quarta-feira, 23 de abril de 2014

O cão e o corvo

Alexandre O'Neill deu-nos um Cão. É em forma de poema, mas é um Cão, o chamado melhor amigo do homem, às vezes tão amigo que se confunde com ele.
Um dos trabalhos de casa das férias do meu sobrinho mais velho é refazer o poema, com outro animal. 
Quinta-feira de Páscoa não trabalho de tarde e, à porta do Arquivo Histórico Militar onde esperamos que batam as duas da tarde para entrar, dou a minha contribuição para o poema, escolhendo o animal: o Corvo. 
O resto é dele. Rói-te O'Neill.

Corvo negro, Corvo preto
Corvo escuro como breu
Planador, andarilho
Corvo torto, Corvo morto,
Corvo de penas prateadas
Corvo veloz como o vento
De bico sempre presente
Corvo necrófago, Corvo espião
Corvo capitalista, mentiroso, aproveitador
A desfazer-se num grito
A refazer-se num piu.
Corvo ave, Corvo aqui
Corvo além e sempre Corvo.
Corvo sinal, símbolo de Lisboa
Corvo a debicar a presa
Presente em cada esquina
Corvo indiferente a cada dia.
Corvo elegante, o da Sofia.
Corvo de loiça de crá-crá apagado.
Corvo na mira da escorva
Vítima do caçador
Corvo, vigilante da noite.
Corvo nocturno, Corvo soturno
Corvo discreto, Corvo ausente, Corvo sombrio
Corvo de olhos que afectam
Corvo-feiticeiro
Sai depressa, ó Corvo, deste paradeiro.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Guardadores de papel

Pediram-me que reorganizasse os arquivos da instituição onde trabalho. Respirei fundo e entreguei-me à tarefa, mais uma no meio de tantas outras.
As posturas sobre o assunto vão do oito ao oitenta, com pessoas que percebem a importância dos arquivos e outros que estão prontos a eliminar tudo o que não foi produzido por si, passando por outros que guardam tudo, tudo, tudo.
Com os primeiros lida-se bem, com os últimos não há perigo, mas com quem assina a sua falta de profissionalismo com a indiferença sobre a documentação afecta ao seu serviço, é um problema.
Estas pessoas não têm noção do conjunto, da empresa como entidade que se prolonga no tempo, que vem do passado e que se quer projectar no futuro, não sabem o que é pertencer.
Por ser lado, os guardadores de papéis sentem-se seguros rodeados por dossiers e papelada. Como é que uma coisa tão frágil nos pode dar tanta segurança? E se os computadores falham? Perguntam-me com frequência, demonstrando uma falta de confiança nas máquinas que, em simultâneo e paradoxalmente, nos dominam e controlam.
Desde os tempos antigos, não da Grécia mas de quando eu trabalhava no arquivo em Almada, que vejo pastas identificadas com Diversos ou Vários e quando inquiro sobre o seu conteúdo a resposta é sempre a mesma: Não sei bem... Aberta a pastinha nascem papéis de todas as nações e o destino em noventa e nove por cento dos casos, é lixo, acompanhado da expressão, Não sei para que guardei isto

Que confusão!

Entro em casa e tenho um burro e uma vaca no meio da sala.
As flores que costumam estar à entrada, decoram o alto de um móvel e um par de sapatos e meio, de Verão, estão alinhados a meio da minha cama.
Há uma toalha pendurada na maçaneta da porta da cozinha e um pano da loiça descansa em cima do braço do sofá.
Num primeiro instante, nem largo a mala nem o casaco, algo no meu inconsciente me avisa que talvez o decorador ainda esteja dentro de casa. Depois lembro-me que os meus pais estiveram cá com o meu sobrinho mais novo.
O gaiato descobriu as peças do presépio e deixou-as à solta, descobriu o saco com sapatos e decidiu dar-lhes uso mesmo que o tempo ainda não convide e um telefonema de última hora avisou-os de chegada de visitas a sua casa, de modo que abalaram e deixaram tudo às três pancadas.
Ajudada por um gin ao fim da tarde, em homenagem à filha de uma amiga que conseguiu um super trabalho pago condignamente, fartei-me de rir ao telefone enquanto a minha mãe pedia desculpa pela desordem com que sairam.
Certifiquei-me que ele levara os animais da quinta em chocolate que eu lhe deixara na cozinha e acabei a noite a arrumar, mas bem disposta.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Horários de expediente

É horrível os horários de expediente serem todos iguais! A minha biblioteca, e outras, está aberta ao almoço e parte da noite, com horários adequados ao público utilizador. Porque não fazem o mesmo os serviços públicos?
Ando numa roda viva a tentar consultar arquivos que fecham duas horas no período do almoço, encerram às cinco da tarde e abrem às nove e meia, dez e, o horário mais estranho, às nove e quarenta da manhã.
Pior ainda, não tarda mudam para os horários de Verão: os raros que abrem ao sábado de manhã, encerram nesses dias, o horário de fecho ao fim do dia, antecipa-se.
Imagino que sejam todos pessoas com grande actividade familiar, muito calmas, sem stress e imenso tempo livre. Que bom para elas e que mau para mim, e não só.
Os arquivos são só para ociosos? Quem trabalha não pode concomitantemente estudar e pesquisar?
Não.