A rapidez, a novidade, o imediatismo e a
instantaneidade são características da sociedade actual. Tem tudo que ser para
ontem. As teclas acelaram-nos a vida no telemóvel, no computador e em todo o
tipo de equipamento ou gadget, às
centenas, e que diariamente são substituídos por outros mais rápidos, lá está,
com mais memória, com mais não sei o quê.
A televisão que não esperava por nós e nos obrigava
a ir a correr para vermos determinado programa parece ser coisa da Idade da
Pedra, agora gravamos tudo, várias coisas em simultâneo, paramos a emissão – nós!,
nós paramos a emissão, o poder que isto dá é inacreditável! – andamos para trás
no tempo sendo-nos permitido ver o que já deu, mediante o carregar numa ou
noutra tecla.
Porém, os conteúdos não acompanham esta
actualidade: em dois ou três dias de verificação em vários canais dou com a
Ellen DeGeneres a fazer um programa especial para o Dia da Mãe, o Conan O’Brien
espanta-se com um convidado que vai falar do Bosão de Higgs, a Guerra dos
Tronos (Game of Thrones), Segurança Nacional (Homeland), o Sexo e a Cidade
repetem e repetem e repetem, o Dexter mata quem já matou e quase conseguimos
diagnosticar doenças raras de ver tanta vez o Dr. House. E não estou a falar da
Tv Memória, como lhe chama o meu pai, (que também diz TotoMilhões, que é muito
engraçado e consubstancia um dois em um).
Na programação infantil passa-se o mesmo: vejo os
meus sobrinhos a saberem o que se vai passar porque estão a rever.
Assim, para além das gravações múltiplas, do andar
para trás vários dias na programação, das repetições no próprio dia para diferentes
gamas de tele-espectadores, os próprios canais ainda repetem – várias vezes –
os programas como se quisessem antecipar os nossos desejos ou frustrações por não
termos podido ver certa coisa, por nos termos esquecido de gravar, por não
sabermos andar para trás no tempo. Frase estranha esta…
Bem sei que os direitos não se compram com feijões,
mas enjoa um bocado. Que me perdoem o V. e a I. sempre atentos à dinâmica política
e económica, mas eu vou vendo filmes, muitos deles dez e mais vezes, muitas
vezes só uma deixa, uma fala, um beijo, uma paisagem.
Durante anos – no tempo dos vídeos que, para o
Duarte por exemplo, é quando as galinhas tinham dentes – a Margarida emprestava
uma cassete muito especial às amigas, cassete essa que rodava de mãos pois era
preciso partilhar e aquilo tinha dado uma trabalheira a fazer: eram só beijos
de cinema, uns a seguir aos outros, de filmes muito diferentes onde não havia
nacionalidades porque o beijo é universal, assim como o olhar que o antecede.
Eram beijos franceses, beijos roubados, beijos
pregados – o do Richard Gere na Julia Ormond em O Último Cavaleiro era desta categoria e sublime!, beijos
desesperados, beijos de despedida, beijos de reencontro, beijos longos, beijos
rápidos, beijos quentes, beijos ociosos. Uma pessoa derretia-se a ver a cassete
e, como se não a tivéssemos já visto dezenas de vezes, quando lha entregava fazíamos
uma sessão imediata em casa dela, eu já cheia de pena de me separar de tanto
amor. Era lindo, tanto suspiro junto, e por muitos namorados que tivessem
passado pelo sofá da Margarida, todos juntos não suspiraram tanto como nós a
ver a cassete dos beijos. Os Cd’s e os DVS’s vieram dar cabo do amor e quando
os leitores de vídeo se reformaram nunca mais sonhámos como naquela altura.
A cassete fazia de nós dependentes da televisão mas
apenas como meio para chegar aos beijos. Apesar de gostar de uma ou outra série
que passa actualmente – confesso que não me importo nada, antes pelo contrário,
de (re)ver O Sexo e a Cidade – o filme da minha vida nunca foi transposto
tecnologicamente, não se lhe pode aceder, penso que se perdeu, tendo apenas ficado
o rasto na nossa memória.
Isto era televisão... era repetido mil vezes, os filmes estavam todos misturados, a montagem era péssima, mas isso que interessava? O conteúdo fazia-nos flutuar, voar, sentir e sonhar.