Não, não é uma receita, são apenas duas palavras usadas por Jorge Coimbra para substituir outras, meias asneirentas, no livro É assim não é, que acabo de ler. Jorge Coimbra é um gozão do caraças, e até devia dizer do ca**lho, porque o livro tem o sotaque do norte, com saca da escola e quarto de banho.
Escrevo e vejo a junção meias asneirentas e foge-me o pensamento para peúgas desbocadas, como se houvesse um PBX na minha cabeça que fez as ligações erradas. Bom, bate certo com o conteúdo do livro, cujo autor tem uma orquestra de... gente, sejamos generosos, a incliná-lo para certos pensamentos, certas musicalidades, certas coisas.
Visivelmente biográfico, o livro transporta-nos para tempos e terras longínquos, sempre com uma grande carga irónica e fazendo-nos frequentemente pensar que é connosco que fala, mera sobranceria nossa - ou não será? - e, num golpe rápido, estamos de volta ao hoje, esse hoje intemporal, e com o eventual pronome possessivo, nosso. O nosso hoje, o hoje de qualquer um de nós, que nos faz a soma de todos os dias que já vivemos, desde a altura em que nos limpavam o rabo até hoje, quando caminhamos para que nos limpem o rabo novamente. Isto se tivermos sorte.
Há toda uma viagem ao passado de há 60 anos, a ontem, ao momento presente, aos dias quentes do pós Abril de 74, ao trabalho invisível e nunca reconhecido da alfabetização - e que a mim me toca imenso, neta de um excepcional homem que aprendeu a ler e escrever em adulto - e essa viagem é feita pelos olhos do protagonista/autor que não se limita a espreitar lá para trás, mas antes segura a nossa mão e leva-nos, menino de escola, contando como foi, num caminho nunca cinzento, até porque muita da narrativa se passa em África, África que era branca e negra, mas nunca África mármore, porque as misturas tinham limites perfeitamente estabelecidos, e desses limites nos fala o livro, de um racismo que não existia pela simples razão que não era praticado por pretos e sim por brancos, logo, estava tudo bem...
Neste exercício de exorcismo com o passado, Jorge Coimbra partilha ocasionalmente a existência de um amor que o arrebatou, mais que a bengala que usa como se já fizesse parte dele, e que mantém. Quando fala da aluna, da jovem que se transformou em mulher, com quem casou, percebe-se um suavizar do toque das teclas que foram usadas para digitar as palavras, como se procurasse advérbios, cuja pronunciação estica o tempo, e faz durar mais o sentimento. Assim, não é com ternura, mas sim ternamente, que refere, sussurrando, os olhos, o cabelo ou a inteligência da mulher em causa. É uma ária de ópera que, a mim, me encanta por conseguir ser tão entoada, espraiando-se nos cinco sentidos.
Adoro provas de amor, adoro...
E se o conteúdo é um mega carrossel entre sítios tão díspares como os canais da cabeça do autor, Moçambique ou o Porto, que nos faz rir, reflectir, arrepender e viver, já o livro em si podia ter sido mais bem cuidado por parte da Chiado Editora.
Não percebo porque é que se continuam a cortar palavras quando temos a possibilidade técnica, ou tecnológica, ou como se queira, de construirmos linhas seguidas, sem tracinhos que dificultam e cortam a leitura, principalmente em casos como ca-
minhos-de-ferro.
Não podiam os caminhos ter seguido juntos? Tiveram que se cortar para multiplicar hífenes... vou deixar uma sugestão, e que tal caminhos tracinho de tracinho ferro? Ou ainda, português tracinho tracinho francês... sim, tracinho tracinho, porque estão lá dois: português--fran-
cês. Ou ainda um desajustado desajus-ta-
damente.
A revisora - na ficha técnica identificada como Margarida Maria - não devia confundir Ah com Ha, devia chapelizar os silêncios, não devia ter deixado passar um ? em lugar de um é, devia ter visto que o lucro da Tourada é aos milhões, devia ter finalizado cada nota de rodapé com o respectivo sinal de ponto final, que devia ter poupado na contracapa que termina inexplicavelmente com um duplo ponto final, ou será com umas reticências mancas?
Por outro lado ainda, nada me impede de ir passear com uma camisa de dormir ou ir ao cinema de fato de mergulho. Nada me impede, mas vou ser alvo de olhares, risinhos e dedos apontados. Acontece o mesmo com a paginação que deixa artigos dependurados, palavras de uma só letra que ali se vê, sozinha, perdida e que nos faz perder a nós ainda mais quando aparece imediatamente a seguir a um ponto final...
Também inexplicavelmente o livro não se encontra à venda. Na Fnac informam que terá que ser encomendado ao editor, com um tempo de espera de uma a duas semanas, e com um preço de 14€, mais caro que na Wook, que com o desconto fica em 12,60€. Ora, uma a duas semanas é o tempo em que me chegam encomendas via Amazon, um pouco de todo o mundo, uma a duas semanas é tempo mais que suficiente para que eu pondere se afinal quero encomendar um livro ou uma estátua, uma a duas semanas é muito tempo, uma a duas semanas é desencorajante, principalmente num livro excelente para levar de férias. Os editores não deviam defender os seus autores...? Não me parece que neste caso isso aconteça.
E merecia, merecia mesmo muito.
Escrevo e vejo a junção meias asneirentas e foge-me o pensamento para peúgas desbocadas, como se houvesse um PBX na minha cabeça que fez as ligações erradas. Bom, bate certo com o conteúdo do livro, cujo autor tem uma orquestra de... gente, sejamos generosos, a incliná-lo para certos pensamentos, certas musicalidades, certas coisas.
Visivelmente biográfico, o livro transporta-nos para tempos e terras longínquos, sempre com uma grande carga irónica e fazendo-nos frequentemente pensar que é connosco que fala, mera sobranceria nossa - ou não será? - e, num golpe rápido, estamos de volta ao hoje, esse hoje intemporal, e com o eventual pronome possessivo, nosso. O nosso hoje, o hoje de qualquer um de nós, que nos faz a soma de todos os dias que já vivemos, desde a altura em que nos limpavam o rabo até hoje, quando caminhamos para que nos limpem o rabo novamente. Isto se tivermos sorte.
Há toda uma viagem ao passado de há 60 anos, a ontem, ao momento presente, aos dias quentes do pós Abril de 74, ao trabalho invisível e nunca reconhecido da alfabetização - e que a mim me toca imenso, neta de um excepcional homem que aprendeu a ler e escrever em adulto - e essa viagem é feita pelos olhos do protagonista/autor que não se limita a espreitar lá para trás, mas antes segura a nossa mão e leva-nos, menino de escola, contando como foi, num caminho nunca cinzento, até porque muita da narrativa se passa em África, África que era branca e negra, mas nunca África mármore, porque as misturas tinham limites perfeitamente estabelecidos, e desses limites nos fala o livro, de um racismo que não existia pela simples razão que não era praticado por pretos e sim por brancos, logo, estava tudo bem...
Neste exercício de exorcismo com o passado, Jorge Coimbra partilha ocasionalmente a existência de um amor que o arrebatou, mais que a bengala que usa como se já fizesse parte dele, e que mantém. Quando fala da aluna, da jovem que se transformou em mulher, com quem casou, percebe-se um suavizar do toque das teclas que foram usadas para digitar as palavras, como se procurasse advérbios, cuja pronunciação estica o tempo, e faz durar mais o sentimento. Assim, não é com ternura, mas sim ternamente, que refere, sussurrando, os olhos, o cabelo ou a inteligência da mulher em causa. É uma ária de ópera que, a mim, me encanta por conseguir ser tão entoada, espraiando-se nos cinco sentidos.
Adoro provas de amor, adoro...
E se o conteúdo é um mega carrossel entre sítios tão díspares como os canais da cabeça do autor, Moçambique ou o Porto, que nos faz rir, reflectir, arrepender e viver, já o livro em si podia ter sido mais bem cuidado por parte da Chiado Editora.
Não percebo porque é que se continuam a cortar palavras quando temos a possibilidade técnica, ou tecnológica, ou como se queira, de construirmos linhas seguidas, sem tracinhos que dificultam e cortam a leitura, principalmente em casos como ca-
minhos-de-ferro.
Não podiam os caminhos ter seguido juntos? Tiveram que se cortar para multiplicar hífenes... vou deixar uma sugestão, e que tal caminhos tracinho de tracinho ferro? Ou ainda, português tracinho tracinho francês... sim, tracinho tracinho, porque estão lá dois: português--fran-
cês. Ou ainda um desajustado desajus-ta-
damente.
A revisora - na ficha técnica identificada como Margarida Maria - não devia confundir Ah com Ha, devia chapelizar os silêncios, não devia ter deixado passar um ? em lugar de um é, devia ter visto que o lucro da Tourada é aos milhões, devia ter finalizado cada nota de rodapé com o respectivo sinal de ponto final, que devia ter poupado na contracapa que termina inexplicavelmente com um duplo ponto final, ou será com umas reticências mancas?
Por outro lado ainda, nada me impede de ir passear com uma camisa de dormir ou ir ao cinema de fato de mergulho. Nada me impede, mas vou ser alvo de olhares, risinhos e dedos apontados. Acontece o mesmo com a paginação que deixa artigos dependurados, palavras de uma só letra que ali se vê, sozinha, perdida e que nos faz perder a nós ainda mais quando aparece imediatamente a seguir a um ponto final...
Também inexplicavelmente o livro não se encontra à venda. Na Fnac informam que terá que ser encomendado ao editor, com um tempo de espera de uma a duas semanas, e com um preço de 14€, mais caro que na Wook, que com o desconto fica em 12,60€. Ora, uma a duas semanas é o tempo em que me chegam encomendas via Amazon, um pouco de todo o mundo, uma a duas semanas é tempo mais que suficiente para que eu pondere se afinal quero encomendar um livro ou uma estátua, uma a duas semanas é muito tempo, uma a duas semanas é desencorajante, principalmente num livro excelente para levar de férias. Os editores não deviam defender os seus autores...? Não me parece que neste caso isso aconteça.
E merecia, merecia mesmo muito.