quarta-feira, 26 de junho de 2013
O pedido de casamento
Terminado o 12º ano candidatei-me à Universidade e fiquei logo colocada. Nos Açores...
O meu pai estava numa situação muito difícil, trabalhando mas sem receber há vários meses, e a nossa vida era tudo menos fácil. Porém, tudo foi feito para que eu conseguisse, da parte dos meus pais e dos avós maternos, o avô Gualdino a deixar escapar umas lágrimas teimosas, mas quem é que manda aqui?
Eu, com 17 anos, já me via numa ilha no meio do oceano, onde nunca tinha ido, e que me parecia uma mistura da mítica Atlântida com ecos de um tal Woodstock, fosse isto o que fosse. Mas e o dinheiro? Viagens e estadias e almoços e jantares e livros e fotocópias e tanta coisa a pagar e nós sem cheta.
Foi preciso garantir a inscrição para não perder dois anos sem me candidatar novamente. O meu avô queria que eu fosse, eu queria ir, mas percebia que era impossível.
Assim, informei-me e fiquei a saber que era preciso passar uma procuração a alguém que iria à universidade inscrever-se em meu nome e pagar as propinas. Eu faltaria às aulas mas no ano seguinte podia candidatar-me de novo, tendo assim muito tempo para rezar por um lugar no continente.
Então e onde se fazem as procurações? Nesta altura eu já sabia o que eram mas não sabia onde se faziam. Ouvira falar delas a propósito das casamentos das minhas tias cujos maridos estavam em África e para mim, inicialmente, os casamentos eram por coração, evidentemente, pois era óbvio, casamento, amor, amor, coração, estava tudo explicado!
Fui de imediato a um notário e quando entreguei a identificação disseram-me que não a podia fazer por ser menor. Teve que ser o meu pai a fazê-la, em nome de um colega do nosso vizinho do lado - os nossos conhecimentos dos Açores eram só geográficos - com os tempos próprios da altura: fazer procuração, enviá-la por correio, ser recebida, ir à Universidade, enviar os papéis para nós, enfim, uma grande trabalheira, mas que se fez. O colega do vizinho, que nunca conhecemos, recebeu uns garrafões de azeite feito pelo meu avô e uns chouriços alentejanos, pois nós dificilmente pagámos os selos da carta.
O tempo corria e o início das aulas aproximava-se trazendo uma enorme tristeza que voava para cima dos meus ombros.
Um dia fui à faculdade fazer companhia a amigos e vi a parede da Reitoria cheia de papéis colados das mais diferentes formas. Eram mensagens deixadas por quem tinha ficado em Coimbra ou no Porto e queria vir para Lisboa e vice versa. Li-os ansiosa mas ninguém viera dos Açores pregar um papelucho para deixar a capital. Ainda assim, pensei que não tinha nada a perder e deixei lá o meu próprio papel: S. Miguel troca com Lisboa.
Dois ou três dias depois recebi no nosso belo telefone preto de disco um telefonema de um estrangeiro qualquer. Era obviamente engano. O estrangeiro voltou a ligar e no meio da estrangeirada disse qualquer coisa que soou ao meu nome. Já pronta a desligar, apurei o ouvido e sim, era mesmo verdade, o alemão ou lá o que era, disse mesmo o meu nome assim como outras palavras soltas em português: universidade, Açores, quero, Peixoto.
Estando eu tão calada de telefone ao ouvido o meu pai quis saber quem era e eu passei-lhe o telefone. Não é que o meu pai falasse outra língua além do português mas, vá lá saber-se como, entendeu: era alguém que tinha ficado em Lisboa e queria ir para S. Miguel!
Ao telefone estava o próprio, a ligar de um hotel no centro de Lisboa, passou a chamada à mãe, que continuou a conversa com o meu pai e hora e meia depois estávamos os quatro sentados no átrio do hotel, sorridentes e a combinar a transferência recíproca.
À excepção de um único apelido, o nome do rapaz era igual ao do Bocage, coisa que o meu pai fez imediatamente saber e que me levou a decorá-lo até hoje, apesar de ter ficado para sempre o Manel dos Açores.
A mãe do Manel dos Açores disse que ele ficaria instalado no hotel até tudo estar resolvido mas o meu pai, num excesso de boa vontade, disse que não, nem pensar, ele ficará lá em casa, seguido de um olhar que me silenciava, pois as perguntas já me saltavam da garganta: onde? Nós éramos cinco e os almoços eram aguados, não passávamos fome mas tudo era racionado.
Como foi dada a ordem para não se falar mais nisso, o Manel mudou-se lá para casa de armas e bagagens, tendo ficado no quarto da minha irmã que se juntou a mim e à N. A ideia era irmos ambos às aulas enquanto tudo não estivesse resolvido, altura em que ele iria para os Açores mas com a matéria debaixo do braço. A mim bastava-me continuar.
Nos primeiros dias fomos juntos mas ele começou a preguiçar e eu comecei a ir sozinha e a responder - e a explicar - porque dava pelo nome de Manuel Maria Barbosa Peixoto.
Eram risos só superados por um colega que se chamava Jesus Roque e a quem os amigos teimavam em interromper as aulas, metendo a cabeça pela porta e perguntando aos professores se podiam falar com o menino Jesus...
O Manel dos Açores vivia melhor que nós e não tardou a fartar-se dos almoços que a minha mãe deixava. Um dia levantou-se e torcendo o nariz ao espreitar a panela perguntou-me se não queria ir comer arroz de marisco. Eu nunca comera arroz de marisco na minha vida e noutra altura teria aceite a correr, mas disse imediatamente que não, que o meu almoço estava ali. Porém, fui convencida a fazer-lhe companhia e, já almoçada, fui com ele a um restaurante onde o vi comer um pouco de tudo o que havia na secção de mariscos, com vinho branco que também não provei. A vontade era enorme e fez-me implicar com ele as duas horas que ali estivemos. Naquele momento odiava-o e odiava-me a mim: por ter comido o guisado aguado, por não dar o braço a torcer, por o achar um ingrato. Ainda por cima ele era daquelas pessoas que mastigam cem vezes cada garfada e eu sorvia a comida, o que só serviu para embirrar ainda mais com ele, lento, pastelão, molenga.
Eu escondia dos meus pais estas atitudes dele, pensando que iam ficar magoados, e eles pagavam ao Manel em passeios a qualquer lugar onde ele quisesse ir, apesar dos fracos cobres com que vivíamos. Valia o facto de o meu pai ter poucas folgas, sempre a trabalhar em dois empregos, a nossa salvação, eu era menor não tinha carta de condução, logo só saíamos mesmo em dia de festa. Um destes dias o Manel disse que nunca fora ao Cristo-Rei. Ai não? Logo ali se organizou a excursão, os meus pais, nós as três e o namorado da N., ao todo sete pessoas no Ford Kadett encarnado comido pelo sol. Chegados aos pés do Cristo, ele subiu, com a N. e o namorado, que lhe pagou o bilhete. Nós manifestámos o nosso velho conhecimento do monumento e deixámo-nos ficar encostados ao carro.
Vistas as vistas, desceram e, passando Almada, o Manel viu uma placa a dizer Costa da Caparica, ficou eufórico com a proximidade e disse ter lá um grande amigo. O meu pai rumou então à Costa e, à entrada, já nas Terras da Costa, perguntou onde morava esse grande amigo. A resposta provocou um silêncio seguido de uma gargalhada geral:
- A morada não sei, mas ele tem uma mota encarnada, não deve ser difícil de encontrar.
O meu pai abrandou, parou o carro, virou-se para trás para o amontado de nós e perguntou-lhe se ele tinha ideia de quantas motas encarnadas existiam na Costa, se ele tinha noção do tamanho da vila, se alguma vez lá fora. Três nãos.
Virou-se para a frente e foi conduzindo devagar, Oh Manel, isto nem parece seu. Mostrámos-lhe o mar e regressámos a casa, cheios de rugas na roupa, a N. bem apertadinha junto do seu A., a minha irmã no banco da frente ao colo da minha mãe e eu de trombas ao lado do palerma do Manel.
A estadia do Manel na nossa casa durou quase três meses, com esporádicas idas à Universidade e muitas discussões pois ele estava sempre pronto para sair e eu também, mas não tinha dinheiro para o acompanhar e não aceitava nada dele.
A N. um dia convenceu-o que sabia cortar cabelo e ele deixou que ela o pusesse com um ar muito avant garde, ou pelo menos foi isso que lhe dissemos, jurando que a moda em Lisboa era exactamente aquela.
Tirando a questão do dinheiro que para os meus lados era leve que nem uma pluma, até nos entendíamos e, talvez por isso, depois do adeus e do regresso aos Açores, poucas semanas depois ele voltou a Lisboa, foi visitar-nos e perguntou-me se queria casar com ele. Disse que não tencionava ficar em S. Miguel, que o Canadá o esperava, terra de grandes oportunidades, onde tinha amigos ou família, já não me lembro.
Um ano antes, durante o 12º ano, assistira ao casamento de uma colega de turma que para mim funcionara como uma coisa quântica, tão abstracta que eu não conseguia entender. O Canadá, as oportunidades, o ir embora, era tudo fantástico mas, tal como numa equação, havia um elemento que eu desconhecia, que me causava profunda estranheza, que não encaixava: casamento.
Ele insurgiu-se, afirmou não estar a brincar e eu ouvia um homem falar pensando que alguém o trocara no caminho porque quem se tinha ido embora era um rapaz na medida em que eu era uma rapariga, e essa coisa de casar era para velhos, não para rapazes e raparigas, a não ser que fossem loucos ou, como no caso da Adelaide, que a sogra fosse psicótica e insistisse no casamento imediato alegando ter visões que lhe diziam que o filho morreria em breve e se não casasse já, ela nunca teria netos.
Canadá, sim. Oportunidades, sim, também. Casar, não.
O Manel dos Açores foi embora, solteiro, e nunca mais o vi, nem nada soube dele. Comecei a namorar com outro Manel, continental, com quem casei e tive um filho. A N. casou com o meu queridíssimo A., e assim se mantém, com dois filhos maravilhosos, cuja amizade prezo imenso.
Há dois ou três anos um antigo colega do liceu conseguiu localizar a turma inteira e organizou-se um jantar no qual adorei ter participado: uns gordos, outros magros, outros parvos iguais ao que eram, uma camaradagem que não adivinhei manter-se depois de tantos anos. Pusemos a escrita em dia com as novas moradas, com os filhos, com os estados civis de casados e divorciados, com uma excepção: a Adelaide era viúva pois o marido morrera tal e qual como a sogra sempre previra.
O meu pai estava numa situação muito difícil, trabalhando mas sem receber há vários meses, e a nossa vida era tudo menos fácil. Porém, tudo foi feito para que eu conseguisse, da parte dos meus pais e dos avós maternos, o avô Gualdino a deixar escapar umas lágrimas teimosas, mas quem é que manda aqui?
Eu, com 17 anos, já me via numa ilha no meio do oceano, onde nunca tinha ido, e que me parecia uma mistura da mítica Atlântida com ecos de um tal Woodstock, fosse isto o que fosse. Mas e o dinheiro? Viagens e estadias e almoços e jantares e livros e fotocópias e tanta coisa a pagar e nós sem cheta.
Foi preciso garantir a inscrição para não perder dois anos sem me candidatar novamente. O meu avô queria que eu fosse, eu queria ir, mas percebia que era impossível.
Assim, informei-me e fiquei a saber que era preciso passar uma procuração a alguém que iria à universidade inscrever-se em meu nome e pagar as propinas. Eu faltaria às aulas mas no ano seguinte podia candidatar-me de novo, tendo assim muito tempo para rezar por um lugar no continente.
Então e onde se fazem as procurações? Nesta altura eu já sabia o que eram mas não sabia onde se faziam. Ouvira falar delas a propósito das casamentos das minhas tias cujos maridos estavam em África e para mim, inicialmente, os casamentos eram por coração, evidentemente, pois era óbvio, casamento, amor, amor, coração, estava tudo explicado!
Fui de imediato a um notário e quando entreguei a identificação disseram-me que não a podia fazer por ser menor. Teve que ser o meu pai a fazê-la, em nome de um colega do nosso vizinho do lado - os nossos conhecimentos dos Açores eram só geográficos - com os tempos próprios da altura: fazer procuração, enviá-la por correio, ser recebida, ir à Universidade, enviar os papéis para nós, enfim, uma grande trabalheira, mas que se fez. O colega do vizinho, que nunca conhecemos, recebeu uns garrafões de azeite feito pelo meu avô e uns chouriços alentejanos, pois nós dificilmente pagámos os selos da carta.
O tempo corria e o início das aulas aproximava-se trazendo uma enorme tristeza que voava para cima dos meus ombros.
Um dia fui à faculdade fazer companhia a amigos e vi a parede da Reitoria cheia de papéis colados das mais diferentes formas. Eram mensagens deixadas por quem tinha ficado em Coimbra ou no Porto e queria vir para Lisboa e vice versa. Li-os ansiosa mas ninguém viera dos Açores pregar um papelucho para deixar a capital. Ainda assim, pensei que não tinha nada a perder e deixei lá o meu próprio papel: S. Miguel troca com Lisboa.
Dois ou três dias depois recebi no nosso belo telefone preto de disco um telefonema de um estrangeiro qualquer. Era obviamente engano. O estrangeiro voltou a ligar e no meio da estrangeirada disse qualquer coisa que soou ao meu nome. Já pronta a desligar, apurei o ouvido e sim, era mesmo verdade, o alemão ou lá o que era, disse mesmo o meu nome assim como outras palavras soltas em português: universidade, Açores, quero, Peixoto.
Estando eu tão calada de telefone ao ouvido o meu pai quis saber quem era e eu passei-lhe o telefone. Não é que o meu pai falasse outra língua além do português mas, vá lá saber-se como, entendeu: era alguém que tinha ficado em Lisboa e queria ir para S. Miguel!
Ao telefone estava o próprio, a ligar de um hotel no centro de Lisboa, passou a chamada à mãe, que continuou a conversa com o meu pai e hora e meia depois estávamos os quatro sentados no átrio do hotel, sorridentes e a combinar a transferência recíproca.
À excepção de um único apelido, o nome do rapaz era igual ao do Bocage, coisa que o meu pai fez imediatamente saber e que me levou a decorá-lo até hoje, apesar de ter ficado para sempre o Manel dos Açores.
A mãe do Manel dos Açores disse que ele ficaria instalado no hotel até tudo estar resolvido mas o meu pai, num excesso de boa vontade, disse que não, nem pensar, ele ficará lá em casa, seguido de um olhar que me silenciava, pois as perguntas já me saltavam da garganta: onde? Nós éramos cinco e os almoços eram aguados, não passávamos fome mas tudo era racionado.
Como foi dada a ordem para não se falar mais nisso, o Manel mudou-se lá para casa de armas e bagagens, tendo ficado no quarto da minha irmã que se juntou a mim e à N. A ideia era irmos ambos às aulas enquanto tudo não estivesse resolvido, altura em que ele iria para os Açores mas com a matéria debaixo do braço. A mim bastava-me continuar.
Nos primeiros dias fomos juntos mas ele começou a preguiçar e eu comecei a ir sozinha e a responder - e a explicar - porque dava pelo nome de Manuel Maria Barbosa Peixoto.
Eram risos só superados por um colega que se chamava Jesus Roque e a quem os amigos teimavam em interromper as aulas, metendo a cabeça pela porta e perguntando aos professores se podiam falar com o menino Jesus...
O Manel dos Açores vivia melhor que nós e não tardou a fartar-se dos almoços que a minha mãe deixava. Um dia levantou-se e torcendo o nariz ao espreitar a panela perguntou-me se não queria ir comer arroz de marisco. Eu nunca comera arroz de marisco na minha vida e noutra altura teria aceite a correr, mas disse imediatamente que não, que o meu almoço estava ali. Porém, fui convencida a fazer-lhe companhia e, já almoçada, fui com ele a um restaurante onde o vi comer um pouco de tudo o que havia na secção de mariscos, com vinho branco que também não provei. A vontade era enorme e fez-me implicar com ele as duas horas que ali estivemos. Naquele momento odiava-o e odiava-me a mim: por ter comido o guisado aguado, por não dar o braço a torcer, por o achar um ingrato. Ainda por cima ele era daquelas pessoas que mastigam cem vezes cada garfada e eu sorvia a comida, o que só serviu para embirrar ainda mais com ele, lento, pastelão, molenga.
Eu escondia dos meus pais estas atitudes dele, pensando que iam ficar magoados, e eles pagavam ao Manel em passeios a qualquer lugar onde ele quisesse ir, apesar dos fracos cobres com que vivíamos. Valia o facto de o meu pai ter poucas folgas, sempre a trabalhar em dois empregos, a nossa salvação, eu era menor não tinha carta de condução, logo só saíamos mesmo em dia de festa. Um destes dias o Manel disse que nunca fora ao Cristo-Rei. Ai não? Logo ali se organizou a excursão, os meus pais, nós as três e o namorado da N., ao todo sete pessoas no Ford Kadett encarnado comido pelo sol. Chegados aos pés do Cristo, ele subiu, com a N. e o namorado, que lhe pagou o bilhete. Nós manifestámos o nosso velho conhecimento do monumento e deixámo-nos ficar encostados ao carro.
Vistas as vistas, desceram e, passando Almada, o Manel viu uma placa a dizer Costa da Caparica, ficou eufórico com a proximidade e disse ter lá um grande amigo. O meu pai rumou então à Costa e, à entrada, já nas Terras da Costa, perguntou onde morava esse grande amigo. A resposta provocou um silêncio seguido de uma gargalhada geral:
- A morada não sei, mas ele tem uma mota encarnada, não deve ser difícil de encontrar.
O meu pai abrandou, parou o carro, virou-se para trás para o amontado de nós e perguntou-lhe se ele tinha ideia de quantas motas encarnadas existiam na Costa, se ele tinha noção do tamanho da vila, se alguma vez lá fora. Três nãos.
Virou-se para a frente e foi conduzindo devagar, Oh Manel, isto nem parece seu. Mostrámos-lhe o mar e regressámos a casa, cheios de rugas na roupa, a N. bem apertadinha junto do seu A., a minha irmã no banco da frente ao colo da minha mãe e eu de trombas ao lado do palerma do Manel.
A estadia do Manel na nossa casa durou quase três meses, com esporádicas idas à Universidade e muitas discussões pois ele estava sempre pronto para sair e eu também, mas não tinha dinheiro para o acompanhar e não aceitava nada dele.
A N. um dia convenceu-o que sabia cortar cabelo e ele deixou que ela o pusesse com um ar muito avant garde, ou pelo menos foi isso que lhe dissemos, jurando que a moda em Lisboa era exactamente aquela.
Tirando a questão do dinheiro que para os meus lados era leve que nem uma pluma, até nos entendíamos e, talvez por isso, depois do adeus e do regresso aos Açores, poucas semanas depois ele voltou a Lisboa, foi visitar-nos e perguntou-me se queria casar com ele. Disse que não tencionava ficar em S. Miguel, que o Canadá o esperava, terra de grandes oportunidades, onde tinha amigos ou família, já não me lembro.
Um ano antes, durante o 12º ano, assistira ao casamento de uma colega de turma que para mim funcionara como uma coisa quântica, tão abstracta que eu não conseguia entender. O Canadá, as oportunidades, o ir embora, era tudo fantástico mas, tal como numa equação, havia um elemento que eu desconhecia, que me causava profunda estranheza, que não encaixava: casamento.
Ele insurgiu-se, afirmou não estar a brincar e eu ouvia um homem falar pensando que alguém o trocara no caminho porque quem se tinha ido embora era um rapaz na medida em que eu era uma rapariga, e essa coisa de casar era para velhos, não para rapazes e raparigas, a não ser que fossem loucos ou, como no caso da Adelaide, que a sogra fosse psicótica e insistisse no casamento imediato alegando ter visões que lhe diziam que o filho morreria em breve e se não casasse já, ela nunca teria netos.
Canadá, sim. Oportunidades, sim, também. Casar, não.
O Manel dos Açores foi embora, solteiro, e nunca mais o vi, nem nada soube dele. Comecei a namorar com outro Manel, continental, com quem casei e tive um filho. A N. casou com o meu queridíssimo A., e assim se mantém, com dois filhos maravilhosos, cuja amizade prezo imenso.
Há dois ou três anos um antigo colega do liceu conseguiu localizar a turma inteira e organizou-se um jantar no qual adorei ter participado: uns gordos, outros magros, outros parvos iguais ao que eram, uma camaradagem que não adivinhei manter-se depois de tantos anos. Pusemos a escrita em dia com as novas moradas, com os filhos, com os estados civis de casados e divorciados, com uma excepção: a Adelaide era viúva pois o marido morrera tal e qual como a sogra sempre previra.
terça-feira, 25 de junho de 2013
Misfit moms
Ontem vi o mais violento programa de televisão a que já assisti. Três adolescentes grávidas são acompanhadas por uma instituição que as acolhe durante a gravidez, gravidez essa que termina em adopção.
Duas delas já eram mães e a terceira engravidara quando se prostituía para arranjar dinheiro para a droga.
As três mostravam características opostas, uma reservada, outra dando uma certa abertura e outra ainda cujo comportamento denotava uma falha, se não mesmo um abismo. Não prescindia de fumar e de beber tequila, era cleptomaníaca e arranjava problemas com a polícia.
A passos mais ou menos largos decorrem nove meses com visitas ao médico, rotinas diárias, jantares e compras (e roubos). De permeio a instituição distribui às adolescentes perfis de casais que querem adoptar, perfis esses - dossiers com texto e fotografias - que elas analisam para escolherem quem vão ser os pais dos seus filhos. Assim, boas fotografias, pouco texto, mas conciso, e muita cor, são elementos decisivos num processo de adopção, onde a última palavra é dada pela mãe, num processo que me pareceu perverso.
Todo o percurso é uma montra de horrores.
Uma das miúdas grávidas, já mãe de uma criança com ano e meio, tinha de seu quatro malas: duas com pertences dela própria e duas com coisas da filha. O horror de ter que dar o filho ia crescendo ao longo das filmagens tendo sido a que demorou mais a assinar os papéis. No Estado em questão a documentação só pode ser assinada vinte e quatro horas depois do nascimento para que a mãe tenha a certeza (?) que quer seguir esse caminho.
A instituição marca encontros com casais ansiosos por serem pais que se deslocam dos quatro cantos dos Estados Unidos da América para conseguirem o seu bebé, bebé esse que tem mais hipóteses de lhe ser atribuído se a sua candidatura tiver agradado à grávida. Foram postos de lado casais com argumentos do tipo: vivem numa quinta; têm ar de agricultores; já têm filhos; não inspiram confiança; tem uma cara esquisita.
A montra de horrores mostrava também a ansiedade dos pais adoptantes, alguns dos quais já conheciam aquele percurso e nunca sabiam quando a grávida ia voltar atrás. Pode também acontecer o casal encontrar-se com a grávida, esta ir pensar e quando dá a resposta eles já optaram por outra criança, como quem escolhe outra universidade.
As grávidas são acompanhadas por um médico que lhes dá indicações apenas e só sobre a gravidez, não sobre a criança, pois sabe o seu destino, como se fossem conversas que ficam a meio, onde os cuidados têm fim e não são para sempre.
Os partos são filmados e na sala de partos está a mãe, o médico, um elemento da entidade acolhedora, os futuros pais (que podem não chegar a ser e cujas vinte e quatro horas seguintes são traumatizantes e inesquecíveis) e a equipa de filmagem.
Ao ritmo dos gritos e dos gemidos da parturiente a eventual futura mãe aperta a mão do eventual futuro pai e choram ambos.
Em paralelo com esta dinâmica dos infernos há um processo administrativo que contempla três vertentes possíveis: adopção aberta, fechada ou semi-aberta. A adopção aberta é aquela onde a mãe verdadeira continua a fazer parte da vida do filho, vê-o periodicamente, o casal adoptante compromete-se a dizer mais tarde à criança que a mãe foi muito corajosa e a falar sempre bem dela. A semi-berta prevê o envio de fotografias nos aniversários, Natal e momentos especiais e a fechada supõe um afastamento para sempre.
Uma das adolescentes exigiu que a criança nunca soubesse que era adoptada o que chocou os futuros pais que, não obstante, concordaram.
Em conclusão, vi todos aqueles dramas, verdadeiramente chocantes, e questionei-me sobre a polémica da adopção de crianças por casais homossexuais que, dizem alguns, são prejudiciais ao crescimento e boa formação das crianças e jovens. Face ao que vi, pergunto, serão? Confesso que não me parece.
A tristeza das crianças que ali deram à luz outras crianças, que acredito ser verdadeira e profunda, esconderia muita coisa que não foi transmitida, não digo que sejam más mães, não julgo - embora considere o processo em si um coisa arrepiante e não lhes veja capacidade de decisão, mas é só uma opinião. As crianças criadas em regimes abertos ou semi-abertos terão um crescimento e uma formação saudável? Afinal, quais destes são os meus pais, porque fui dado, serei um objecto, serei um cão ou um gato?
Concordo a duzentos por cento que a adopção é um caminho para muitas pessoas e, não tivesse encontrado oposição no meu marido, na altura teríamos adoptado uma criança, já depois do nosso filho nascer. A mesma percentagem vai para todas as mães que, não tendo condições ou não querem os filhos, recorrem à adopção, mas as crianças devem ser entregues a quem as queira, para lá da opção sexual.
Quando uma das miúdas dizia que um casal tinha ar de campónio e por isso não os queria para pais da sua filha, podia estar a dizer que o casal tinha ar de gay. Havendo alguém que quer amar uma criança devemos impedi-la? Havendo alguém que quer assumir uma parte da responsabilidade do património universal que são as crianças devemos proibi-lo?
Duas delas já eram mães e a terceira engravidara quando se prostituía para arranjar dinheiro para a droga.
As três mostravam características opostas, uma reservada, outra dando uma certa abertura e outra ainda cujo comportamento denotava uma falha, se não mesmo um abismo. Não prescindia de fumar e de beber tequila, era cleptomaníaca e arranjava problemas com a polícia.
A passos mais ou menos largos decorrem nove meses com visitas ao médico, rotinas diárias, jantares e compras (e roubos). De permeio a instituição distribui às adolescentes perfis de casais que querem adoptar, perfis esses - dossiers com texto e fotografias - que elas analisam para escolherem quem vão ser os pais dos seus filhos. Assim, boas fotografias, pouco texto, mas conciso, e muita cor, são elementos decisivos num processo de adopção, onde a última palavra é dada pela mãe, num processo que me pareceu perverso.
Todo o percurso é uma montra de horrores.
Uma das miúdas grávidas, já mãe de uma criança com ano e meio, tinha de seu quatro malas: duas com pertences dela própria e duas com coisas da filha. O horror de ter que dar o filho ia crescendo ao longo das filmagens tendo sido a que demorou mais a assinar os papéis. No Estado em questão a documentação só pode ser assinada vinte e quatro horas depois do nascimento para que a mãe tenha a certeza (?) que quer seguir esse caminho.
A instituição marca encontros com casais ansiosos por serem pais que se deslocam dos quatro cantos dos Estados Unidos da América para conseguirem o seu bebé, bebé esse que tem mais hipóteses de lhe ser atribuído se a sua candidatura tiver agradado à grávida. Foram postos de lado casais com argumentos do tipo: vivem numa quinta; têm ar de agricultores; já têm filhos; não inspiram confiança; tem uma cara esquisita.
A montra de horrores mostrava também a ansiedade dos pais adoptantes, alguns dos quais já conheciam aquele percurso e nunca sabiam quando a grávida ia voltar atrás. Pode também acontecer o casal encontrar-se com a grávida, esta ir pensar e quando dá a resposta eles já optaram por outra criança, como quem escolhe outra universidade.
As grávidas são acompanhadas por um médico que lhes dá indicações apenas e só sobre a gravidez, não sobre a criança, pois sabe o seu destino, como se fossem conversas que ficam a meio, onde os cuidados têm fim e não são para sempre.
Os partos são filmados e na sala de partos está a mãe, o médico, um elemento da entidade acolhedora, os futuros pais (que podem não chegar a ser e cujas vinte e quatro horas seguintes são traumatizantes e inesquecíveis) e a equipa de filmagem.
Ao ritmo dos gritos e dos gemidos da parturiente a eventual futura mãe aperta a mão do eventual futuro pai e choram ambos.
Em paralelo com esta dinâmica dos infernos há um processo administrativo que contempla três vertentes possíveis: adopção aberta, fechada ou semi-aberta. A adopção aberta é aquela onde a mãe verdadeira continua a fazer parte da vida do filho, vê-o periodicamente, o casal adoptante compromete-se a dizer mais tarde à criança que a mãe foi muito corajosa e a falar sempre bem dela. A semi-berta prevê o envio de fotografias nos aniversários, Natal e momentos especiais e a fechada supõe um afastamento para sempre.
Uma das adolescentes exigiu que a criança nunca soubesse que era adoptada o que chocou os futuros pais que, não obstante, concordaram.
Em conclusão, vi todos aqueles dramas, verdadeiramente chocantes, e questionei-me sobre a polémica da adopção de crianças por casais homossexuais que, dizem alguns, são prejudiciais ao crescimento e boa formação das crianças e jovens. Face ao que vi, pergunto, serão? Confesso que não me parece.
A tristeza das crianças que ali deram à luz outras crianças, que acredito ser verdadeira e profunda, esconderia muita coisa que não foi transmitida, não digo que sejam más mães, não julgo - embora considere o processo em si um coisa arrepiante e não lhes veja capacidade de decisão, mas é só uma opinião. As crianças criadas em regimes abertos ou semi-abertos terão um crescimento e uma formação saudável? Afinal, quais destes são os meus pais, porque fui dado, serei um objecto, serei um cão ou um gato?
Concordo a duzentos por cento que a adopção é um caminho para muitas pessoas e, não tivesse encontrado oposição no meu marido, na altura teríamos adoptado uma criança, já depois do nosso filho nascer. A mesma percentagem vai para todas as mães que, não tendo condições ou não querem os filhos, recorrem à adopção, mas as crianças devem ser entregues a quem as queira, para lá da opção sexual.
Quando uma das miúdas dizia que um casal tinha ar de campónio e por isso não os queria para pais da sua filha, podia estar a dizer que o casal tinha ar de gay. Havendo alguém que quer amar uma criança devemos impedi-la? Havendo alguém que quer assumir uma parte da responsabilidade do património universal que são as crianças devemos proibi-lo?
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Esperança embrulhada e com laçarotes
Leio que o governo vai oferecer esperança. Não percebo, leio outra vez. E outra. Fico baralhada. Eu uso a esperança todos os dias, sem excepção, e agora, fico na dúvida se era de utilização livre e lembro-me do Zezé de O meu pé de laranja lima que um dia tirou uma flor de um jardim para oferecer à professora e só depois ficou a saber que as flores têm dono, não se podem arrancar.
Se calhar acontece o mesmo com a esperança, logo com a esperança da qual eu tenho usado e abusado...
Se calhar acontece o mesmo com a esperança, logo com a esperança da qual eu tenho usado e abusado...
Um questão de cor
- Bom dia, quero um isqueiro. Tem daqueles tipo Zippo?
- Não, só há as coles que estão à mostla.
Esta conversa aconteceu hoje de manhã, numa mini loja chinesa. A moça era muito sorridente e eu, só para ter qualquer coisa de Zippo, nem que fosse uma letra, trouxe um azul.
- Não, só há as coles que estão à mostla.
Esta conversa aconteceu hoje de manhã, numa mini loja chinesa. A moça era muito sorridente e eu, só para ter qualquer coisa de Zippo, nem que fosse uma letra, trouxe um azul.
sexta-feira, 21 de junho de 2013
A Débora querr, querr...
No escurinho do
cinema
Chupando drops de
anis
Longe de qualquer
problema
Perto de um final
feliz...
Se a Deborah Kerr
Que o Gregory Peck
Não vou bancar o
santinho
Não!
Minha garota é Mae
West
Eu sou o Sheik
Valentino..
Mas de repente o
filme pifou
E a turma toda logo
vaiou
Acenderam as luzes
Cruzes!
Que Flagra!
Que Flagra!
Rita Lee
Faço parte desta rede e utilizo-a bastante. Entre várias situações foi através dela que conheci um investigador checo cujos trabalhos estão a ser publicados em Portugal e um deles será traduzido por mim brevemente. Através dela também, convidaram-me para dar um parecer sobre assuntos da minha especialidade, com consequências interessantes a nível profissional.
Porém, as solicitações são tantas que me sinto um pouco perdida.
Inscrita em vários fóruns, tento participar ao máximo e mesmo que não contribua activamente, mas faço por ler o que se escreve no âmbito dos meus interesses. Verifico com frequência que há ali opiniões que valem mais do que muitos dos artigos das bases de dados cuja assinatura me custa vários milhares de euros ao ano.
São anónimos, para mim, cuja experiência e vivência é partilhada e discutida seriamente, naquela praça pública. Não há medo que alguém nos roube a ideia, defeito de que padecem muitos investigadores que conheço, pretende-se partilhar e disseminar a prática e não cicatrizar uma folha de papel com tinta.
Nos vários cantos do mundo discute-se uma ideia, uma abordagem, um processo, um procedimento, uma tarefa.
O que acham? Farei melhor assim ou assado? Quem conhece isto ou aquilo? Já experimentaram esta novidade? Como resolveram este problema? Com que dificuldades se depararam quando vos aconteceu isto? Quando quiseram fazer aquilo qual a opção que tomaram?
A leitura, os comentários, as opiniões obrigam-nos a reflectir e até a antecipar problemas, a visualizá-los previamente, a acertar tarefas. Levam-nos a experimentar também, a encarar a diferença não como diferença, mas como um outro lado da nossa solução.
O LinkedIn é uma espécie de currículo DeGóis mas com provas dadas, em que a cada dia vamos dando e recebendo, uma ferramenta de trabalho incrível ao nível da crítica, da reflexão, da decisão. É um centro de partilha descontraído mas objectivo, focado, sem dispersão, com saliência só para a discussão em causa, sem perturbações. Permite-nos participar em qualquer debate em andamento ou criar um que julguemos justificável.
Ao longo de quase um ano de adesão, congratulo-me com a sua existência esperando que continue a ser tão útil como até agora, e só tenho pena de não conseguir aproveitar ao máximo as potencialidades que encerra pois há discussões tão interessantes que me apetecia prolongar o dia para as poder acompanhar.
Porém, as solicitações são tantas que me sinto um pouco perdida.
Inscrita em vários fóruns, tento participar ao máximo e mesmo que não contribua activamente, mas faço por ler o que se escreve no âmbito dos meus interesses. Verifico com frequência que há ali opiniões que valem mais do que muitos dos artigos das bases de dados cuja assinatura me custa vários milhares de euros ao ano.
São anónimos, para mim, cuja experiência e vivência é partilhada e discutida seriamente, naquela praça pública. Não há medo que alguém nos roube a ideia, defeito de que padecem muitos investigadores que conheço, pretende-se partilhar e disseminar a prática e não cicatrizar uma folha de papel com tinta.
Nos vários cantos do mundo discute-se uma ideia, uma abordagem, um processo, um procedimento, uma tarefa.
O que acham? Farei melhor assim ou assado? Quem conhece isto ou aquilo? Já experimentaram esta novidade? Como resolveram este problema? Com que dificuldades se depararam quando vos aconteceu isto? Quando quiseram fazer aquilo qual a opção que tomaram?
A leitura, os comentários, as opiniões obrigam-nos a reflectir e até a antecipar problemas, a visualizá-los previamente, a acertar tarefas. Levam-nos a experimentar também, a encarar a diferença não como diferença, mas como um outro lado da nossa solução.
O LinkedIn é uma espécie de currículo DeGóis mas com provas dadas, em que a cada dia vamos dando e recebendo, uma ferramenta de trabalho incrível ao nível da crítica, da reflexão, da decisão. É um centro de partilha descontraído mas objectivo, focado, sem dispersão, com saliência só para a discussão em causa, sem perturbações. Permite-nos participar em qualquer debate em andamento ou criar um que julguemos justificável.
Ao longo de quase um ano de adesão, congratulo-me com a sua existência esperando que continue a ser tão útil como até agora, e só tenho pena de não conseguir aproveitar ao máximo as potencialidades que encerra pois há discussões tão interessantes que me apetecia prolongar o dia para as poder acompanhar.
Toda a força será fraca se não estiver unida
Tenho acompanhado os acontecimentos no Brasil via amigos que vivem em São Paulo e no Rio e parece-me que o filho está a dar uma grande lição ao pai.
Não tenho os conhecimentos e a capacidade de análise invejável do meu querido V., que sistematiza as situações, compara-as, enquadra-as conceptualmente e deixa-me sempre a sentir como se fosse um daqueles bicharocos cuja extinção não aquece nem arrefece o equilíbrio da natureza, e seria até defendida pelo próprio David Attenborough, mas vejo que os brasileiros não desarmam ao contrário de nós.
Nós mostramo-nos de vez em quando e já chega, que isso de andar na rua é muito pouco chique e somos mais dados ao berro do que ao grito, afinal quem é um tal de Edvard Munch?
Eles não arredam pé, estão na rua e são ouvidos porque ninguém consegue dormir ao som de gritos.
Por cá parecemos personagens da Bela Adormecida. E o raio do príncipe que se demora tanto... Estará perto do Ipiranga?
Não tenho os conhecimentos e a capacidade de análise invejável do meu querido V., que sistematiza as situações, compara-as, enquadra-as conceptualmente e deixa-me sempre a sentir como se fosse um daqueles bicharocos cuja extinção não aquece nem arrefece o equilíbrio da natureza, e seria até defendida pelo próprio David Attenborough, mas vejo que os brasileiros não desarmam ao contrário de nós.
Nós mostramo-nos de vez em quando e já chega, que isso de andar na rua é muito pouco chique e somos mais dados ao berro do que ao grito, afinal quem é um tal de Edvard Munch?
Eles não arredam pé, estão na rua e são ouvidos porque ninguém consegue dormir ao som de gritos.
Por cá parecemos personagens da Bela Adormecida. E o raio do príncipe que se demora tanto... Estará perto do Ipiranga?
Olhos nos olhos - análise do texto
Quando você me deixou, meu bem,
Me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas depois, como era de costume, obedeci.
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando,
Me pego cantando, sem mais, nem por quê.
Tantas águas rolaram,
Quantos homens
me amaram
Bem mais e
melhor que você.
Quando talvez precisar de mim,
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você diz.
Quero ver como suporta me ver tão feliz
Chico Buarque
A análise deste poema resume-se numa pequena frase: o bold é lixado…
quinta-feira, 20 de junho de 2013
De carro
O primeiro carro do meu pai foi um Fiat 850. Lembro-me de
lá entrar pela primeira vez, em terceira mão mas novo, tão novo que nos fazia
luzir por dentro. Lembro-me da minha mãe, pavoa, a chegar à aldeia e a levar os
pais a passear, o meu pai a prometer, e sempre a cumprir, que a partir de agora
iríamos mais vezes, as máquinas a facilitarem o contacto entre as pessoas, a
aproximá-las.
O meu pai, caso raro de amor extremo pela sogra e pelo
sogro, amor esse recíproco, chegava a rumar à aldeia sozinho para ajudar na
azeitona, mais um fim-de-semana para a apanha do melão, depois outro para
desburricar as oliveiras e outro e outro e outro. Sogro e genro a darem-se como
pai e filho, não porque a um faltasse pai nem a outro descendência masculina,
mas porque as boas relações são boas e não é preciso mais explicações.
Se há coisas que me parecem impossíveis, mas sei serem
verdadeiras porque as vivi, são as viagens ao Alentejo no Fiat 850 onde, numa
ocasião, chegámos a ser nove pessoas.
Bancos duros que nem pedra, duas portas, crianças
sentadas ao colo do passageiro da frente, gente amontoada no banco de trás,
velocidade máxima perto da actual mínima, um dia inteiro para chegar a qualquer
lado, estradas pobres e esburacadas, havia de tudo.
Mais tarde, por vários carros que fomos tendo, o meu pai
teve uma carrinha só com três lugares à frente e caixa vazia que, a caminho de
uma feira de Moura levou do Sobral da Adiça trinta e três pessoas, sem um único
banco. À saída da aldeia os meus pais pararam para beber café e disseram que íamos
à Feira; juntou-se um que também queria ir e mais outro, e outros que chamaram
outros e eram precisamente trinta e três outros, contados à chegada a Moura à
medida que iam saindo da viatura.
Hoje isto seria impossível e daria prisão perpétua
algures na Tailândia, mas na altura era normal, assim como foi normal
sentarmo-nos nas escadas da praça de touros a cantar, dando continuidade à
cantoria que já tinha vindo arrepiando as folhas das videiras da vinha dos
Machados e transformando os torrões em terra quase líquida com o afinado das
vozes.
Actualmente escolhemos a estação de rádio, com um toque
ou vários toques sucessivos e não rodando um botão, optamos por um CD, ligamos
o telemóvel ou uma pen às colunas da aparelhagem do carro. Actualmente há
sempre rede, conceito que na altura, no máximo, nos faria lembrar o Emiliano
cujo pai era pescador.
A falta de cobertura do rádio e a existência de cassetes,
mas esventradas com as figadais fitas todas enroladas, levava-nos a cantar: Quando Cheguei ao Barreiro à saída de
Lisboa; Grândola Vila Morena, à beira
de Grândola e muito antes de Vila Morena estar escrito na placa; Ó Beja Pois Tu Não Sabes, à vista de
Beja; Ai Ai Ai Trigueirinha onde nos
apetecesse; Lá Vai Serpa, Lá Vai Moura,
à passagem por Serpa; Sobral da Adiça
à entrada da aldeia e muitas outras.
A minha irmã e eu ainda gostamos imenso de cantar quando
andamos de carro e fazemo-lo sempre que podemos, canções antigas, novas,
infantis, tudo o que nos vem à memória. Sabemos que cantamos muito bem e para
mim sempre foi um mistério porque nunca fizemos carreira musical, principalmente
depois do dia em que fomos a um bar de karaoke e quando terminámos veio o dono
e disse-nos que a conta estava paga com a condição de não voltarmos a abrir a
boca… caso contrário ele convidar-nos-ia a sair do distinto estabelecimento. Era
só uma opinião, o homem sabia aviar copos mas não tinha ouvido para a música,
como é óbvio!
Este Verão esperam-nos os Picos da Europa. Cumpriremos os
limites de velocidade, poremos os cintos de segurança e, apesar de sermos só
quatro, até o Pelágio ressuscitará quando por lá passarmos a cantar.
Crónica da realidade
Entro na Biblioteca vinda de uma reunião no exterior. À entrada sou abordada por uma senhora, aluna, que me pede ajuda:
- Pode dizer-me o que têm sobre reabilitação?
- Reabilitação em que área?
- Isso não sei, foi a professora Fulana que me mandou aqui à procura de livros sobre o assunto.
- Muito bem, mas é de que curso? Arquitectura, Psicologia, Direito?
- Eu?
- Sim, a senhora anda a tirar o quê?
- Enfermagem.
- Ok. Pode fazer pesquisa num destes computadores. Precisa de ajuda?
- Não, não percebeu: eu quero é livros, de computadores e internetes não percebo nada.
Depois de chamar alguém para dar um auxílio, vou para o gabinete decidida a nunca precisar de uma enfermeira.
- Pode dizer-me o que têm sobre reabilitação?
- Reabilitação em que área?
- Isso não sei, foi a professora Fulana que me mandou aqui à procura de livros sobre o assunto.
- Muito bem, mas é de que curso? Arquitectura, Psicologia, Direito?
- Eu?
- Sim, a senhora anda a tirar o quê?
- Enfermagem.
- Ok. Pode fazer pesquisa num destes computadores. Precisa de ajuda?
- Não, não percebeu: eu quero é livros, de computadores e internetes não percebo nada.
Depois de chamar alguém para dar um auxílio, vou para o gabinete decidida a nunca precisar de uma enfermeira.
Eu quero uma jóia com muitas pedras... de calçada portuguesa!
Quem me quiser encontrar a partir do próximo mês é na Rua Alexandre Herculano, na loja da Cartier.
Serei eu e as minhas colegas que ganham setecentos euros por mês.
Afinal as jóias valorizam imenso e nós temos a mania de gastar tudo em sítios tão brega e em coisas que simplesmente desaparecem, como por exemplo no supermercado a comprar comida.
Já lhes disse que comida toda a gente compra. Ou arranja, ou rouba. Agora, jóias, isso é outra conversa... quem é que é cliente da Cartier? Seremos nós!
O meu processo de convencimento passa por alegrar a relação delas com os maridos, filhos e vizinhança em geral, por exemplo. O meu próprio filho está farto e cansado das mesmas coisas e vai adorar uma mudança; matam-se dois coelhos com uma cajadada: como ele deixou de ir aos treinos está mais gordo, deixaremos de comer e ficaremos elegantérrimos, com a mais valia de eu andar a passear pedras diversas, quiçá diamantes, no metro e no elevador lá do prédio, arrastando um brilho que será venerado. A isto chama-se serviço social!
Além disso, haverá garantidamente uma brutal diferença na minha performance diária com o computador... já me imagino a escrever com safiras nos dedos e esmeraldas nos pulsos, que tilintarão ao ritmo do teclar, provocando um suave murmúrio tão chique que antecipadamente me sinto percorrer por uma onda de prazer.
Estou tão contente por terem escolhido um local onde passo todos os dias para abrir a loja, que ninguém imagina. Com a abertura da Cartier, a partir do mês que vem aquele cruzamento já não terá só a fantástica e super útil loja que lá abriu há tempos e está aberta 12 meses por ano: a Lapland Store, cuja conveniência é total e a oportunidade, principalmente agora nos meses de Verão, é enorme.
Os tipos da Lapland Store são espertíssimos e não perdem uma ocasião de negócio, razão pela qual colaram nas montras, cheias de neve e renas, uns papéis a dizer que tratam do IRS.
Se os da Cartier não quiserem perder clientela eu sugiro que montem algures num balcãozinho uma mini-loja do cidadão. Isto é marketing. Isto é visão. Isto é génio. Não precisam de me agradecer, eu gosto de ajudar.
Serei eu e as minhas colegas que ganham setecentos euros por mês.
Afinal as jóias valorizam imenso e nós temos a mania de gastar tudo em sítios tão brega e em coisas que simplesmente desaparecem, como por exemplo no supermercado a comprar comida.
Já lhes disse que comida toda a gente compra. Ou arranja, ou rouba. Agora, jóias, isso é outra conversa... quem é que é cliente da Cartier? Seremos nós!
O meu processo de convencimento passa por alegrar a relação delas com os maridos, filhos e vizinhança em geral, por exemplo. O meu próprio filho está farto e cansado das mesmas coisas e vai adorar uma mudança; matam-se dois coelhos com uma cajadada: como ele deixou de ir aos treinos está mais gordo, deixaremos de comer e ficaremos elegantérrimos, com a mais valia de eu andar a passear pedras diversas, quiçá diamantes, no metro e no elevador lá do prédio, arrastando um brilho que será venerado. A isto chama-se serviço social!
Além disso, haverá garantidamente uma brutal diferença na minha performance diária com o computador... já me imagino a escrever com safiras nos dedos e esmeraldas nos pulsos, que tilintarão ao ritmo do teclar, provocando um suave murmúrio tão chique que antecipadamente me sinto percorrer por uma onda de prazer.
Estou tão contente por terem escolhido um local onde passo todos os dias para abrir a loja, que ninguém imagina. Com a abertura da Cartier, a partir do mês que vem aquele cruzamento já não terá só a fantástica e super útil loja que lá abriu há tempos e está aberta 12 meses por ano: a Lapland Store, cuja conveniência é total e a oportunidade, principalmente agora nos meses de Verão, é enorme.
Os tipos da Lapland Store são espertíssimos e não perdem uma ocasião de negócio, razão pela qual colaram nas montras, cheias de neve e renas, uns papéis a dizer que tratam do IRS.
Se os da Cartier não quiserem perder clientela eu sugiro que montem algures num balcãozinho uma mini-loja do cidadão. Isto é marketing. Isto é visão. Isto é génio. Não precisam de me agradecer, eu gosto de ajudar.
Because we can
Ver a cara de alguém que é surpreendido com uma coisa boa
é das melhores sensações do mundo.
Uma das pessoas cujo abraço me é essencial e a quem adoro
fazer surpresas é ao meu sobrinho mais velho.
O dia que aterrámos em Roma e ele me apertou com uma
força que eu desconhecia nele e me disse, Quica, eu gosto tanto, tanto, tanto de
ti, ficou-me para sempre na memória como um daqueles momentos que vale uma
vida.
O ano passado quando ele viu que íamos ficar num veleiro
em vez de num quarto normal a dormir, deixou-o numa euforia que nenhuma droga
consegue dar. Este ano sabe que estamos a planear ir aos Picos da Europa mas não sabe que vamos levar tendas de campismo. Mas eu sei que ele vai adorar.
O que eu também sei e ele também não sabe é que vai ter uma surpresa na próxima quarta-feira.
Eu pago para alimentar este tem-te não caias das surpresas, tenho uma coisa para te dizer mas não posso, nem sabes o que te vai acontecer daqui a uns dias, se tu sonhasses daquilo que eu sei...
Ele salta à minha volta a querer saber, abraça-me, quer comprar-me com tudo para que eu me descaia, mas nada feito.
É bom dizer que este é o garoto de dez anos a quem um dia os pais ofereceram um passeio à Disney e, tendo jantado juntos na noite anterior, eu brinquei a dizer que ficava muito triste porque eles iam e eu ficava. Daqui resultou uma crise de choro da parte dele e a resolução de ficar comigo para que eu não ficasse sozinha. Lá lhe parámos o choro com dificuldade e a promessa que um dia iríamos juntos.
A última prova de solidariedade total foi no ano passado no Gerês. Depois de uma caminhada de mais de vinte quilómetros e já com um dia inteiro de mergulhos, pedimos boleia de volta à Pousada. O carro que parou tinha três lugares vagos. Perfeito, à conta para a minha irmã e os dois miúdos. Ele recusou-se terminantemente a entrar no carro e disse que nunca me deixaria ali sozinha, acontecesse o que acontecesse. Franzi o sobrolho e mandei-o entrar no carro, disse-lhe que estou habituada a andar, que em nada nos encontraríamos, que fossem pedindo um gelado enorme, que esperassem por mim com uma garrafa de água fresca - que se tinha acabado e estávamos todos com sede. Nada resultou e ele ficou comigo tendo continuado a andar tropeçando nos próprios pés tal era o cansaço. Elas seguiram e eu acabei por pedir também boleia por incapacidade de o levar ao colo, mas contra a vontade dele. Ambos no banco de trás do carro, a sensação da cabeça dele encostada ao meu peito, numa entrega absoluta, foi única, como se consolidasse a ligação inexplicável que nos une.
Agora ele vibra sempre que vê o anúncio dos Bon Jovi. Como no Natal tinha comprado um bilhete ao Duarte, que já fora no ano passado, e este ano vai de férias precisamente nesse dia, não vendi o nosso bilhete, mas antes comprámos outro. Eu vou estar na primeira fila não tanto para ver a banda mas antes para ver o delírio do meu sobrinho que é oxigénio puro.
There are nine million bicycles in Beijing
There are nine
million bicycles in Beijing
That's a fact,
It's a thing we can't deny
Like the fact that I will love you till I die.
We are twelve billion light years from the edge,
That's a guess,
No-one can ever say it's true
But I know that I will always be with you.
I'm warmed by the fire of your love everyday
So don't call me a liar,
Just believe everything that I say
There are six billion people in the world
More or less
and it makes me feel quite small
But you're the one I love the most of all
We're high on the wire
With the world in our sight
And I'll never tire,
Of the love that you give me every night
There are nine million bicycles in Beijing
That's a Fact,
it's a thing we can't deny
Like the fact that I will love you till I die
And there are nine million bicycles in Beijing
And you know that I will love you till I die!
That's a fact,
It's a thing we can't deny
Like the fact that I will love you till I die.
We are twelve billion light years from the edge,
That's a guess,
No-one can ever say it's true
But I know that I will always be with you.
I'm warmed by the fire of your love everyday
So don't call me a liar,
Just believe everything that I say
There are six billion people in the world
More or less
and it makes me feel quite small
But you're the one I love the most of all
We're high on the wire
With the world in our sight
And I'll never tire,
Of the love that you give me every night
There are nine million bicycles in Beijing
That's a Fact,
it's a thing we can't deny
Like the fact that I will love you till I die
And there are nine million bicycles in Beijing
And you know that I will love you till I die!
Katie Melua
Cidadão do mundo
O meu cunhado voltou a dormir cá em casa e eu voltei a levá-lo ao aeroporto às cinco e meia da manhã.
Brasil, Argentina e Equador são os destinos desta voltinha que nos deixa aqui sempre cheios de inveja, até porque ele não vai para destinos turísticos, antes pelo contrário, visita os países reais, conhece as pessoas a sério, come comida verdadeira feita por naturais que a confeccionam como sempre e sem mariquices para turistas.
A dita inveja concentra-se em mim mais que em qualquer outra pessoa próxima. Ele vai de viagem eu fico a sonhar. Bem me deito e adormeço a condicionar os sonhos sobre ganhar a lotaria para que pelo menos noutra dimensão possa viajar por esse mundo só conhecido pelas pessoas que lá moram e virgem de turistas. Mesmo que eu vá, continuará virgem de turistas, que não sou, os deuses me livrem e guardem!
São as acções que determinam o que somos e eu sou viajante. Engalinho com pessoas que reclamam da comida diferente, dos colchões que são assim e assado, dos transportes, da limpeza, até do ar que respiram. Por que é que não ficam em casa? Assim já sabem com o que contam e não aborrecem os outros.
Numa ocasião, em Istambul - que abraço diariamente por motivos óbvios - num grupo de portugueses destacava-se uma senhora que reclamava contra o facto de as pessoas se descalçarem em certos locais, porque cheirava mal, porque era uma falta de higiene, porque isto e aquilo.
A senhora tinha o modo egocêntrico ligado ao máximo e argumentava que os locais turísticos deviam ter em atenção os costumes das pessoas que os visitavam e deviam providenciar, pelo menos, comida típica dos países de origem dos turistas.
A senhora não sabe ainda hoje que o meu ex-marido a salvou de alguém que estava determinada a tirar-lhe o pó da roupa: eu. Farta de a ouvir, e usando a gíria actual, passei-me. Um grito bem dado ao ouvido de alguém que não está à espera e aguarda ter seguidores nas suas loucas pretensões pode assustar. Ela assustou-se. O meu ex-marido também. Puxou-me um braço e pediu-me por tudo para ficar sossegada. Ela calou-se, eu fiquei quieta mas só me calei depois de ter verbalizado a vergonha que tinha por ela associar a minha origem a comportamentos tão estúpidos. Uma sapatada naquela cabeça e não se perdia nada.
Se há pessoa que se integra completa e imediatamente é o meu cunhado, motivo pelo qual tenho muito orgulho nele: escolhe sempre as estradas secundárias, prefere comer em casa do que no restaurante, apanha qualquer transporte público, dá-se à conversa com toda a gente.
Nos últimos nove meses pôde fazer tudo isto em Portugal, Espanha, França, Itália, Holanda, Tailândia, Filipinas, Índia, China, Estados Unidos da América, Brasil, México e Colômbia, com sequentes repetições e novos destinos, como agora é o Equador e a Argentina.
Pelo modo de ser e de se comportar, pelas línguas que fala, pelo desempenho com as pessoas em geral, o meu cunhado é o verdadeiro cidadão do mundo.
Brasil, Argentina e Equador são os destinos desta voltinha que nos deixa aqui sempre cheios de inveja, até porque ele não vai para destinos turísticos, antes pelo contrário, visita os países reais, conhece as pessoas a sério, come comida verdadeira feita por naturais que a confeccionam como sempre e sem mariquices para turistas.
A dita inveja concentra-se em mim mais que em qualquer outra pessoa próxima. Ele vai de viagem eu fico a sonhar. Bem me deito e adormeço a condicionar os sonhos sobre ganhar a lotaria para que pelo menos noutra dimensão possa viajar por esse mundo só conhecido pelas pessoas que lá moram e virgem de turistas. Mesmo que eu vá, continuará virgem de turistas, que não sou, os deuses me livrem e guardem!
São as acções que determinam o que somos e eu sou viajante. Engalinho com pessoas que reclamam da comida diferente, dos colchões que são assim e assado, dos transportes, da limpeza, até do ar que respiram. Por que é que não ficam em casa? Assim já sabem com o que contam e não aborrecem os outros.
Numa ocasião, em Istambul - que abraço diariamente por motivos óbvios - num grupo de portugueses destacava-se uma senhora que reclamava contra o facto de as pessoas se descalçarem em certos locais, porque cheirava mal, porque era uma falta de higiene, porque isto e aquilo.
A senhora tinha o modo egocêntrico ligado ao máximo e argumentava que os locais turísticos deviam ter em atenção os costumes das pessoas que os visitavam e deviam providenciar, pelo menos, comida típica dos países de origem dos turistas.
A senhora não sabe ainda hoje que o meu ex-marido a salvou de alguém que estava determinada a tirar-lhe o pó da roupa: eu. Farta de a ouvir, e usando a gíria actual, passei-me. Um grito bem dado ao ouvido de alguém que não está à espera e aguarda ter seguidores nas suas loucas pretensões pode assustar. Ela assustou-se. O meu ex-marido também. Puxou-me um braço e pediu-me por tudo para ficar sossegada. Ela calou-se, eu fiquei quieta mas só me calei depois de ter verbalizado a vergonha que tinha por ela associar a minha origem a comportamentos tão estúpidos. Uma sapatada naquela cabeça e não se perdia nada.
Se há pessoa que se integra completa e imediatamente é o meu cunhado, motivo pelo qual tenho muito orgulho nele: escolhe sempre as estradas secundárias, prefere comer em casa do que no restaurante, apanha qualquer transporte público, dá-se à conversa com toda a gente.
Nos últimos nove meses pôde fazer tudo isto em Portugal, Espanha, França, Itália, Holanda, Tailândia, Filipinas, Índia, China, Estados Unidos da América, Brasil, México e Colômbia, com sequentes repetições e novos destinos, como agora é o Equador e a Argentina.
Pelo modo de ser e de se comportar, pelas línguas que fala, pelo desempenho com as pessoas em geral, o meu cunhado é o verdadeiro cidadão do mundo.
quarta-feira, 19 de junho de 2013
Homem com cão pela trela
Se eu fosse pintora já tinha criado em volta deste assunto. Tela de dois metros por um, para passar a ideia de altura do cavalheiro que, com garbo, segura, atenção segura, não puxa!, a trela do seu bobi.
Para aprofundar bem a realidade, a seu lado estaria uma estrábica embevecida. E porquê uma estrábica? Porque com um olho mirava o cão, que teria talvez, talvez, ainda não sei bem, direito a ser afagado com as duas mãos, e com o outro olho catrapiscava o dono do cão, objectivo primeiro, mas dissimulado, da dama.
Se eu fosse cineasta já teria igualmente feito um filme sobre o tema. Planos inclinados de baixo para cima, para aumentar a altura do protagonista, substituía a estrábica por uma amblíope dando-lhe instruções para revirar os olhos, do cão para o dono e do dono para o cão, com afagos na zona do pescoço onde, por coincidência, tocaria na coleira e na trela, cuja qualidade não lhe passaria despercebida mas, para a confirmar, pegar-lhe-ia até à pega e daí até à mão do dono - grande e forte sem ser calejada - era um ai.
Se um homem com uma criança é um desatino e uma tentação para as mulheres - ai que querido, que fofo, que cuidadoso, ai que tanta coisa - com um cão ainda é melhor. Os cães não falam, não fazem perguntas, nem esperamos respostas e podem sempre ser postos de lado quando apeteça, prendendo a alça da trela à pata da mesa da esplanada, enquanto a conversa começa com histórias de cães que já se tiveram, mas que fazem parte de vidas passadas, e acaba de mil maneiras possíveis. Os cães não fazem birras como os petizes, não pedem insistentemente para fazer xixi e se o pedem fazem-no num sítio qualquer onde a nova apaixonada pelo cão não tem de se afastar do dono. Não há horas para comer, os cães não dormem sestas, não reclamam, não querem os brinquedos que estão nas montras. É só vantagens.
A não ser que se tenha medo deles...
No café por baixo da minha casa param várias pessoas com cão. Há um husky que fica à porta sem trela e não se mexe um milímetro. Há um yorkshire cujo pelo oleoso me dá vómitos e que fica ao colo da dona enquanto o dono bebe café e passa para este para que ela possa engolir a bica. Há um outro cuja raça desconheço mas imagino-o assado no forno e até me babo e há um pug.
Eu gosto de cães, já tive vários - dos quais destaco o Luca e o Pepe - mas tenho uma predilecção por cães que se vejam, grandes e só o husky tem o meu cumprimento matinal, que me desculpem os outros, mas quem diz a verdade não merece castigo.
Mesmo que o pug não fosse ainda criança, todo negro e muito brincalhão, não fazia mal, porque tem um dono todo jeitoso, característica dos cães que pode levar as pessoas a gostarem deles mesmo que detestem cães. Funciona como um nome bem para certas pessoas: é feio que nem uma bota da tropa mas é um Telles com dois lês; é gordo que nem um texugo mas é um Bettencourt com dois tês; é burro que nem uma porta mas é um Castelo-Branco com tracinho.
O dono do pug deve dormir mal de noite porque tem sempre os olhos semicerrados e deve fumar qualquer coisa pois quando poisa o olhar, fixa-o. Esta fixação tem o efeito de fazer rir certas mulheres que vão despejar o riso no pug que está atrelado a um arbusto ao lado da porta do café. O cãozinho, se fosse de peluche e estivesse na mão de uma criança, não era mais amassado, garanto.
As adoradoras do cão falam com ele através da língua ancestral que também se usa para falar com bebés, incompreensível para mim. De entre estas destaca-se uma que força o sorriso e toca no cão como se ele fosse uma bomba prestes a explodir, afirma ter medo mas diz querer combatê-lo e hoje pediu ao dono do bicho que lhe ensinasse a fazer-lhe festinhas, sic. O dono do bicho, que continua a dormir mal e estava fixado precisamente nesta cliente, eriçou-se com o pedido, veio cá para fora explicar como não havia que ter medo de uma coisa tão doce, segurou a mão da medrosa na sua e o cão estava encantado com tanto mimo. Ela dava uns saltinhos e afastava a mão do pêlo lustroso, e ele puxava-a levemente, insistindo nas carícias. Às tantas conseguiu pôr-lhe o cão ao colo, ela de pescoço esticado para trás e olhos arregalados de medo, mostrando doses de coragem que muitos soldados não têm.
Ao balcão do café imperava o silêncio. O silêncio e os risos surdos. Pelas janelas largas acompanhávamos a cena, espectadores de um filme em cartaz há décadas e décadas: A arte da conquista.
Para aprofundar bem a realidade, a seu lado estaria uma estrábica embevecida. E porquê uma estrábica? Porque com um olho mirava o cão, que teria talvez, talvez, ainda não sei bem, direito a ser afagado com as duas mãos, e com o outro olho catrapiscava o dono do cão, objectivo primeiro, mas dissimulado, da dama.
Se eu fosse cineasta já teria igualmente feito um filme sobre o tema. Planos inclinados de baixo para cima, para aumentar a altura do protagonista, substituía a estrábica por uma amblíope dando-lhe instruções para revirar os olhos, do cão para o dono e do dono para o cão, com afagos na zona do pescoço onde, por coincidência, tocaria na coleira e na trela, cuja qualidade não lhe passaria despercebida mas, para a confirmar, pegar-lhe-ia até à pega e daí até à mão do dono - grande e forte sem ser calejada - era um ai.
Se um homem com uma criança é um desatino e uma tentação para as mulheres - ai que querido, que fofo, que cuidadoso, ai que tanta coisa - com um cão ainda é melhor. Os cães não falam, não fazem perguntas, nem esperamos respostas e podem sempre ser postos de lado quando apeteça, prendendo a alça da trela à pata da mesa da esplanada, enquanto a conversa começa com histórias de cães que já se tiveram, mas que fazem parte de vidas passadas, e acaba de mil maneiras possíveis. Os cães não fazem birras como os petizes, não pedem insistentemente para fazer xixi e se o pedem fazem-no num sítio qualquer onde a nova apaixonada pelo cão não tem de se afastar do dono. Não há horas para comer, os cães não dormem sestas, não reclamam, não querem os brinquedos que estão nas montras. É só vantagens.
A não ser que se tenha medo deles...
No café por baixo da minha casa param várias pessoas com cão. Há um husky que fica à porta sem trela e não se mexe um milímetro. Há um yorkshire cujo pelo oleoso me dá vómitos e que fica ao colo da dona enquanto o dono bebe café e passa para este para que ela possa engolir a bica. Há um outro cuja raça desconheço mas imagino-o assado no forno e até me babo e há um pug.
Eu gosto de cães, já tive vários - dos quais destaco o Luca e o Pepe - mas tenho uma predilecção por cães que se vejam, grandes e só o husky tem o meu cumprimento matinal, que me desculpem os outros, mas quem diz a verdade não merece castigo.
Mesmo que o pug não fosse ainda criança, todo negro e muito brincalhão, não fazia mal, porque tem um dono todo jeitoso, característica dos cães que pode levar as pessoas a gostarem deles mesmo que detestem cães. Funciona como um nome bem para certas pessoas: é feio que nem uma bota da tropa mas é um Telles com dois lês; é gordo que nem um texugo mas é um Bettencourt com dois tês; é burro que nem uma porta mas é um Castelo-Branco com tracinho.
O dono do pug deve dormir mal de noite porque tem sempre os olhos semicerrados e deve fumar qualquer coisa pois quando poisa o olhar, fixa-o. Esta fixação tem o efeito de fazer rir certas mulheres que vão despejar o riso no pug que está atrelado a um arbusto ao lado da porta do café. O cãozinho, se fosse de peluche e estivesse na mão de uma criança, não era mais amassado, garanto.
As adoradoras do cão falam com ele através da língua ancestral que também se usa para falar com bebés, incompreensível para mim. De entre estas destaca-se uma que força o sorriso e toca no cão como se ele fosse uma bomba prestes a explodir, afirma ter medo mas diz querer combatê-lo e hoje pediu ao dono do bicho que lhe ensinasse a fazer-lhe festinhas, sic. O dono do bicho, que continua a dormir mal e estava fixado precisamente nesta cliente, eriçou-se com o pedido, veio cá para fora explicar como não havia que ter medo de uma coisa tão doce, segurou a mão da medrosa na sua e o cão estava encantado com tanto mimo. Ela dava uns saltinhos e afastava a mão do pêlo lustroso, e ele puxava-a levemente, insistindo nas carícias. Às tantas conseguiu pôr-lhe o cão ao colo, ela de pescoço esticado para trás e olhos arregalados de medo, mostrando doses de coragem que muitos soldados não têm.
Ao balcão do café imperava o silêncio. O silêncio e os risos surdos. Pelas janelas largas acompanhávamos a cena, espectadores de um filme em cartaz há décadas e décadas: A arte da conquista.
terça-feira, 18 de junho de 2013
Fim
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro.
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro.
Mário de Sá Carneiro
Uma questão de gravata
35 anos, ou à volta disso, era a idade dela. Seguia no Metro com uma amiga, a amiga à civil, ela com uma farda de uma empresa de segurança e foi precisamente a farda que me fez observar: as empresas de segurança contratam pessoas tão pequeninas? Esta poderia viver em qualquer casa do Portugal dos Pequenitos e sobrava pé direito.
A altura, que lhe deixava os pés a bandear enquanto seguia sentada, não se relacionava com a indignação: fora a uma entrevista de emprego e o entrevistador, pasmem-se os crédulos, não usava gravata! É verdade, gravata, viste-a!
A outra perguntava-lhe para que precisava ele da gravata durante a entrevista e ela retorquía que um homem sem gravata, um entrevistador, um chefe, ele devia ser o eventual chefe, não era nada! Agora, ali, em mangas de camisa - e virando-se ligeiramente para a outra lhe ver os olhos em chamas - mangas arregaçadas ainda por cima!, vê lá tu que raio de entrevistador era aquele! É que se ele não tivesse casaco ainda se compreendia, estava abafado naquela sala, tudo bem, mas sem gravata..., não, isso não se aceita.
A amiga repetia o argumento, simples, é verdade, e de uma total ineficácia, uma percepção que passava ao largo no mar de desprezo a que era votado o desgravatado, cuja legitimidade se anulava pela falta do adereço.
Onde é que já se viu isto? Quem não usa gravata são os trabalhadores, dizia ela esticando a sua própria gravata, numa prova material e visual de uma superioridade com a qual tentava conquistar a amiga, sem o conseguir, pois a outra ia-lhe chamando idiota e preconceituosa.
Ai eu é que sou idiota? Atão ele faz-nos as perguntas e isso tudo como se fosse um agricultor, só lhe faltava a gadanha nas mãos, e eu é que sou idiota? Atão, ele se calhar queria-te contratar para lhe tratares da horta!
Nem um sorriso, nem um sinal leve de concordância, a indignada virou-se para a bela paisagem negra dos túneis e continuou a resmungar, abanando os pés e alisando a gravata.
A altura, que lhe deixava os pés a bandear enquanto seguia sentada, não se relacionava com a indignação: fora a uma entrevista de emprego e o entrevistador, pasmem-se os crédulos, não usava gravata! É verdade, gravata, viste-a!
A outra perguntava-lhe para que precisava ele da gravata durante a entrevista e ela retorquía que um homem sem gravata, um entrevistador, um chefe, ele devia ser o eventual chefe, não era nada! Agora, ali, em mangas de camisa - e virando-se ligeiramente para a outra lhe ver os olhos em chamas - mangas arregaçadas ainda por cima!, vê lá tu que raio de entrevistador era aquele! É que se ele não tivesse casaco ainda se compreendia, estava abafado naquela sala, tudo bem, mas sem gravata..., não, isso não se aceita.
A amiga repetia o argumento, simples, é verdade, e de uma total ineficácia, uma percepção que passava ao largo no mar de desprezo a que era votado o desgravatado, cuja legitimidade se anulava pela falta do adereço.
Onde é que já se viu isto? Quem não usa gravata são os trabalhadores, dizia ela esticando a sua própria gravata, numa prova material e visual de uma superioridade com a qual tentava conquistar a amiga, sem o conseguir, pois a outra ia-lhe chamando idiota e preconceituosa.
Ai eu é que sou idiota? Atão ele faz-nos as perguntas e isso tudo como se fosse um agricultor, só lhe faltava a gadanha nas mãos, e eu é que sou idiota? Atão, ele se calhar queria-te contratar para lhe tratares da horta!
Nem um sorriso, nem um sinal leve de concordância, a indignada virou-se para a bela paisagem negra dos túneis e continuou a resmungar, abanando os pés e alisando a gravata.
Respirar fundo...
A semana passada foi gloriosa. Aceitei um convite para uns dias de molho na Ericeira, o sol brindou-nos sempre com a sua presença, a água estava magnífica, o vento também tinha ido de fim-de-semana prolongado de modo que estava ausente, tudo jóia.
A amiga que me convidou aproveitou a estadia para resolver uma série de coisas, uma vez que lá não era feriado. Teve até que resolver o que não era suposto pois chegámos na quarta-feira à noite e não havia água.
Seria geral? O pagamento é feito por transferência por isso atraso não era. A vizinha do lado não estava para se confirmar se também fora lesada e a perspectiva do fim de semana levou-nos a pensar que era com certeza algum problema momentâneo. A minha anfitriã ainda ligou aos serviços das águas mas atendeu um gravador a dizer que estavam fechados.
O momento arrastou-se até à manhã seguinte e o banho matinal foi tomado no mar. Por mim, cinco estrelas. Ao fim do dia a água continuava desaparecida e a vizinha também. Por mero acaso, estendendo as toalhas de praia à janela as meninas sem cabelo à lua que ainda era cedo, viram a vizinha passar na rua e ficámos a saber que já ali não morava, saíra na semana passada, altura em que mandara cortar a água. Mandara cortar a água? Olhámos uma para a outra e fez-se luz... ligámos de novo para a companhia e lá perceberam que tinham cortado a água errada!
Por seu lado, a contagem da luz foi feita por mero acaso pois os técnicos chegaram bem mais cedo que o acordado e só por coincidência nos apanharam em casa. Já a entrega da box nova da televisão foi feita com um ligeiríssimo atraso: estava marcada das nove à uma da tarde e entregaram-na faltavam cinco minutos para as sete, não obstante, logo de amanhecida, ela ter recebido uma mensagem no telefone a informar que a encomenda ia a caminho. Valeu ela ter telefonado para o distribuidor, não para o operador, e ter pedido que lhe ligassem uns minutos antes de chegarem, e assim estivemos na praia o dia inteiro.
Tendo em conta que ambas somos certificadas e acreditadas, verdadeiras experts, altamente competentes e experientes na arte de instalar seja o que for, perguntei ao senhor que entregou a box se não nos podia dar uma ajudinha. Não podia porque não percebia nada do assunto, mas achava que era muito fácil, ouvira dizer.
Lá respirámos fundo e abrimos a caixa de cartão de onde saltaram fios como se aquilo fosse um chapéu de um mágico. Se uns foram enfiados por percepção imediata, outros não tinham lugar. O livro de instruções ajudou num caso, não ajudou noutros e não tivemos outro remédio se não ligar e pedir ajuda ao call center.
Começámos por desistir, o que não é bom princípio como toda a gente sabe, pois o telefone usado tem teclas de touchscreen e não as achámos...
Trocámos de telefone e lá fomos seguindo as instruções, se quer isto marque o número tal, se quer aquilo carregue na tecla tal mas, na verdade, nenhuma das opções era a pretendida. Optámos por não carregar em nada a ver se alguma luz se acendia sabe-se lá onde e alguém caridoso quisesse atender a nossa chamada. Finalmente lá veio a alminha. Ela começou por dizer que a mudança da caixinha fora imposição do operador, e não pedido dela, mencionou o atraso da entrega e pediu ajuda para instalar aquilo.
Sentia-me como se tivesse um animal raro e perigoso nas mãos e à distância alguém me desse instruções sobre como o enjaular!
Mete fios, tira fios, substitui fios, afinal havia fios que não serviam para nada, e o fio de Ariadne a enlear-se nas nossas pernas.
Às tantas lá se acenderam uma luzes, na televisão apareceu uma imagem que teimava em andar de carrossel, às voltas e voltas, sem que a conseguíssemos parar. O telefone passava da mão dela para a minha e da minha para ela, como se jogássemos ténis ou pingue-pongue.
Quando nos deixavam à espera - Senhora Dona Fulana de Tal peço-lhe agora que aguarde um momento em linha por favor - nós ríamos perdidamente, cabelos eriçados do sal da água do mar, e ficávamos a olhar o ecrã como se o poder da visão lhe devolvesse a imagem fixa ou em movimento mas em velocidade normal e não naqueles preparos que, garantidamente, violavam todos os limites de velocidade.
Bom, a coisa lá ficou feita e reposta a normalidade ela perguntou o que devia fazer com a antiga box. Pois, isso não era naquela secção, espere um pouco que vou saber. Não voltou de saber, mas mandou uma colega que quis saber que box era e porque razão a queria devolver. Em três palavras a minha amiga explicou que tinha instalado uma nova. Ai sim? E porquê? O que aconteceu com a antiga?
Olhar de raiva cá deste lado, tudo parecia começar, tanta pergunta, quando a troca foi imposição deles! A voz teve que ganhar um tom mais áspero e lembrar que estávamos ao telefone há séculos e que a dita ligação devia ser feita por eles, a quem se paga todos os meses. Mais ainda, de certeza absoluta que os clientes velhinhos não têm a destreza de perceber tanto pormenor, de encaixar cabinhos tão finos que a mim tanto me custaram devido ao tamanho dos dedos e os meus não são dos maiores, de estarem atentos para não deixar aquilo tudo desligar-se, como me aconteceu que metia um cabo e saia outro, enfim, devia haver um maior acompanhamento ao cliente. Que sim senhor, que com certeza, mas a culpa não era dela.
Não deixa de ser curioso verificar que a culpa nunca é de alguém, o que me leva a pensar que cada uma das pessoas que assim responde não se identifica minimamente com a empresa onde trabalha, caso contrário, para o bem e para o mal, assumiria o óbvio: sim, tem razão, as coisas não deviam ser feitas desta forma. Mas não, esta resposta existe no campo da ilusão, não na vida real, o que é uma chatice pois a mim dá-me vontade de implicar com quem assim responde, dá-me ganas que as pessoas não façam o exercício de se colocar no lugar dos outros, parece-me impossível que não pensem que também eles são clientes e que dar a mão à palmatória pode ser beneficiador para acalmar clientes que estão há horas ao telefone, a pagar - só é gratuito se for de um número fixo, que nós não tínhamos - por imposição de outrem, não por necessidade nossa. Haja paciência.
A amiga que me convidou aproveitou a estadia para resolver uma série de coisas, uma vez que lá não era feriado. Teve até que resolver o que não era suposto pois chegámos na quarta-feira à noite e não havia água.
Seria geral? O pagamento é feito por transferência por isso atraso não era. A vizinha do lado não estava para se confirmar se também fora lesada e a perspectiva do fim de semana levou-nos a pensar que era com certeza algum problema momentâneo. A minha anfitriã ainda ligou aos serviços das águas mas atendeu um gravador a dizer que estavam fechados.
O momento arrastou-se até à manhã seguinte e o banho matinal foi tomado no mar. Por mim, cinco estrelas. Ao fim do dia a água continuava desaparecida e a vizinha também. Por mero acaso, estendendo as toalhas de praia à janela as meninas sem cabelo à lua que ainda era cedo, viram a vizinha passar na rua e ficámos a saber que já ali não morava, saíra na semana passada, altura em que mandara cortar a água. Mandara cortar a água? Olhámos uma para a outra e fez-se luz... ligámos de novo para a companhia e lá perceberam que tinham cortado a água errada!
Por seu lado, a contagem da luz foi feita por mero acaso pois os técnicos chegaram bem mais cedo que o acordado e só por coincidência nos apanharam em casa. Já a entrega da box nova da televisão foi feita com um ligeiríssimo atraso: estava marcada das nove à uma da tarde e entregaram-na faltavam cinco minutos para as sete, não obstante, logo de amanhecida, ela ter recebido uma mensagem no telefone a informar que a encomenda ia a caminho. Valeu ela ter telefonado para o distribuidor, não para o operador, e ter pedido que lhe ligassem uns minutos antes de chegarem, e assim estivemos na praia o dia inteiro.
Tendo em conta que ambas somos certificadas e acreditadas, verdadeiras experts, altamente competentes e experientes na arte de instalar seja o que for, perguntei ao senhor que entregou a box se não nos podia dar uma ajudinha. Não podia porque não percebia nada do assunto, mas achava que era muito fácil, ouvira dizer.
Lá respirámos fundo e abrimos a caixa de cartão de onde saltaram fios como se aquilo fosse um chapéu de um mágico. Se uns foram enfiados por percepção imediata, outros não tinham lugar. O livro de instruções ajudou num caso, não ajudou noutros e não tivemos outro remédio se não ligar e pedir ajuda ao call center.
Começámos por desistir, o que não é bom princípio como toda a gente sabe, pois o telefone usado tem teclas de touchscreen e não as achámos...
Trocámos de telefone e lá fomos seguindo as instruções, se quer isto marque o número tal, se quer aquilo carregue na tecla tal mas, na verdade, nenhuma das opções era a pretendida. Optámos por não carregar em nada a ver se alguma luz se acendia sabe-se lá onde e alguém caridoso quisesse atender a nossa chamada. Finalmente lá veio a alminha. Ela começou por dizer que a mudança da caixinha fora imposição do operador, e não pedido dela, mencionou o atraso da entrega e pediu ajuda para instalar aquilo.
Sentia-me como se tivesse um animal raro e perigoso nas mãos e à distância alguém me desse instruções sobre como o enjaular!
Mete fios, tira fios, substitui fios, afinal havia fios que não serviam para nada, e o fio de Ariadne a enlear-se nas nossas pernas.
Às tantas lá se acenderam uma luzes, na televisão apareceu uma imagem que teimava em andar de carrossel, às voltas e voltas, sem que a conseguíssemos parar. O telefone passava da mão dela para a minha e da minha para ela, como se jogássemos ténis ou pingue-pongue.
Quando nos deixavam à espera - Senhora Dona Fulana de Tal peço-lhe agora que aguarde um momento em linha por favor - nós ríamos perdidamente, cabelos eriçados do sal da água do mar, e ficávamos a olhar o ecrã como se o poder da visão lhe devolvesse a imagem fixa ou em movimento mas em velocidade normal e não naqueles preparos que, garantidamente, violavam todos os limites de velocidade.
Bom, a coisa lá ficou feita e reposta a normalidade ela perguntou o que devia fazer com a antiga box. Pois, isso não era naquela secção, espere um pouco que vou saber. Não voltou de saber, mas mandou uma colega que quis saber que box era e porque razão a queria devolver. Em três palavras a minha amiga explicou que tinha instalado uma nova. Ai sim? E porquê? O que aconteceu com a antiga?
Olhar de raiva cá deste lado, tudo parecia começar, tanta pergunta, quando a troca foi imposição deles! A voz teve que ganhar um tom mais áspero e lembrar que estávamos ao telefone há séculos e que a dita ligação devia ser feita por eles, a quem se paga todos os meses. Mais ainda, de certeza absoluta que os clientes velhinhos não têm a destreza de perceber tanto pormenor, de encaixar cabinhos tão finos que a mim tanto me custaram devido ao tamanho dos dedos e os meus não são dos maiores, de estarem atentos para não deixar aquilo tudo desligar-se, como me aconteceu que metia um cabo e saia outro, enfim, devia haver um maior acompanhamento ao cliente. Que sim senhor, que com certeza, mas a culpa não era dela.
Não deixa de ser curioso verificar que a culpa nunca é de alguém, o que me leva a pensar que cada uma das pessoas que assim responde não se identifica minimamente com a empresa onde trabalha, caso contrário, para o bem e para o mal, assumiria o óbvio: sim, tem razão, as coisas não deviam ser feitas desta forma. Mas não, esta resposta existe no campo da ilusão, não na vida real, o que é uma chatice pois a mim dá-me vontade de implicar com quem assim responde, dá-me ganas que as pessoas não façam o exercício de se colocar no lugar dos outros, parece-me impossível que não pensem que também eles são clientes e que dar a mão à palmatória pode ser beneficiador para acalmar clientes que estão há horas ao telefone, a pagar - só é gratuito se for de um número fixo, que nós não tínhamos - por imposição de outrem, não por necessidade nossa. Haja paciência.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Riso triste
A minha mãe não sabe do telemóvel e pede ao meu pai que lhe ligue para ver se o encontra.
Ele vai buscar o seu próprio telefone e marca o número. Do meio das almofadas do sofá ouve-se um trimmmm. Ela agarra-o, vira-se para o meu pai e diz:
- Olha, és tu que me estás a ligar! Para quê?
Não conseguimos evitar rir, mas é muito triste.
Ele vai buscar o seu próprio telefone e marca o número. Do meio das almofadas do sofá ouve-se um trimmmm. Ela agarra-o, vira-se para o meu pai e diz:
- Olha, és tu que me estás a ligar! Para quê?
Não conseguimos evitar rir, mas é muito triste.
quarta-feira, 12 de junho de 2013
Desterrados
Cada vez menos as pessoas têm terra. Não, não é no sentido da propriedade, ou talvez também seja, mas não no sentido de ser dono, antes na perspectiva de pertencer.
As gerações mais novas nascem nas cidades, onde vivem na maior parte das vezes, e a deslocação à terra faz-se quase sempre com um grito da mãe ou do pai. Não, não era isto que eu queria dizer, embora seja verdade.
Já não se nasce em casa, esqueçamos agora os novos movimentos a favor dos partos naturais em casa, com piscinas de bebés e essas coisas, nasce-se nos hospitais e os hospitais são cada vez menos, de modo que a concentração de nascimentos é maior. A minha prima mais velha nasceu na aldeia, em casa, eu no hospital na vila mais próxima, os nossos filhos em Lisboa e Almada, locais partilhados por milhares e milhares, cujos pais têm no cartão de cidadão os mais diversos locais de nascimento, como Sobral da Adiça, concelho de Moura, distrito de Beja, ou Ruivaqueira, concelho e distrito de Leiria.
O Sobral e Ruivaqueira perderam filhos literalmente e os bastardos já não atestam o carro ao fim de semana e não se põem a caminho da terra.
As raízes estão mais concentradas desta forma? São mais fortes? É como se fosse um olival cujas árvores estão plantadas todas no mesmo sítio? Nada disso, antes pelo contrário. O sentido de pertença diluiu-se no estar sempre na terra, que deixou de ser terra, pois terra é a que fica longe, a que está perto, é aqui e aqui não é A terra.
Para ser terra tem que ser longe, se bem que o próprio longe de hoje seja em Londres ou em Paris e não em Santo Aleixo da Restauração ou em Chainça. Desapareceu aquela força invisível que puxava as pessoas no Natal ou na Páscoa para as aldeias, mesmo que não tivessem família. Quando A terra é nas cidades, depois da meia noite de 24 de Dezembro vai-se para a discoteca, onde o galo da missa não se ouve por mais que se esgane. Não se leia aqui saudosismo para com a missa do galo pois, que me lembre, da única vez a que assisti, quando regressámos a casa encontrámo-la cheia de fumo, devido a um tronco ter rolado da lareira e estar impávido e sereno a arder no meio da sala!
Mas com o desaparecimento da pertença da terra ficamos mais pobres, menos característicos, mesmo que essas características passassem por ser coisas como, os de aqui são teimosos, os de além são maricas, os de acolá são corajosos, os de não sei de onde são assim e assado, como se a laje que a parteira pisava no momento em que vieram ao mundo lhes conferisse traços comuns.
Com um mundo tão globalizado o número de terras dos nossos conhecidos aumentou: um é de Sevilha, outro do Rio de Janeiro, outro da Praia. Se eu tivesse a Praia como terra, era um dois em um, e tenho a certeza que me sentiria uma sereia, não como a Ariel, mas antes como as do Ulisses.
Bom, mas eu tenho terra. E família, nessa terra. Família viva, os meus tios, e família morta, os meus avós, cujos restos mortais estão no local mais soalheiro do cemitério, contra a vontade da minha tia que cada vez que lá vai no Verão, discute com a minha avó sobre a escolha do sítio, tão à soalheira, tão à calorina, e repete que foi mal escolhido como se ainda pudessem mudar. Farto-me de rir com estas críticas e imagino a minha avó, gorda e redonda como a mais bela lua cheia a virar a cara de lado e a rir-se como quem não quer desdizer uma criança, e o meu avô a franzir as sobrancelhas e a abanar a cabeça, enquanto diz à filha, eu escolhi a minha, escolhe tu a tua.
Não sendo ateniense nem grega, sou do sítio onde estou, capacidades de adaptação não me faltam, e dos sítios de onde trouxe memórias e a aldeia dos meus avós deu-me muitas, muitíssimas.
Acredito pois que as raízes crescem em torno das pessoas, com terra ou sem ela, no mar ou no céu e onde houver boa-vontade. É pena que esta boa-vontade seja cada vez interiorizada, obrigação dos outros para connosco, e não espontânea e pura, nossa para com o mundo. Afinal, vivemos todos na Terra.
As gerações mais novas nascem nas cidades, onde vivem na maior parte das vezes, e a deslocação à terra faz-se quase sempre com um grito da mãe ou do pai. Não, não era isto que eu queria dizer, embora seja verdade.
Já não se nasce em casa, esqueçamos agora os novos movimentos a favor dos partos naturais em casa, com piscinas de bebés e essas coisas, nasce-se nos hospitais e os hospitais são cada vez menos, de modo que a concentração de nascimentos é maior. A minha prima mais velha nasceu na aldeia, em casa, eu no hospital na vila mais próxima, os nossos filhos em Lisboa e Almada, locais partilhados por milhares e milhares, cujos pais têm no cartão de cidadão os mais diversos locais de nascimento, como Sobral da Adiça, concelho de Moura, distrito de Beja, ou Ruivaqueira, concelho e distrito de Leiria.
O Sobral e Ruivaqueira perderam filhos literalmente e os bastardos já não atestam o carro ao fim de semana e não se põem a caminho da terra.
As raízes estão mais concentradas desta forma? São mais fortes? É como se fosse um olival cujas árvores estão plantadas todas no mesmo sítio? Nada disso, antes pelo contrário. O sentido de pertença diluiu-se no estar sempre na terra, que deixou de ser terra, pois terra é a que fica longe, a que está perto, é aqui e aqui não é A terra.
Para ser terra tem que ser longe, se bem que o próprio longe de hoje seja em Londres ou em Paris e não em Santo Aleixo da Restauração ou em Chainça. Desapareceu aquela força invisível que puxava as pessoas no Natal ou na Páscoa para as aldeias, mesmo que não tivessem família. Quando A terra é nas cidades, depois da meia noite de 24 de Dezembro vai-se para a discoteca, onde o galo da missa não se ouve por mais que se esgane. Não se leia aqui saudosismo para com a missa do galo pois, que me lembre, da única vez a que assisti, quando regressámos a casa encontrámo-la cheia de fumo, devido a um tronco ter rolado da lareira e estar impávido e sereno a arder no meio da sala!
Mas com o desaparecimento da pertença da terra ficamos mais pobres, menos característicos, mesmo que essas características passassem por ser coisas como, os de aqui são teimosos, os de além são maricas, os de acolá são corajosos, os de não sei de onde são assim e assado, como se a laje que a parteira pisava no momento em que vieram ao mundo lhes conferisse traços comuns.
Com um mundo tão globalizado o número de terras dos nossos conhecidos aumentou: um é de Sevilha, outro do Rio de Janeiro, outro da Praia. Se eu tivesse a Praia como terra, era um dois em um, e tenho a certeza que me sentiria uma sereia, não como a Ariel, mas antes como as do Ulisses.
Bom, mas eu tenho terra. E família, nessa terra. Família viva, os meus tios, e família morta, os meus avós, cujos restos mortais estão no local mais soalheiro do cemitério, contra a vontade da minha tia que cada vez que lá vai no Verão, discute com a minha avó sobre a escolha do sítio, tão à soalheira, tão à calorina, e repete que foi mal escolhido como se ainda pudessem mudar. Farto-me de rir com estas críticas e imagino a minha avó, gorda e redonda como a mais bela lua cheia a virar a cara de lado e a rir-se como quem não quer desdizer uma criança, e o meu avô a franzir as sobrancelhas e a abanar a cabeça, enquanto diz à filha, eu escolhi a minha, escolhe tu a tua.
Não sendo ateniense nem grega, sou do sítio onde estou, capacidades de adaptação não me faltam, e dos sítios de onde trouxe memórias e a aldeia dos meus avós deu-me muitas, muitíssimas.
Acredito pois que as raízes crescem em torno das pessoas, com terra ou sem ela, no mar ou no céu e onde houver boa-vontade. É pena que esta boa-vontade seja cada vez interiorizada, obrigação dos outros para connosco, e não espontânea e pura, nossa para com o mundo. Afinal, vivemos todos na Terra.
Senhores ouvintes
Há tiques e manias que chateiam até dizer chega, mas uns chateiam mais que outros.
Há quem fale batendo ao de leve com as costas da mão no interlocutor, num tique repetido para chamar a atenção, sem se aperceber que, se a conversa for longa, pode deixar o outro com nódoas negras; há quem sugue saliva enquanto fala, o que me provoca um vómito que tento conter e me faz perder na conversa; há quem tenha tiques gestuais, enrolando uma madeixa de cabelo num dedo, fazendo uns irritantes rolinhos com post-it's, juntando os lábios e deixando sair um prr para indicar que não sabem alguma coisa ou que se estão nas tintas para outra; há quem sacuda uma caspa invisível dos ombros num movimento que desloca o olhar ora para o ombro esquerdo, ora para o direito como se não estivessem a prestar atenção ao que se diz; há quem limpe os óculos de minuto a minuto, como se quisesse fugir a alguma coisa ou mudar de assunto; há quem mude de assunto a meio da conversa, e aqui não sei se é mania ou simples má educação; há quem roa as unhas enquanto ouve; há quem se penteie com os dedos desde que esteja acordado; há quem repita as frases, o que me põe louca; há quem repita determinada palavra. Exactamente.
Durante algum tempo eu tive um tique de linguagem e repetia a propósito de tudo e de nada a expressão 'senhores ouvintes', até que houve uma alma caridosa que me chamou à atenção e fui modelando esta coisa chata até diminuir drasticamente a minha plateia auditiva. Sei que ganhei esta mania por contágio com um amigo, com quem ainda hoje troco 'senhores ouvintes' por graça.
Porém, fazem falta pessoas que alertem as outras para tiques e manias difíceis de suportar. Nem sempre é fácil, mas as coisas fáceis não têm tanta emoção.
Exactamente é a palavra de ordem de uma professora que dá aulas na escola diante da minha casa e com quem me cruzo ocasionalmente no café de manhã.
Já a tinha visto, óculos descaídos no nariz, cara triste e timbre de voz simpático, já a tinha ouvido mas nunca a tinha escutado, eu ao balcão ao pé da porta a engolir um café, ela sentada lá ao fundo a conversar com outras pessoas.
Na semana passada, por mero acaso, o balcão estava cheio e fui andando até encontrar um espaço onde pudesse estender a mão para segurar a chávena e lá estava ela a conversar, sentada. Exactamente. Exactamente. Exactamente. Contei uma dúzia no tempo de engolir um café e, dizem as minhas amigas, eu tenho goela de pato, engulo tudo de uma assentada, esteja quente ou esteja frio. Fiquei impressionada.
Ontem, café quase vazio, coloquei-me o mais perto possível da mesa que ela ocupava com uma amiga. Foram vinte e um exactamentes durante o meu super sónico café. Achei que tinha que fazer alguma coisa.
Saí e fiquei à porta, numa espera que durou apenas dois minutos. Pedi desculpa pela intromissão e disse-lhe que gostava de lhe dar uma palavra. Sorrindo, anuiu, fez sinal à amiga para continuar e eu comecei, repetindo o pedido de desculpa e dizendo que esperava que ela não levasse a mal a observação que eu ia fazer. De sobrancelhas um pouco franzidas de surpresa, incentivou-me com diga, diga, diga se faz favor.
E eu disse. Disse que há coisas nas quais não reparamos pois não se vêm ao espelho e, neste caso, o espelho devem ser as pessoas que nos rodeiam, para nos avisarem, como quem mostra que existe alternativa. Eu não sei se a senhora já reparou, mas diz exactamente palavra sim, palavra não.
A resposta dela arrancou-me uma gargalhada - Digo exactamente o quê? - o que me dificultou o serviço.
Exactamente, diz exactamente exactamente, a explicação seguia por um caminho esquisito e de repente achei que a senhora pensava que eu era uma maluquinha que tinha tirado o dia para a azucrinar, mas não.
Lá me fiz entender e no decorrer da conversa ela própria ouviu-se e abriu os olhos de surpresa; mais uns minutos de conversa, mais uns exactamentes que lhe arrancaram risos e, muito importante, um agradecimento que senti ser verdadeiro.
Hoje de manhã puseram-me o café à frente e disseram-me que era oferecido, por aquela senhora ali.
O espanto inicial da oferta do café transformou-se de imediato em sorriso, tanto mais que ela levantou-se da mesa, aproximou-se do balcão e disse, a sublinhar a primeira palavra:
- Exactamente, sou eu que ofereço. Quero agradecer-lhe.
Fiquei um bocado à conversa e ouvi-a queixar-se de colegas, alunos e, principalmente, familiares, que nunca a tinham chamado a atenção. Contou-me que era professora nos cursos profissionais e que, depois de termos falado, chegada à primeira aula da manhã no dia anterior, perguntou aos alunos se alguém contava as vezes que ela dizia exactamente. Silêncio. Ela insistiu e um deles afirmou que ao princípio sim, mas agora já estavam habituados. Falou com os colegas que se dividiram em dois grupos: os que começaram por afirmar que nunca tinham dado conta e os honestos, que disseram que sim. Em poucos minutos todos concordaram que achavam que ela desconhecia a existência da palavra sim e dizia sempre, e de forma repetida à exaustão, exactamente. Porque nunca lhe tinham dito nada?, questionou-se, porque ela podia levar a mal, porque não fazia mal a alguém, porque... porque não tiveram coragem. E já agora, como te deste conta? quiseram saber alguns. E ela contou que fora uma desconhecida que a alertara para um tique que, não fazendo mal a alguém, mas era desconfortável para quem ouvia e motivo de gozo para muitos.
Afirmei-lhe o que sinto, que andamos por cá para ajudar quem se cruza connosco, conhecido ou desconhecido e que ficava contente por ter ajudado. Com uns exactamentes pelo meio, mas em muito menor quantidade, despedimo-nos com um franco aperto de mão.
Há quem fale batendo ao de leve com as costas da mão no interlocutor, num tique repetido para chamar a atenção, sem se aperceber que, se a conversa for longa, pode deixar o outro com nódoas negras; há quem sugue saliva enquanto fala, o que me provoca um vómito que tento conter e me faz perder na conversa; há quem tenha tiques gestuais, enrolando uma madeixa de cabelo num dedo, fazendo uns irritantes rolinhos com post-it's, juntando os lábios e deixando sair um prr para indicar que não sabem alguma coisa ou que se estão nas tintas para outra; há quem sacuda uma caspa invisível dos ombros num movimento que desloca o olhar ora para o ombro esquerdo, ora para o direito como se não estivessem a prestar atenção ao que se diz; há quem limpe os óculos de minuto a minuto, como se quisesse fugir a alguma coisa ou mudar de assunto; há quem mude de assunto a meio da conversa, e aqui não sei se é mania ou simples má educação; há quem roa as unhas enquanto ouve; há quem se penteie com os dedos desde que esteja acordado; há quem repita as frases, o que me põe louca; há quem repita determinada palavra. Exactamente.
Durante algum tempo eu tive um tique de linguagem e repetia a propósito de tudo e de nada a expressão 'senhores ouvintes', até que houve uma alma caridosa que me chamou à atenção e fui modelando esta coisa chata até diminuir drasticamente a minha plateia auditiva. Sei que ganhei esta mania por contágio com um amigo, com quem ainda hoje troco 'senhores ouvintes' por graça.
Porém, fazem falta pessoas que alertem as outras para tiques e manias difíceis de suportar. Nem sempre é fácil, mas as coisas fáceis não têm tanta emoção.
Exactamente é a palavra de ordem de uma professora que dá aulas na escola diante da minha casa e com quem me cruzo ocasionalmente no café de manhã.
Já a tinha visto, óculos descaídos no nariz, cara triste e timbre de voz simpático, já a tinha ouvido mas nunca a tinha escutado, eu ao balcão ao pé da porta a engolir um café, ela sentada lá ao fundo a conversar com outras pessoas.
Na semana passada, por mero acaso, o balcão estava cheio e fui andando até encontrar um espaço onde pudesse estender a mão para segurar a chávena e lá estava ela a conversar, sentada. Exactamente. Exactamente. Exactamente. Contei uma dúzia no tempo de engolir um café e, dizem as minhas amigas, eu tenho goela de pato, engulo tudo de uma assentada, esteja quente ou esteja frio. Fiquei impressionada.
Ontem, café quase vazio, coloquei-me o mais perto possível da mesa que ela ocupava com uma amiga. Foram vinte e um exactamentes durante o meu super sónico café. Achei que tinha que fazer alguma coisa.
Saí e fiquei à porta, numa espera que durou apenas dois minutos. Pedi desculpa pela intromissão e disse-lhe que gostava de lhe dar uma palavra. Sorrindo, anuiu, fez sinal à amiga para continuar e eu comecei, repetindo o pedido de desculpa e dizendo que esperava que ela não levasse a mal a observação que eu ia fazer. De sobrancelhas um pouco franzidas de surpresa, incentivou-me com diga, diga, diga se faz favor.
E eu disse. Disse que há coisas nas quais não reparamos pois não se vêm ao espelho e, neste caso, o espelho devem ser as pessoas que nos rodeiam, para nos avisarem, como quem mostra que existe alternativa. Eu não sei se a senhora já reparou, mas diz exactamente palavra sim, palavra não.
A resposta dela arrancou-me uma gargalhada - Digo exactamente o quê? - o que me dificultou o serviço.
Exactamente, diz exactamente exactamente, a explicação seguia por um caminho esquisito e de repente achei que a senhora pensava que eu era uma maluquinha que tinha tirado o dia para a azucrinar, mas não.
Lá me fiz entender e no decorrer da conversa ela própria ouviu-se e abriu os olhos de surpresa; mais uns minutos de conversa, mais uns exactamentes que lhe arrancaram risos e, muito importante, um agradecimento que senti ser verdadeiro.
Hoje de manhã puseram-me o café à frente e disseram-me que era oferecido, por aquela senhora ali.
O espanto inicial da oferta do café transformou-se de imediato em sorriso, tanto mais que ela levantou-se da mesa, aproximou-se do balcão e disse, a sublinhar a primeira palavra:
- Exactamente, sou eu que ofereço. Quero agradecer-lhe.
Fiquei um bocado à conversa e ouvi-a queixar-se de colegas, alunos e, principalmente, familiares, que nunca a tinham chamado a atenção. Contou-me que era professora nos cursos profissionais e que, depois de termos falado, chegada à primeira aula da manhã no dia anterior, perguntou aos alunos se alguém contava as vezes que ela dizia exactamente. Silêncio. Ela insistiu e um deles afirmou que ao princípio sim, mas agora já estavam habituados. Falou com os colegas que se dividiram em dois grupos: os que começaram por afirmar que nunca tinham dado conta e os honestos, que disseram que sim. Em poucos minutos todos concordaram que achavam que ela desconhecia a existência da palavra sim e dizia sempre, e de forma repetida à exaustão, exactamente. Porque nunca lhe tinham dito nada?, questionou-se, porque ela podia levar a mal, porque não fazia mal a alguém, porque... porque não tiveram coragem. E já agora, como te deste conta? quiseram saber alguns. E ela contou que fora uma desconhecida que a alertara para um tique que, não fazendo mal a alguém, mas era desconfortável para quem ouvia e motivo de gozo para muitos.
Afirmei-lhe o que sinto, que andamos por cá para ajudar quem se cruza connosco, conhecido ou desconhecido e que ficava contente por ter ajudado. Com uns exactamentes pelo meio, mas em muito menor quantidade, despedimo-nos com um franco aperto de mão.
terça-feira, 11 de junho de 2013
O que são 10 anos?
Tenho andado arredada daqui. Faço-me à pista com frequência mas depois há sempre qualquer coisa que me afasta. E têm sido coisas boas.
Tenho lido e escrito em várias vertentes, que nem uma maluquinha : preparar importantes documentos de trabalho, preparar aulas no âmbito de um seminário específico que me pediram para dar, corrigir trabalhos académicos, ler muito para melhor preparar e fazer tudo o que tenho entre mãos.
São muitas horas seguidas, o trabalho persegue-me e acaba por entrar comigo em casa, acompanhando-me noite dentro.
Não paro de pensar ou, na opinião de alguns que trabalham comigo, não paro para pensar... no mal que isto me faz. Mal? Qual mal, qual quê? Sinto-me bem, raciocino à velocidade da luz, escrevo com desenvoltura em temas poucos férteis em diversidade de linguagem e a cada dia me sinto mais viva. Cansada também, confesso.
E foi pelo cansaço acumulado que aceitei fazer companhia num passeio que ia de Lisboa a Fátima, Batalha, Alcobaça, Nazaré e Óbidos, um passeio turístico com cinco filipinos. Filipinos pessoas, não bolos.
Estes habitantes de Manila em turismo por Portugal conquistaram-me. Não por viveram do outro lado do mundo, não por falarem uma língua da qual eu não percebo nada mas da qual adoro a sonoridade, não por serem muito sorridentes, não pela mescla de línguas que se proporcionavam, pois as crianças falavam inglês e espanhol, o motorista só falava português e o casal, pais das três crianças, expressava-se em inglês, com uns erres a menos, de vez em quando, não por me terem oferecido o almoço, não por pensarem que eu era a guia e me terem querido pagar.
A conquista foi-se dando à medida que íamos comendo quilómetros, que íamos falando e rindo, enquanto eu contava todas as lendas do nosso Portugal, a pedido da mãe, e com todos os olhos em bico muito abertos, ia acrescentando pormenores às histórias, que passaram pelo Pedro e Inês, pelo Condestável, mas também pela longínqua princesa alentejana Salúquia, quando me faltou conversa e ela insistia em mais e mais.
A gota de água da conquista deu-se, não em Aljubarrota, mas quando nos perguntaram a idade.
Devolvi a pergunta querendo saber quantos anos nos davam.
E assim, o motorista com uns escassos 40 anos foi avaliado em 45 ou 46 e a mim foram-me atribuídos uns generosos 38 aninhos. Ora, quem nos tira dez anos é merecedor da nossa entrega, principalmente se fizerem cara de quem não acredita quando teimamos em dizer que são 48 e repetem, 48? Are you sure?
Absoluta, amigos, absoluta.
Tenho lido e escrito em várias vertentes, que nem uma maluquinha : preparar importantes documentos de trabalho, preparar aulas no âmbito de um seminário específico que me pediram para dar, corrigir trabalhos académicos, ler muito para melhor preparar e fazer tudo o que tenho entre mãos.
São muitas horas seguidas, o trabalho persegue-me e acaba por entrar comigo em casa, acompanhando-me noite dentro.
Não paro de pensar ou, na opinião de alguns que trabalham comigo, não paro para pensar... no mal que isto me faz. Mal? Qual mal, qual quê? Sinto-me bem, raciocino à velocidade da luz, escrevo com desenvoltura em temas poucos férteis em diversidade de linguagem e a cada dia me sinto mais viva. Cansada também, confesso.
E foi pelo cansaço acumulado que aceitei fazer companhia num passeio que ia de Lisboa a Fátima, Batalha, Alcobaça, Nazaré e Óbidos, um passeio turístico com cinco filipinos. Filipinos pessoas, não bolos.
Estes habitantes de Manila em turismo por Portugal conquistaram-me. Não por viveram do outro lado do mundo, não por falarem uma língua da qual eu não percebo nada mas da qual adoro a sonoridade, não por serem muito sorridentes, não pela mescla de línguas que se proporcionavam, pois as crianças falavam inglês e espanhol, o motorista só falava português e o casal, pais das três crianças, expressava-se em inglês, com uns erres a menos, de vez em quando, não por me terem oferecido o almoço, não por pensarem que eu era a guia e me terem querido pagar.
A conquista foi-se dando à medida que íamos comendo quilómetros, que íamos falando e rindo, enquanto eu contava todas as lendas do nosso Portugal, a pedido da mãe, e com todos os olhos em bico muito abertos, ia acrescentando pormenores às histórias, que passaram pelo Pedro e Inês, pelo Condestável, mas também pela longínqua princesa alentejana Salúquia, quando me faltou conversa e ela insistia em mais e mais.
A gota de água da conquista deu-se, não em Aljubarrota, mas quando nos perguntaram a idade.
Devolvi a pergunta querendo saber quantos anos nos davam.
E assim, o motorista com uns escassos 40 anos foi avaliado em 45 ou 46 e a mim foram-me atribuídos uns generosos 38 aninhos. Ora, quem nos tira dez anos é merecedor da nossa entrega, principalmente se fizerem cara de quem não acredita quando teimamos em dizer que são 48 e repetem, 48? Are you sure?
Absoluta, amigos, absoluta.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Long live the queen
A Dona Maria Augusta tem 89 anos, é cega do olho esquerdo, usa uns óculos enormes, um lenço colorido tapa-lhe a cabeça e adormece meio desapertado por baixo do pescoço, as saias afagam-lhe os artelhos enquanto entra no metro com destino à Baixa onde trabalhou a vida inteira como vendedora de jornais.
Entra na Pontinha e eu dou-lhe o lugar com um objectivo altamente egoísta: o de ir a conversar com ela o resto do percurso.
O passeio subterrâneo hoje passou-se com a descrição de como punha os braços para carregar os jornais que vendia pela rua enquanto gritava Olhó Século, Olhó Notícias.
Do problema de vista que transporta tem sempre os olhos muito vermelhos, mas quem chora sou eu.
Apetece-me beijar-lhe as rugas, muitas, como se cada beijo e afago me levassem no tempo para épocas que não vivi e que ela partilha comigo; imagino-a jovem e viçosa, marota, irresistível. Se aos 89 tem aquela cabeça, aquela força, aquele brilho no olhar, aquele sorriso, eu teria adorado tê-la conhecido e ser sua amiga.
Nos dias de hoje não temos uma amizade, não se lhe pode chamar isso, ela tem gratidão pela pessoa que lhe dá sempre o lugar no metro. Já aconteceu eu ir a ler e não a ver entrar e ela seguir em pé pois não há quem se levante para dar o lugar à História.
Eu por ela sinto um respeito enorme, um carinho do mesmo tamanho, uma grande admiração e alguma inveja. Algo me diz que não chegarei onde ela está.
Vida longa à Dona Maria Augusta.
Entra na Pontinha e eu dou-lhe o lugar com um objectivo altamente egoísta: o de ir a conversar com ela o resto do percurso.
O passeio subterrâneo hoje passou-se com a descrição de como punha os braços para carregar os jornais que vendia pela rua enquanto gritava Olhó Século, Olhó Notícias.
Do problema de vista que transporta tem sempre os olhos muito vermelhos, mas quem chora sou eu.
Apetece-me beijar-lhe as rugas, muitas, como se cada beijo e afago me levassem no tempo para épocas que não vivi e que ela partilha comigo; imagino-a jovem e viçosa, marota, irresistível. Se aos 89 tem aquela cabeça, aquela força, aquele brilho no olhar, aquele sorriso, eu teria adorado tê-la conhecido e ser sua amiga.
Nos dias de hoje não temos uma amizade, não se lhe pode chamar isso, ela tem gratidão pela pessoa que lhe dá sempre o lugar no metro. Já aconteceu eu ir a ler e não a ver entrar e ela seguir em pé pois não há quem se levante para dar o lugar à História.
Eu por ela sinto um respeito enorme, um carinho do mesmo tamanho, uma grande admiração e alguma inveja. Algo me diz que não chegarei onde ela está.
Vida longa à Dona Maria Augusta.
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