a ideia é sossegar eventuais familiares, mas eu sinto-me como irmã de qualquer um, independentemente da nacionalidade e sinto-o tão fundo que eu própria não gosto de o sentir assim, pois faz-me doer.
A alegria e o sentido de contribuir para a felicidade de estranhos é igual, mas ao contrário: partilham essa felicidade comigo mesmo que o não saiba, derramam-na e eu apanho-a! E foi assim que um empréstimo se transformou numa dávida, empréstimo a um estranho, dádiva de alegria para mim. Obrigada.
Aproveito para agradecer também a todos os leitores deste espaço e desejar-lhes Boas Festas. Do coração e com sorrisos.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Futuro (?)
Quando alguém sabe que tem uma doença assustadora que o conduzirá à morte num curto espaço de tempo, as reacções podem ser muito diversas e podem oscilar entre o suicídio imediato e o querer viver depressa, o que se poderá traduzir em viajar ou fazer coisas que sempre se quis e nunca se fez.
Mas o que se deve fazer quando se sabe que se está num processo de degradação cujo percurso brevemente não se acompanhará, porque deixaremos de ter consciência dele, precisamente por causa dessa doença?
Saber que se tem uma doença mortal faz-nos pensar num fim, fim esse cuja essência é a morte. Acabou, não há mais coisas boas, nem más, não há mais nada. Mas saber que se vai continuar a respirar sem ter consciência que existimos, sem controlo de acções, de comportamentos, saber que isso pode já estar a acontecer, sem que nós o saibamos, duvidar de cada instante do nosso dia-a-dia, se foi real ou só aconteceu dentro da nossa cabeça, é viver num limbo para o qual não encontro nome.
Numa primeira fase sabemos que estamos vivos mas não sabemos se tudo é verdade à nossa volta. Perguntamo-nos se já começou... Aos primeiros esquecimentos ou tentativas infrutíferas de percorrer a memória entra-se num pânico difícil de controlar. Não se sabe onde se está, fala-se devagar para perceber se as reacções dos outros nos parecem normais e é em função delas que avaliamos a nossa própria normalidade.
Sabemos que estamos a morrer mas não sentimos nada, deixamos esse trabalho aos outros, cujas tarefas serão incalculavelmente grandes mas das quais nem daremos conta pois estaremos noutra dimensão.
O que quero dizer, onde quero chegar é à consciência que se tem no momento em que a doença é diagnosticada e os médicos dizem que se está a entrar num túnel do qual não mais se vai sair, mas não perceberemos nada, como se fossemos anestesiados e nos virássemos para dentro de nós, expulsando o resto do mundo do nosso mundo, encurtando o mundo, criando outro mundo, vivendo num mundo diferente.
É assustador.
O que fazer? Viajar? Viajar muito e a correr, como quem tenta fugir a um terramoto ou como quem corre adiante das ondas imensas e engolidoras dum tsunami? Ver pessoas que não vemos há anos e dizer-lhes como nos lembramos delas? Pagar promessas? Virarmo-nos para a religião? Tem que se decidir depressa pois em breve não haverá consciência de nada, como se embarcássemos numa nave espacial adormecidos até ao dia em que o nosso coração pare e deixemos também de ser vegetais.
Ouço uma estação de rádio que só dá música antiga e que me trás à memória lembranças de mil coisas, que relaciono com outras mil. Penso nos milhões de coisas que se perdem num processo destes, tenho vontade de chorar, sinto faltar-me a respiração e depois penso que as pessoas com estas doenças não se lembram de nada e por isso é terrível saber-se o futuro, porque o momento actual, mesmo que se faça muita força para não pensar nele, projecta-nos para o nada do futuro, um futuro vazio e seco, estéril, um futuro que, a bem da verdade, não existirá, mas é para lá que vão as pessoas assim e hoje elas já o sabem e isso custa tanto, dói, com dores incomensuráveis, que parecem antecipar o que não queremos pensar que vai chegar, mas é para lá que se caminha e a pescadinha de rabo na boca enrodilha-se-nos ao pescoço e o sufoco é cada vez maior, tão grande, tão grande, tão grande.
Mas o que se deve fazer quando se sabe que se está num processo de degradação cujo percurso brevemente não se acompanhará, porque deixaremos de ter consciência dele, precisamente por causa dessa doença?
Saber que se tem uma doença mortal faz-nos pensar num fim, fim esse cuja essência é a morte. Acabou, não há mais coisas boas, nem más, não há mais nada. Mas saber que se vai continuar a respirar sem ter consciência que existimos, sem controlo de acções, de comportamentos, saber que isso pode já estar a acontecer, sem que nós o saibamos, duvidar de cada instante do nosso dia-a-dia, se foi real ou só aconteceu dentro da nossa cabeça, é viver num limbo para o qual não encontro nome.
Numa primeira fase sabemos que estamos vivos mas não sabemos se tudo é verdade à nossa volta. Perguntamo-nos se já começou... Aos primeiros esquecimentos ou tentativas infrutíferas de percorrer a memória entra-se num pânico difícil de controlar. Não se sabe onde se está, fala-se devagar para perceber se as reacções dos outros nos parecem normais e é em função delas que avaliamos a nossa própria normalidade.
Sabemos que estamos a morrer mas não sentimos nada, deixamos esse trabalho aos outros, cujas tarefas serão incalculavelmente grandes mas das quais nem daremos conta pois estaremos noutra dimensão.
O que quero dizer, onde quero chegar é à consciência que se tem no momento em que a doença é diagnosticada e os médicos dizem que se está a entrar num túnel do qual não mais se vai sair, mas não perceberemos nada, como se fossemos anestesiados e nos virássemos para dentro de nós, expulsando o resto do mundo do nosso mundo, encurtando o mundo, criando outro mundo, vivendo num mundo diferente.
É assustador.
O que fazer? Viajar? Viajar muito e a correr, como quem tenta fugir a um terramoto ou como quem corre adiante das ondas imensas e engolidoras dum tsunami? Ver pessoas que não vemos há anos e dizer-lhes como nos lembramos delas? Pagar promessas? Virarmo-nos para a religião? Tem que se decidir depressa pois em breve não haverá consciência de nada, como se embarcássemos numa nave espacial adormecidos até ao dia em que o nosso coração pare e deixemos também de ser vegetais.
Ouço uma estação de rádio que só dá música antiga e que me trás à memória lembranças de mil coisas, que relaciono com outras mil. Penso nos milhões de coisas que se perdem num processo destes, tenho vontade de chorar, sinto faltar-me a respiração e depois penso que as pessoas com estas doenças não se lembram de nada e por isso é terrível saber-se o futuro, porque o momento actual, mesmo que se faça muita força para não pensar nele, projecta-nos para o nada do futuro, um futuro vazio e seco, estéril, um futuro que, a bem da verdade, não existirá, mas é para lá que vão as pessoas assim e hoje elas já o sabem e isso custa tanto, dói, com dores incomensuráveis, que parecem antecipar o que não queremos pensar que vai chegar, mas é para lá que se caminha e a pescadinha de rabo na boca enrodilha-se-nos ao pescoço e o sufoco é cada vez maior, tão grande, tão grande, tão grande.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Se eu soubesse dar assobios prolongados reproduzia aqui um dos que já ouvi hoje
Não me posso candidatar a concursos de elegância mas também não gosto que a característica que o meu pai distinga em mim quando fala com alguém seja o facto de eu ter quilos a mais! Já é a segunda vez que ouço conversas dele sobre o assunto e, como nem me quero meter, acabo por não perceber se ele, por um processo qualquer que também não almejo descortinar, está a avisar qualquer incauto para não ficar como eu ou se me está a desculpar, como se eu precisasse de perdão para aparecer aos olhos fosse de quem fosse por não ter o peso ideal. Aparentemente, e só para citar uma característica, a minha disponibilidade não vale muito.
Porém, hoje é um dia especial e eu vesti-me em conformidade, de tal forma que, mesmo com o sinal verde para o trânsito, pararam para eu passar! Já percepcionei coisas muito brejeiras – eu sou simpática – mas também ouvi coisas muito engraçadas, como por exemplo:
- O sacrifício duns é o prazer dos outros… bem-haja por ter trazido esse vestido mesmo com este frio!
Reconheço: a minissaia é arrasadora e como as pernas são das poucas coisas bem-feitas que este corpinho transporta, o resultado final vale a pena.
Porém, hoje é um dia especial e eu vesti-me em conformidade, de tal forma que, mesmo com o sinal verde para o trânsito, pararam para eu passar! Já percepcionei coisas muito brejeiras – eu sou simpática – mas também ouvi coisas muito engraçadas, como por exemplo:
- O sacrifício duns é o prazer dos outros… bem-haja por ter trazido esse vestido mesmo com este frio!
Reconheço: a minissaia é arrasadora e como as pernas são das poucas coisas bem-feitas que este corpinho transporta, o resultado final vale a pena.
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Schiiiuuu....
As minhas pretensões para fazer um Retiro são aclamadas por amigas que rapidamente agarram na ideia e aí vão elas para algures no meio dos Pirinéus, aproveitando para passar por Andorra, outra vai para uma quinta no Algarve, outra ainda para um Centro na Covilhã. Eu vou ficando porque quero companhia mas estas opções pagam-se e não consigo esticar-me assim tanto.
Com a minha determinação de mudar vários aspectos da minha vida percorro a internet em demanda de informações sobre Retiros. E encontro: retiros budistas, hinduístas, astrológicos, místicos, de ioga, de silêncio, de meditação. Institucionalmente não há nada proveniente da Igreja Católica, apenas referências em blogs particulares a momentos cuja organização não transparece, não se deixa ver.
Mando um e-mail à minha boa amiga A.I.A. (fica giro este acrónimo) a pedir informação sobre Retiros pois sei que já os fez. Aliás, lembro-me sempre da descrição do seu primeiro Retiro de Silêncio quando chegou ao pequeno-almoço atrasada como de costume e anunciou um sonoro e ribombante Bom Dia! E quando viu a cara de surpresa dos demais perante o facto de ter falado resolveu a situação distribuindo desculpas… Esta história faz-me sempre rir a valer.
A Igreja Católica não devia estar em cima das necessidades de acolhimento do seu rebanho? Vou à página do Patriarcado em peregrinação. Clico em Vida em Igreja e tenho como resposta Not Found. As outras informações são factuais. Resolvo procurar a União Budista Portuguesa na página da qual há informação para me entreter algumas horas. Vagueio por entre páginas de auto-realização e serviço universal mas não encontro verdadeiramente o que acho que procuro, talvez porque procuramos sempre o que está dentro de nós mas não conseguimos ver; porém, não podemos olhar para o nosso interior na perspectiva do umbigo, caso contrário elevamo-nos à categoria de deuses ou santos, pois essa é a tendência de cada um. Para resolver esta questão é preciso muito caminho mas eu recomendo que se comece com a aquisição e utilização dum… espelho. Mas isto eu sei. Mas quero saber mais. E quero saber em silêncio, como uma purga de gente, de mim, uma limpeza de triavilidades com as quais me encho diariamente. Porquê? Porque não tenho nada mais interessante. Preciso de fazer esta viagem, anseio por ela, não penso noutra coisa, senão em fazer este caminho, rapidamente, com urgência, como se me estivesse a queimar. Aguardo a resposta da A.I.A. e as respostas a vários mails que mandei para as mais diversas instituições em Lisboa que fazem retiros. Aguardo.
Com a minha determinação de mudar vários aspectos da minha vida percorro a internet em demanda de informações sobre Retiros. E encontro: retiros budistas, hinduístas, astrológicos, místicos, de ioga, de silêncio, de meditação. Institucionalmente não há nada proveniente da Igreja Católica, apenas referências em blogs particulares a momentos cuja organização não transparece, não se deixa ver.
Mando um e-mail à minha boa amiga A.I.A. (fica giro este acrónimo) a pedir informação sobre Retiros pois sei que já os fez. Aliás, lembro-me sempre da descrição do seu primeiro Retiro de Silêncio quando chegou ao pequeno-almoço atrasada como de costume e anunciou um sonoro e ribombante Bom Dia! E quando viu a cara de surpresa dos demais perante o facto de ter falado resolveu a situação distribuindo desculpas… Esta história faz-me sempre rir a valer.
A Igreja Católica não devia estar em cima das necessidades de acolhimento do seu rebanho? Vou à página do Patriarcado em peregrinação. Clico em Vida em Igreja e tenho como resposta Not Found. As outras informações são factuais. Resolvo procurar a União Budista Portuguesa na página da qual há informação para me entreter algumas horas. Vagueio por entre páginas de auto-realização e serviço universal mas não encontro verdadeiramente o que acho que procuro, talvez porque procuramos sempre o que está dentro de nós mas não conseguimos ver; porém, não podemos olhar para o nosso interior na perspectiva do umbigo, caso contrário elevamo-nos à categoria de deuses ou santos, pois essa é a tendência de cada um. Para resolver esta questão é preciso muito caminho mas eu recomendo que se comece com a aquisição e utilização dum… espelho. Mas isto eu sei. Mas quero saber mais. E quero saber em silêncio, como uma purga de gente, de mim, uma limpeza de triavilidades com as quais me encho diariamente. Porquê? Porque não tenho nada mais interessante. Preciso de fazer esta viagem, anseio por ela, não penso noutra coisa, senão em fazer este caminho, rapidamente, com urgência, como se me estivesse a queimar. Aguardo a resposta da A.I.A. e as respostas a vários mails que mandei para as mais diversas instituições em Lisboa que fazem retiros. Aguardo.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Coisas da vida
No último mês e meio fiz peões na auto-estrada, assaltaram-me o carro partindo um vidro e roubando o rádio, tive uma tendinite que me impediu de trabalhar e fazer fosse o que fosse, descobri uma doença nos dentes que me vai obrigar a tirá-los e a substituí-los, avariou-se a televisão, as botas bateram a bota, o cabelo não cresce, mudou o meu director, magoei um pé, tive que pagar o seguro do carro, não consigo acabar o Olho de Hertzog, escrevo pouco ou nada, a humidade escorre pelos vidros, tão depressa faz um frio de rachar como transpiro que nem uma louca.
Mas não fumo!
Para ser mesmo honesta devo dizer que não fumo quase nada e o quase é um cigarro a seguir ao almoço. Tenho uma fome danada o dia inteiro e a senhora da farmácia diz-me que é um vício a substituir outro. Pois, acredito que sim, mas não tarda terão que mandar alargar o portão da entrada do meu local de trabalho para eu poder comparecer dentro de portas diariamente!
Mas sinto-me contente comigo própria por conseguir correr mais de três metros. De seguida!
Tento disciplinar-me e penso que possibilidades terei de ir para a Índia fazer meditação nas próximas semanas, de modo a conseguir ordenar esta bagunça de vida e, já agora, fazer dieta. Risco a Índia e tento pensar noutra possibilidade enquanto vou fazendo cruzes no papelito do euromilhões e repetindo o meu mantra, vou ganhar o euromilhões, vou ganhar o euromilhões, vou ganhar o euromilhões. Depois enumero as coisas que farei quando o ganhar e verifico, vez após vez, que aí pela vigésima pessoa a quem faria uma surpresa, ainda não me incluí a mim própria. Desisto da distribuição de boas acções e penso que da próxima que me ocorrer este pensamento me ponho adiante da malta toda. Mas vá lá saber-se porquê, quando volta a acontecer, volto a pensar nas mais variadas pessoas e lá estou eu algures mais para o fim da fila!
Depois penso que não me dava jeito ganhá-lo agora pela simples razão que não me posso ausentar! O meu filho precisa de mim e não o posso deixar por aí, e ir a correr mundo como os heróis das estórias que a minha avó contava e que eu venerava e queria copiar. Se calhar é por isso que ainda não me calhou… ou já terá calhado? Bem, já reduzi drasticamente o tabaco – uau! – o que consubstancia qualquer coisa que eu queria muito, muito, muito, já é alguma coisa!
Não serão estas coisas euromilhões aos quais não damos a importância que têm? Começo a pensar que sim. Sempre ouvi dizer que os pobres não têm vícios e lembro-me sempre dum bom amigo, o J. Soares, dizer que toda a gente tem direito a eles, mas neste momento da minha vida, não se trata de ter direito ou não, trata-se de não ter dinheiro e conseguir aliar um momento, ou melhor um longo conjunto de momentos, de desconforto financeiro com a necessária mudança a bem da saúde, e também da carteira, e também do ozono e também de mil outras coisas.
Faço um esforço descomunal para não desatar a berrar com toda a gente, para não desatinar com a vida, inspiro e expiro tentando afastar o pensamento para coisas boas e determinada em acreditar que o actual momento, ou melhor o longo conjunto de momentos, tem que ter um fim, tem que mudar, e mudar só pode ser para melhor.
Mas não fumo!
Para ser mesmo honesta devo dizer que não fumo quase nada e o quase é um cigarro a seguir ao almoço. Tenho uma fome danada o dia inteiro e a senhora da farmácia diz-me que é um vício a substituir outro. Pois, acredito que sim, mas não tarda terão que mandar alargar o portão da entrada do meu local de trabalho para eu poder comparecer dentro de portas diariamente!
Mas sinto-me contente comigo própria por conseguir correr mais de três metros. De seguida!
Tento disciplinar-me e penso que possibilidades terei de ir para a Índia fazer meditação nas próximas semanas, de modo a conseguir ordenar esta bagunça de vida e, já agora, fazer dieta. Risco a Índia e tento pensar noutra possibilidade enquanto vou fazendo cruzes no papelito do euromilhões e repetindo o meu mantra, vou ganhar o euromilhões, vou ganhar o euromilhões, vou ganhar o euromilhões. Depois enumero as coisas que farei quando o ganhar e verifico, vez após vez, que aí pela vigésima pessoa a quem faria uma surpresa, ainda não me incluí a mim própria. Desisto da distribuição de boas acções e penso que da próxima que me ocorrer este pensamento me ponho adiante da malta toda. Mas vá lá saber-se porquê, quando volta a acontecer, volto a pensar nas mais variadas pessoas e lá estou eu algures mais para o fim da fila!
Depois penso que não me dava jeito ganhá-lo agora pela simples razão que não me posso ausentar! O meu filho precisa de mim e não o posso deixar por aí, e ir a correr mundo como os heróis das estórias que a minha avó contava e que eu venerava e queria copiar. Se calhar é por isso que ainda não me calhou… ou já terá calhado? Bem, já reduzi drasticamente o tabaco – uau! – o que consubstancia qualquer coisa que eu queria muito, muito, muito, já é alguma coisa!
Não serão estas coisas euromilhões aos quais não damos a importância que têm? Começo a pensar que sim. Sempre ouvi dizer que os pobres não têm vícios e lembro-me sempre dum bom amigo, o J. Soares, dizer que toda a gente tem direito a eles, mas neste momento da minha vida, não se trata de ter direito ou não, trata-se de não ter dinheiro e conseguir aliar um momento, ou melhor um longo conjunto de momentos, de desconforto financeiro com a necessária mudança a bem da saúde, e também da carteira, e também do ozono e também de mil outras coisas.
Faço um esforço descomunal para não desatar a berrar com toda a gente, para não desatinar com a vida, inspiro e expiro tentando afastar o pensamento para coisas boas e determinada em acreditar que o actual momento, ou melhor o longo conjunto de momentos, tem que ter um fim, tem que mudar, e mudar só pode ser para melhor.
Requiem para umas botas
Ontem fui fazer uma caminhada orientada. Por norma faço-as ao sabor dos meus pés e começam e terminam quando as botas ou os ténis e eu determinamos. Ontem foi diferente. Arrastei a I., para não variar, mochila com maçãs, garrafa de água e chapéu-de-chuva e, por incrível que pareça, quem levou o chapéu fui eu, o que é motivo de espanto até para mim própria.
Recomendo as passeatas do SAL por várias razões: são saudáveis, culturais, o pessoal do SAL é bem disposto e, muito importante este último aspecto, é barato.
Mas no meio da boa disposição e saudabilidade do passeio, das escorregadelas na lama, dos saltos de poça em poça, das corridas para procurar abrigo ou para acompanhar melhor o resto do grupo, tive um desaire e tenho um adeus em perspectiva, (dois, se contar com a televisão).
As minhas botas maravilha deram o último suspiro e já em casa receberam a extrema-unção sob a forma de lágrimas.
Foram uma prenda de Natal da minha irmã há mais de dez anos. Chegaram-me às mãos e entraram-me nos pés na minha antiga casa do Alentejo, num Natal em que fomos à Missa do Galo e durante a qual o gordo tronco que ficara ao lume resvalou e encheu a casa de fumo. Quando chegámos, depois duma missa onde o padre enumerou todos os anjos e santos do Olimpo cristão, numa lista tão longa como a Linha do Equador o que nos provocou muita gargalhada, sempre reprimida sob o olhar do nosso pai, não se via nada e pensámos que a própria casa estava a arder. Afinal era só fumo. Foi a primeira aventura das botas. Depois sucederam-lhe tantas que são inumeráveis, tantos quilómetros, tantos países, tantos passeios, tantas caminhadas.
Há três ou quatro anos na Jordânia tiveram uma síncope que me fez sangrar os pés: estávamos em Petra com um calor vindo da antiguidade dos Nabateus mas mesmo assim aguentaram, elas e eu; chegadas a Portugal foram directas ao sapateiro que lhes fez uma prótese interna e que durou até ontem. Não vale a pena operar de novo, sei que não aguentarão. Tenho fotografias com elas na Praça Vermelha, na Muralha da China, em Istambul, em Petra, no norte de África, numa Córdova chuvosa mas onde estava de calções e de tranças e onde fiquei com o melhor ar que se possa imaginar, como se as botas fossem mais que um calçado, como se fossem um pedestal. Esta fotografia, onde estou ao lado do pai do Duarte, está em lugar de destaque e o que se destaca são as botas.
Das várias lavagens foram ficando com manchas, algumas das quais nunca saíram. Aguentaram a minha loucura duma semana num barco nos Açores atrás duma baleia de bossa, onde só vinha a terra para dormir e caminhar ainda mais.
Com estas botas calçadas sentia-me em casa estivesse onde estivesse. Eram seguras, confortáveis e de confiança.
Vão ter que ser substituídas mas não serão enterradas. Ficarão como o Lenine ou o Mao, numa espécie de embalsamamento, para que possam ser vistas, não por quem pague depois duma espera numa fila, mas por quem mereça.
Se estas botas falassem poderiam ditar um livro, vários números de revistas de viagens e poderiam rir-se, por exemplo, de quando dormi calçada com elas num tugúrio em Roma cuja porta não fechava ou quando saí do quarto a correr com os atacadores desatados em Dubrovnik porque alguém confundiu uma trovoada seca com um ataque e deram o alarme no Hotel onde eu estava. Já me fizeram de cabeceira também, e que bem que exerceram essa função. Essa e todas.
Agora ficarão como os amantes de Catherine Deneuve em Fome de Viver, para sempre comigo.
Recomendo as passeatas do SAL por várias razões: são saudáveis, culturais, o pessoal do SAL é bem disposto e, muito importante este último aspecto, é barato.
Mas no meio da boa disposição e saudabilidade do passeio, das escorregadelas na lama, dos saltos de poça em poça, das corridas para procurar abrigo ou para acompanhar melhor o resto do grupo, tive um desaire e tenho um adeus em perspectiva, (dois, se contar com a televisão).
As minhas botas maravilha deram o último suspiro e já em casa receberam a extrema-unção sob a forma de lágrimas.
Foram uma prenda de Natal da minha irmã há mais de dez anos. Chegaram-me às mãos e entraram-me nos pés na minha antiga casa do Alentejo, num Natal em que fomos à Missa do Galo e durante a qual o gordo tronco que ficara ao lume resvalou e encheu a casa de fumo. Quando chegámos, depois duma missa onde o padre enumerou todos os anjos e santos do Olimpo cristão, numa lista tão longa como a Linha do Equador o que nos provocou muita gargalhada, sempre reprimida sob o olhar do nosso pai, não se via nada e pensámos que a própria casa estava a arder. Afinal era só fumo. Foi a primeira aventura das botas. Depois sucederam-lhe tantas que são inumeráveis, tantos quilómetros, tantos países, tantos passeios, tantas caminhadas.
Há três ou quatro anos na Jordânia tiveram uma síncope que me fez sangrar os pés: estávamos em Petra com um calor vindo da antiguidade dos Nabateus mas mesmo assim aguentaram, elas e eu; chegadas a Portugal foram directas ao sapateiro que lhes fez uma prótese interna e que durou até ontem. Não vale a pena operar de novo, sei que não aguentarão. Tenho fotografias com elas na Praça Vermelha, na Muralha da China, em Istambul, em Petra, no norte de África, numa Córdova chuvosa mas onde estava de calções e de tranças e onde fiquei com o melhor ar que se possa imaginar, como se as botas fossem mais que um calçado, como se fossem um pedestal. Esta fotografia, onde estou ao lado do pai do Duarte, está em lugar de destaque e o que se destaca são as botas.
Das várias lavagens foram ficando com manchas, algumas das quais nunca saíram. Aguentaram a minha loucura duma semana num barco nos Açores atrás duma baleia de bossa, onde só vinha a terra para dormir e caminhar ainda mais.
Com estas botas calçadas sentia-me em casa estivesse onde estivesse. Eram seguras, confortáveis e de confiança.
Vão ter que ser substituídas mas não serão enterradas. Ficarão como o Lenine ou o Mao, numa espécie de embalsamamento, para que possam ser vistas, não por quem pague depois duma espera numa fila, mas por quem mereça.
Se estas botas falassem poderiam ditar um livro, vários números de revistas de viagens e poderiam rir-se, por exemplo, de quando dormi calçada com elas num tugúrio em Roma cuja porta não fechava ou quando saí do quarto a correr com os atacadores desatados em Dubrovnik porque alguém confundiu uma trovoada seca com um ataque e deram o alarme no Hotel onde eu estava. Já me fizeram de cabeceira também, e que bem que exerceram essa função. Essa e todas.
Agora ficarão como os amantes de Catherine Deneuve em Fome de Viver, para sempre comigo.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
O Ídolo Bradshaw ou a humilhação semanal de Cláudia Vieira
Ser-se um Ídolo não é sinónimo de se ser Bom. Que o diga a pobre da Cláudia Vieira que, para além de ser engraçada de cara e de corpo, deixa tanto a desejar que se ela própria se visse e se ouvisse fugiria a sete pés. Nem ler sabe!
Mas com o facto de não saber ler – nem dizer uma palavra em inglês! – podíamos conviver sem problemas se a televisão, no caso a SIC, não a tivesse ido buscar e a humilhasse todas as semanas ao colocá-la ao lado dum João Manzarra que para além de saber ler, e de falar inglês, é ainda bem disposto e espontâneo, coisas que a Vieirinha já ouviu falar mas não sabe o que são pois ela é mais Zoolander. Ver a Cláudia Vieira e assistir a um daqueles programas em que as pessoas passam vergonhas e se humilham voluntariamente é mais ou menos a mesma coisa.
Do lado dos concorrentes o prémio da parvoíce total é ganho pela suposta prima da Carrie: ter um nome sonante ajuda a passar nas portagens da vida, o pai que já é advogado, o avô dono do banco, o apelido da Carrie de O Sexo e a Cidade.
Mas ter o caminho atapetado pode também ser sinal de atitude apatetada e isso é o que acontece nas sessões de Ídolos onde os concorrentes se chamam Sandra, Carolina, Martim, Adriano e Maria Bradshaw. Aqui até o João Manzarra nos brinda com uma dose de idiotice pois não perdem uma oportunidade de dizer o apelido da rapariga (e de o escreverem) quando os outros são identificados apenas com o nome próprio (mesmo na escrita!).
Porquê? Porque achamos tão giro e nos deleitamos e nos arrastamos e nos rebaixamos e nos humilhamos e nos estupidificamos com o que é estrangeiro? Mas atenção! Não é um estrangeiro qualquer! Porque o concorrente Adriano cujo apelido é Diouf nunca ou raramente é mencionado e porquê? Porque é preto! E apelidos de pretos não são giros, apenas têm graça e são cómicos se for para dizer mal!
Bem sei que as audiências se regem por valores que de Valores nada têm: imagino que a picardia dos elementos do júri seja propositada para vender jornais e revistas enquanto a imbecilidade da Vieira é paga a peso de ouro, Roberta Medina já usou e gastou a palavra carisma sem que alguém lhe desse um dicionário para ela procurar sinónimos e o jovem João é dos poucos elementos que faz a ponte com a normalidade. À excepção dos concorrentes. De alguns.
Mas com o facto de não saber ler – nem dizer uma palavra em inglês! – podíamos conviver sem problemas se a televisão, no caso a SIC, não a tivesse ido buscar e a humilhasse todas as semanas ao colocá-la ao lado dum João Manzarra que para além de saber ler, e de falar inglês, é ainda bem disposto e espontâneo, coisas que a Vieirinha já ouviu falar mas não sabe o que são pois ela é mais Zoolander. Ver a Cláudia Vieira e assistir a um daqueles programas em que as pessoas passam vergonhas e se humilham voluntariamente é mais ou menos a mesma coisa.
Do lado dos concorrentes o prémio da parvoíce total é ganho pela suposta prima da Carrie: ter um nome sonante ajuda a passar nas portagens da vida, o pai que já é advogado, o avô dono do banco, o apelido da Carrie de O Sexo e a Cidade.
Mas ter o caminho atapetado pode também ser sinal de atitude apatetada e isso é o que acontece nas sessões de Ídolos onde os concorrentes se chamam Sandra, Carolina, Martim, Adriano e Maria Bradshaw. Aqui até o João Manzarra nos brinda com uma dose de idiotice pois não perdem uma oportunidade de dizer o apelido da rapariga (e de o escreverem) quando os outros são identificados apenas com o nome próprio (mesmo na escrita!).
Porquê? Porque achamos tão giro e nos deleitamos e nos arrastamos e nos rebaixamos e nos humilhamos e nos estupidificamos com o que é estrangeiro? Mas atenção! Não é um estrangeiro qualquer! Porque o concorrente Adriano cujo apelido é Diouf nunca ou raramente é mencionado e porquê? Porque é preto! E apelidos de pretos não são giros, apenas têm graça e são cómicos se for para dizer mal!
Bem sei que as audiências se regem por valores que de Valores nada têm: imagino que a picardia dos elementos do júri seja propositada para vender jornais e revistas enquanto a imbecilidade da Vieira é paga a peso de ouro, Roberta Medina já usou e gastou a palavra carisma sem que alguém lhe desse um dicionário para ela procurar sinónimos e o jovem João é dos poucos elementos que faz a ponte com a normalidade. À excepção dos concorrentes. De alguns.
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