A boca é um sitío sagrado e quando pedimos encarecidamente que lá metam afiados instrumentos metálicos e façam qualquer coisa, é porque o desespero é grande. Com os sentidos a fraquejar ouço o entendido dizer que preciso extrair os dentes. Primeiro penso ser um problema de audição e juro logo ali mentalmente não dar tantos mergulhos no próximo Verão. Depois percebo que ouvi perfeitamente. A coisa será feita por fases, um de cada vez, escusado será dizer que a brincadeira me vai custar uma fortuna, mas eu pago até duas fortunas para ficar sem dores e para curar esta doença pariodental ou algo que o valha, que me está a fazer abanar os dentes, como a uma criança, e que o dentista afirma, e se ele é o dentista, ele lá saberá, é melhor tirá-los antes que caiam, antes que eu fique com ar de avó. A fortuna será paga na semana que vem e uma vez que não sei como o farei, estou a pensar pagar em marfim, ou seja, deixando ficar os meus dentes para que façam o que entenderem com eles.
Mas como isto era uma brincadeirinha aos olhos do divino, a dor que trazia num ombro agudizou-se, saí do dentista e fui ao hospital onde a senhora doutora me informou que tinha uma tendinite, doença de gente maricas, achava eu até agora. Como é possível doer tanto? Custa-me fazer uma das coisas mais importantes da vida: escrever. Está tudo dito.
Mas como era pouco, comecei com umas dores de barriga esquisitas, das quais tinha lembrança mas não conseguia perceber de que gaveta das memórias. Quando ficaram bravas, lembrei-me: são dores menstruais.
Tive que me rir; há anos que as não tinha e resolveram visitar-me hoje, logo hoje.
Que raio de dia. A noite não foi melhor e o dia seguinte pareceu-me uma desinteressante repetição, com mais médicos, mais dores e alguns, poucos, telefonemas a perguntarem por mim.
Tudo me estafa por via das dores do ombro que me deixam quase sem respirar e se ontem eram muitas, hoje, mesmo com analgésicos parecem cataratas em dia de chuva intensa.
Vou tentar ficar quieta. Juro que farei todos os esforços. Mas sem me mexer, sem debitar assunto com uma boca dorida e ardente, enrolada num cobertor deitada sem força para ler SEQUER, vou adormecer. Pergunto: o que acordará? Eu não sou com certeza.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
sábado, 20 de novembro de 2010
A mulher do Sr. P.
Hoje fui a um velório. O Sr. P. era um ou dois anos mais velho que eu mas o relacionamento era de senhor de mim para ele e acho que nunca lhe ouvi o meu nome. Os nosso filhos jogaram no mesmo clube e equipa durante alguns anos e encontrávamo-nos nos jogos e, ocasionalmente, nos treinos onde ele não faltava e eu ia de vez em quando.
Todos conhecíamos a relação do Sr. P. com o filho, de exigência na vida escolar, que era e é um caminho sem pedras para o jovem, daqueles caminhos que queremos e sonhamos para os nossos filhos.
Quando soubemos que ele estava doente, nem queríamos acreditar. Era uma pessoa cuidadosa com a alimentação, não fumava. Qualquer um de nós merecia mais do que o Sr. P. se isto fosse um concurso onde ganhasse o mais desleixado. Mas foi a ele que calhou a lotaria do inferno, a nós cabe-nos ficar a assistir, com um imenso nó na garganta.
Estive três minutos no velório. Encarei a cara exausta da mulher do Sr. P, com o sorriso de sempre, meigo, terno, acolhedor, mesmo quando se deu tudo e se está de mãos vazias depois dum processo como o de uma doença prolongada como a do marido. O filho sentado esperava. A minha vontade de chorar foi maior que tudo e apesar de ter ainda trocado meia dúzia de palavras com amigos e conhecidos lá presentes, agarrei na minha imensa fraqueza e fui embora no meio do raio e do relâmpago que me trouxera. Dez metros acima senti que tinha dificuldades em respirar e disse-o ao meu filho que me acompanhava. As injustiças tiram-nos o oxigénio. Entrei no carro a chorar como sempre fiz quando ia ao supermercado ao fim-de-semana e via a mulher do Sr. P. e lhe perguntava por ele. Com o mesmo sorriso franco e aberto ela falava da doença do marido e da sua exaustão. Mas tudo dito com um sorriso, enquanto trabalhava, sem parar de se mexer. Eu saía, entrava no carro e ligava a alguém, a minha mãe ou uma amiga, com quem partilhava lágrimas que sentia não serem minhas, mas dela e que apenas não as chorava porque a vida não lhe dava um minuto de descanso. Nunca convivi com eles mas a cada visão daquela mulher baixinha de onde emergia uma força insuspeita, para trabalhar, tratar do filho, do marido e sorrir a quase desconhecidos sempre me impressionou e me criou um enorme respeito por ela. Ela estava sempre a sorrir e suponho que agora terá tempo para o fazer e doutra maneira.
Há desejos que nascem no nosso peito e que ficam ali, mesmo que não falem, que não se manifestem. Um desses inquilinos meus era que a vida corresse bem à mulher do Sr. P., pela sua aura de pessoa calma, por tudo o que sabia que estava a passar e acima de tudo pela partilha daquele sorriso tão profundo com que brindava todos, eu incluída, sem que ela suspeitasse do agradecimento imenso que lhe fazia cá dentro. O sorriso é a alma daquela mulher, uma alma partilhada, serena e profundamente humana.
Quando a encontrava e ela me contava os progressos e regressos da doença do marido eu comentava com quem escolhia para desabafar que me punha a imaginar o interior dela, sem nunca conseguir chegar perto daquela força, tão grande que me fazia sentir minúscula. E assim remetia-me e remeto-me à minha insignificância perante pessoas a cujos calcanhares sinto que nunca chegarei. A minha solidariedade para com a mulher, e filho, do Sr. P. fica aqui expressa embora seja só uma pequena amostra daquela que verdadeiramente sinto.
Que tenha o descanso que merece.
Todos conhecíamos a relação do Sr. P. com o filho, de exigência na vida escolar, que era e é um caminho sem pedras para o jovem, daqueles caminhos que queremos e sonhamos para os nossos filhos.
Quando soubemos que ele estava doente, nem queríamos acreditar. Era uma pessoa cuidadosa com a alimentação, não fumava. Qualquer um de nós merecia mais do que o Sr. P. se isto fosse um concurso onde ganhasse o mais desleixado. Mas foi a ele que calhou a lotaria do inferno, a nós cabe-nos ficar a assistir, com um imenso nó na garganta.
Estive três minutos no velório. Encarei a cara exausta da mulher do Sr. P, com o sorriso de sempre, meigo, terno, acolhedor, mesmo quando se deu tudo e se está de mãos vazias depois dum processo como o de uma doença prolongada como a do marido. O filho sentado esperava. A minha vontade de chorar foi maior que tudo e apesar de ter ainda trocado meia dúzia de palavras com amigos e conhecidos lá presentes, agarrei na minha imensa fraqueza e fui embora no meio do raio e do relâmpago que me trouxera. Dez metros acima senti que tinha dificuldades em respirar e disse-o ao meu filho que me acompanhava. As injustiças tiram-nos o oxigénio. Entrei no carro a chorar como sempre fiz quando ia ao supermercado ao fim-de-semana e via a mulher do Sr. P. e lhe perguntava por ele. Com o mesmo sorriso franco e aberto ela falava da doença do marido e da sua exaustão. Mas tudo dito com um sorriso, enquanto trabalhava, sem parar de se mexer. Eu saía, entrava no carro e ligava a alguém, a minha mãe ou uma amiga, com quem partilhava lágrimas que sentia não serem minhas, mas dela e que apenas não as chorava porque a vida não lhe dava um minuto de descanso. Nunca convivi com eles mas a cada visão daquela mulher baixinha de onde emergia uma força insuspeita, para trabalhar, tratar do filho, do marido e sorrir a quase desconhecidos sempre me impressionou e me criou um enorme respeito por ela. Ela estava sempre a sorrir e suponho que agora terá tempo para o fazer e doutra maneira.
Há desejos que nascem no nosso peito e que ficam ali, mesmo que não falem, que não se manifestem. Um desses inquilinos meus era que a vida corresse bem à mulher do Sr. P., pela sua aura de pessoa calma, por tudo o que sabia que estava a passar e acima de tudo pela partilha daquele sorriso tão profundo com que brindava todos, eu incluída, sem que ela suspeitasse do agradecimento imenso que lhe fazia cá dentro. O sorriso é a alma daquela mulher, uma alma partilhada, serena e profundamente humana.
Quando a encontrava e ela me contava os progressos e regressos da doença do marido eu comentava com quem escolhia para desabafar que me punha a imaginar o interior dela, sem nunca conseguir chegar perto daquela força, tão grande que me fazia sentir minúscula. E assim remetia-me e remeto-me à minha insignificância perante pessoas a cujos calcanhares sinto que nunca chegarei. A minha solidariedade para com a mulher, e filho, do Sr. P. fica aqui expressa embora seja só uma pequena amostra daquela que verdadeiramente sinto.
Que tenha o descanso que merece.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
O táxista
Depois de um jantar onde comemorámos uma vitória profissional, apanhei um táxi com três colegas. Entrámos na Avenida da Liberdade e o taxista antes de ouvir o destino deu quatro gritos feito louco. Imediatamente a seguir sorriu-nos e disse que era um por cada golo. Ora eu nem sabia de que jogo, de modo que fiquei atónita com aquela recepção. Uma das minhas colegas tinha bebido um bocadinho demais e desatrelou a língua que lhe rodava na boca ao sabor da inspiração do álcool ingerido o que provocou enormes gargalhadas. Deixei-as ainda em Lisboa e fiz o resto do percurso a ouvir histórias que raiavam a pornografia sobre clientela da noite no palco do banco traseiro do táxi. Aquele onde eu sentava o meu rabinho. Pedi ao taxista que baixasse o volume do rádio alegando estar com uma dor de cabeça enorme, quando o que queria era dar-lhe a entender que se calasse. O que é que eu fui dizer? Então não se vê logo que aquilo não é rádio? O homem carrega num botão da aparelhagem e saca duma cassete áudio com ar de ter andado na mão de algum faraó e esclarece aqui a tontinha que aquilo era Pink Floyd! Abanava a cassete com uma mão ligada ao braço que se estendia para as traseiras do carro de tal forma que temi pela nossa segurança. Não percebia se ele queria que eu lhe pegasse e verificasse à força de dedos que aquilo era Pink Floyd!
- Tem razão, tem razão, mas sabe, é que a dor de cabeça é tanta que eu já nem vejo nem ouço… - dizia eu com os sentidos mais alerta que nunca e arrependendo-me imediatamente de me ter colocado num situação de aparente fragilidade perante aquele demónio.
E entre descrições de meretrizes de várias nacionalidades, noitadas regurgitantes, ordinários que ousaram negar o pagamento pela corrida de táxi (ou melhor, de táx, para ser precisa com a pronunciação do condutor), lembranças de noites geladas piores que as do pico do Inverno na Sibéria, fomos comendo quilómetros em direcção ao meu carro, cujo avistamento já me tardava.
Chegados ao local insiste o homem em dar-me o telefone para que lhe ligue em caso de necessidade. Já só estava à espera que me pedisse o meu. Paguei com generosa gorjeta e desejei boas noites enquanto abria a porta para fugir dali, quando o ouço dizer que me acompanhará até ao carro! Esgrimi dois ou três não é preciso mas não valeu de nada. Antes que eu tirasse o saco que levava já ele estava a segurar-me a porta como se eu fosse a Cinderela!
Nesta fase debitava assunto sobre o filho, rapaz de 18 anos com queda para mulherengo, característica que herdara do pai, que assim o afirmava orgulhoso. Enquanto isto, eu metia a mão na mala em demanda pela chave do carro que apareceu nas primeiras apalpadelas no meio da confusão geral que parece uma secção de perdidos e achados.
Entre mais um ou dois obrigados ríspidos e enfastiados meti-me no carro com poucas cerimónias e tranquei as portas enquanto o homem me acenava.
- Tem razão, tem razão, mas sabe, é que a dor de cabeça é tanta que eu já nem vejo nem ouço… - dizia eu com os sentidos mais alerta que nunca e arrependendo-me imediatamente de me ter colocado num situação de aparente fragilidade perante aquele demónio.
E entre descrições de meretrizes de várias nacionalidades, noitadas regurgitantes, ordinários que ousaram negar o pagamento pela corrida de táxi (ou melhor, de táx, para ser precisa com a pronunciação do condutor), lembranças de noites geladas piores que as do pico do Inverno na Sibéria, fomos comendo quilómetros em direcção ao meu carro, cujo avistamento já me tardava.
Chegados ao local insiste o homem em dar-me o telefone para que lhe ligue em caso de necessidade. Já só estava à espera que me pedisse o meu. Paguei com generosa gorjeta e desejei boas noites enquanto abria a porta para fugir dali, quando o ouço dizer que me acompanhará até ao carro! Esgrimi dois ou três não é preciso mas não valeu de nada. Antes que eu tirasse o saco que levava já ele estava a segurar-me a porta como se eu fosse a Cinderela!
Nesta fase debitava assunto sobre o filho, rapaz de 18 anos com queda para mulherengo, característica que herdara do pai, que assim o afirmava orgulhoso. Enquanto isto, eu metia a mão na mala em demanda pela chave do carro que apareceu nas primeiras apalpadelas no meio da confusão geral que parece uma secção de perdidos e achados.
Entre mais um ou dois obrigados ríspidos e enfastiados meti-me no carro com poucas cerimónias e tranquei as portas enquanto o homem me acenava.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Sexta-feira, dia de Cimeira
Sexta-feira não trabalho. A Cimeira assim o impõe.
Vou vestir o meu fato de marinheiro e visitar os meus sobrinhos! Não posso? Porquê? Ah… vão fechar a ponte Vasco da Gama. Não faz mal, vou vestir a bata de manga-de-alpaca e vou ver a malta lá de Almada, antigos colegas do arquivo. Não posso? Porquê? Ah…vão fechar a ponte 25 de Abril.
Bem, então vou enfiar uns calções e caminhar no paredão ali para o Estoril. Não posso? Porquê? Ah… está em obras.
Em casa não fico! Vou fazer umas compras ao Colombo. Não posso? Porquê? Ah… não tenho dinheiro.
Vou vestir o meu fato de marinheiro e visitar os meus sobrinhos! Não posso? Porquê? Ah… vão fechar a ponte Vasco da Gama. Não faz mal, vou vestir a bata de manga-de-alpaca e vou ver a malta lá de Almada, antigos colegas do arquivo. Não posso? Porquê? Ah…vão fechar a ponte 25 de Abril.
Bem, então vou enfiar uns calções e caminhar no paredão ali para o Estoril. Não posso? Porquê? Ah… está em obras.
Em casa não fico! Vou fazer umas compras ao Colombo. Não posso? Porquê? Ah… não tenho dinheiro.
Devaneios (em Fá?) para Caderneta
A Caderneta ao vivo faz-nos delirar, pelo menos a mim. Revejo aqueles quatro da vida airada e começo num processo de reencarnação com os mais desvairados designs:
D’Artacão e os 3 Moscãoteiros; Os Irmãos Dalton; Heidi, Pedro, Clara e o Avô; A Chapi, o Chapo e os dois chapéus; Do Carrossel Mágico, o Franjinhas, a Anica, o Saltitão e o Ambrósio; A Maia, o Willy, o Flip e a Cassandra; Da Árvore dos Patafúrdios, o caixeiro-viajante Tomé, a Salomé e os seus rebentos Patafúrdinhos, Murcão e Canelão; A Pipi, a Anika, o Tommy e o macaco Nilsson (ou, em alternativa, o cavalo Sarapintado); Os Soldados da Fortuna; Os Jovens Heróis de Shaolin, Hung Hei Goon, Fong Sai Yuk e Woo Wai Kin (bem sei que só são 3, mas as personagens exigem algum físico e obedecem a critérios de altura mínima, e como fica sempre bem um narrador…)
Porém, se fosse eu a escolher uma encarnação para a equipa maravilha da Rádio Comercial, a eleição iria para o Terceiro Calhau a Contar do Sol, com o Ribeiro como Dick Solomon, Palmeirim a viver dentro do pequeno (desculpe, era escusado…) Tommy, Miranda calçada de saltos para se alcandorar à Sally e, claro, Markl como Harry, personagem que lhe ficava a matar, ou não fosse Harry o animal de estimação dos outros lá do planeta ou sistema solar de onde vieram, e que melhor animal de estimação do que um cão, e quem é que tem experiências com cães, quem é?
O espírito lunático daquela malta adequa-se na perfeição e John Lightgow aceitaria de bom grado ser o actor convidado, sem argumento, a falar em inglês, dizendo apenas o que lhe ocorreria perante o confronto com alienígenas que saiam, como que por artes mágicas, de dentro duma telefonia antiga.
Nas lembranças e nas memórias não há crises nem economias à beira do abismo, mas há sorrisos ternos e um conjunto de momentos que vivem em nós e que alguém conseguiu expor de forma colectiva, trazendo também gente muito jovem para observar e admirar as glórias de outras adolescências, muitas delas hoje na figura de chatas quarentonas e aborrecidos quarentões, que se revisitam através da Caderneta e até parecem diferentes diante do espelho. Tudo o que já fomos continuamos a ser, guardando num qualquer sótão na cabeça ou no coração as acções ocorridas em dias de calendários antigos. A Caderneta ajuda a olhar para trás, a ver o nosso rasto e Nuno Markl é, sem qualquer espécie de dúvida, um explorador de passados a quem temos que dizer, Bem-haja!
D’Artacão e os 3 Moscãoteiros; Os Irmãos Dalton; Heidi, Pedro, Clara e o Avô; A Chapi, o Chapo e os dois chapéus; Do Carrossel Mágico, o Franjinhas, a Anica, o Saltitão e o Ambrósio; A Maia, o Willy, o Flip e a Cassandra; Da Árvore dos Patafúrdios, o caixeiro-viajante Tomé, a Salomé e os seus rebentos Patafúrdinhos, Murcão e Canelão; A Pipi, a Anika, o Tommy e o macaco Nilsson (ou, em alternativa, o cavalo Sarapintado); Os Soldados da Fortuna; Os Jovens Heróis de Shaolin, Hung Hei Goon, Fong Sai Yuk e Woo Wai Kin (bem sei que só são 3, mas as personagens exigem algum físico e obedecem a critérios de altura mínima, e como fica sempre bem um narrador…)
Porém, se fosse eu a escolher uma encarnação para a equipa maravilha da Rádio Comercial, a eleição iria para o Terceiro Calhau a Contar do Sol, com o Ribeiro como Dick Solomon, Palmeirim a viver dentro do pequeno (desculpe, era escusado…) Tommy, Miranda calçada de saltos para se alcandorar à Sally e, claro, Markl como Harry, personagem que lhe ficava a matar, ou não fosse Harry o animal de estimação dos outros lá do planeta ou sistema solar de onde vieram, e que melhor animal de estimação do que um cão, e quem é que tem experiências com cães, quem é?
O espírito lunático daquela malta adequa-se na perfeição e John Lightgow aceitaria de bom grado ser o actor convidado, sem argumento, a falar em inglês, dizendo apenas o que lhe ocorreria perante o confronto com alienígenas que saiam, como que por artes mágicas, de dentro duma telefonia antiga.
Nas lembranças e nas memórias não há crises nem economias à beira do abismo, mas há sorrisos ternos e um conjunto de momentos que vivem em nós e que alguém conseguiu expor de forma colectiva, trazendo também gente muito jovem para observar e admirar as glórias de outras adolescências, muitas delas hoje na figura de chatas quarentonas e aborrecidos quarentões, que se revisitam através da Caderneta e até parecem diferentes diante do espelho. Tudo o que já fomos continuamos a ser, guardando num qualquer sótão na cabeça ou no coração as acções ocorridas em dias de calendários antigos. A Caderneta ajuda a olhar para trás, a ver o nosso rasto e Nuno Markl é, sem qualquer espécie de dúvida, um explorador de passados a quem temos que dizer, Bem-haja!
Abaixo a Barba?!
Hora de jantar, Rua das Porta de Santo Antão.
Um grupo de seis ou sete raparigas à volta dos vintes seguram cartazes e seguem uma líder de megafone na mão que incita a homenzarrada a fazer a barba! Todas vestem calças tipo tropa e parecem imunes aos sorrisos de quem passa, transeuntes sorridentes apesar dos gritos estridentes.
A barba pica, ter barba de dois ou três dias não é sexy, são algumas das palavras de ordem, gritadas e repetidas, enquanto se passeiam entre o Dona Maria e o Coliseu, e voltam a subir e tornam a descer, enquanto levam com o fumo do vendedor de castanhas na cara. Dois ou três dias? O que diriam estas manifestantes a Jorge Ferreira Dias, empresário de construção civil que se manifestou contra a Câmara Municipal de Abrantes e não cortou a barba durante três anos em manifestação de protesto, exibindo-a com mais de 30 centímetros de comprimento? Que conselhos dariam aos participantes em concursos de barbas e bigodes que fazem as delícias do olhar perante tamanhas obras de arte?
De facto há barbas estranhas e completamente inestéticas, mas algo me diz que certas barbas fariam as palavras de ordem da manifestação passarem por um processo de falta de vitalidade, tornarem-se fracas, sussurradas e mudas perante certas outras barbas.
Mais, já estou a ver alguém com iniciativa e rapidez, a riscar os cartazes e adaptá-los em honra de certos peludos nem que fosse só em troca dum sorriso e, quem sabe, dum autógrafo, que até podia ser no cartaz.
Mas de onde é que terei tirado a ideia que não gostava de barbas?, pensariam elas arrependidíssimas!
Um grupo de seis ou sete raparigas à volta dos vintes seguram cartazes e seguem uma líder de megafone na mão que incita a homenzarrada a fazer a barba! Todas vestem calças tipo tropa e parecem imunes aos sorrisos de quem passa, transeuntes sorridentes apesar dos gritos estridentes.
Imagem retirada daqui |
A barba pica, ter barba de dois ou três dias não é sexy, são algumas das palavras de ordem, gritadas e repetidas, enquanto se passeiam entre o Dona Maria e o Coliseu, e voltam a subir e tornam a descer, enquanto levam com o fumo do vendedor de castanhas na cara. Dois ou três dias? O que diriam estas manifestantes a Jorge Ferreira Dias, empresário de construção civil que se manifestou contra a Câmara Municipal de Abrantes e não cortou a barba durante três anos em manifestação de protesto, exibindo-a com mais de 30 centímetros de comprimento? Que conselhos dariam aos participantes em concursos de barbas e bigodes que fazem as delícias do olhar perante tamanhas obras de arte?
De facto há barbas estranhas e completamente inestéticas, mas algo me diz que certas barbas fariam as palavras de ordem da manifestação passarem por um processo de falta de vitalidade, tornarem-se fracas, sussurradas e mudas perante certas outras barbas.
Mais, já estou a ver alguém com iniciativa e rapidez, a riscar os cartazes e adaptá-los em honra de certos peludos nem que fosse só em troca dum sorriso e, quem sabe, dum autógrafo, que até podia ser no cartaz.
Mas de onde é que terei tirado a ideia que não gostava de barbas?, pensariam elas arrependidíssimas!
Imagem retirada daqui |
terça-feira, 16 de novembro de 2010
A Cimeira versão Crómó
Saímos da Caderneta de Cromos e subimos a avenida da Liberdade em euforia, directos ao carro que tinha ficado quase em Moscavide (!), a misturar gargalhadas, a lembrar modas antigas, os kilt’s, saias em xadrez com o belo do alfinete, a suspirar pelo Sonny Crockett, com casaco branco ou sem casaco, não interessava nada. Rapidamente a conversa se cruzou com a vizinha cimeira, da qual idealizámos uma versão Cromó.
Barack Obama chegava e assim que se esticava para desentorpecer as pernocas era confrontado com as mais variadas figuras do passado dos adolescentes portugueses e era recebido pelo Presidente Cavaco que, com toda a comitiva portuguesa, saltavam e rodopiavam em plena pista de Figo Maduro com boti-botas metidas nas canelas, vigiados pela malta dos serviços secretos, todos aperaltados à Rambo.
Os jornalistas aproximavam-se de Obama mas, em vez de lhe apontarem microfones, estendiam-lhe gelados Fizz de limão e granizados Fá.
A alta hierarquia do Estado Português, ofegante e a suar abundantemente do esforço saltitão, aceitava os presentes protocolares e oferecia, com pompa, os primeiros exemplares de A Minha Agenda da Caderneta de Cromos ao presidente americano, enquanto a banda do exército acompanhava José Cid que troava Adios, adieu, auf wiedersehen, goodbye e Obama retrocedia em direcção ao Air Force One julgando que o mandavam embora com tanta despedida.
Sócrates corria, todos sabemos como o faz exemplarmente, na direcção de Obama, puxava-lhe pela manga do casaco e, como prova de amizade e pedido de desculpa, estendia-lhe um pacote de Peta Zetas. Obama ficava varado com os estalinhos e os seus secret services confundindo a coisa com algo pior, queriam começar à zarabatanada mas começava uma chuva de Fantasias de Natal e todos se rendiam e acabavam a beber leite com Milo.
Felizmente, logo a seguir chegámos a casa.
Barack Obama chegava e assim que se esticava para desentorpecer as pernocas era confrontado com as mais variadas figuras do passado dos adolescentes portugueses e era recebido pelo Presidente Cavaco que, com toda a comitiva portuguesa, saltavam e rodopiavam em plena pista de Figo Maduro com boti-botas metidas nas canelas, vigiados pela malta dos serviços secretos, todos aperaltados à Rambo.
Os jornalistas aproximavam-se de Obama mas, em vez de lhe apontarem microfones, estendiam-lhe gelados Fizz de limão e granizados Fá.
A alta hierarquia do Estado Português, ofegante e a suar abundantemente do esforço saltitão, aceitava os presentes protocolares e oferecia, com pompa, os primeiros exemplares de A Minha Agenda da Caderneta de Cromos ao presidente americano, enquanto a banda do exército acompanhava José Cid que troava Adios, adieu, auf wiedersehen, goodbye e Obama retrocedia em direcção ao Air Force One julgando que o mandavam embora com tanta despedida.
Sócrates corria, todos sabemos como o faz exemplarmente, na direcção de Obama, puxava-lhe pela manga do casaco e, como prova de amizade e pedido de desculpa, estendia-lhe um pacote de Peta Zetas. Obama ficava varado com os estalinhos e os seus secret services confundindo a coisa com algo pior, queriam começar à zarabatanada mas começava uma chuva de Fantasias de Natal e todos se rendiam e acabavam a beber leite com Milo.
Felizmente, logo a seguir chegámos a casa.
Popota e Leopoldina
Entre a Popota e a Leopoldina venha o Brad Pitt e escolha!
A Popota é mais sensual, modernaça, tem glamour, é sexy, desinibida e ostenta um olhar que lhe garantiria protagonismo em Casablanca se tivesse ido aos castings.
A Leopoldina é elegante, alta e tem um parentesco, ainda que afastado, com o Indiana Jones e a Lara Croft, penas amarelas sempre impecáveis, fazendo lembrar o Santo, cujo cabelo não saia do sítio mesmo que andasse às cambalhotas no meio dum enorme vendaval.
A Popota é toda Hollywood, a Leopoldina é aventura. A Popota, cujo cachet é maior, não tenho dúvidas, caso contrário onde ia ela buscar aquelas jóias?, é gordinha e reboluda mas enfrenta sem medos a beleza loura e esbelta da pássara. O encanto das curvas da hipopótama é sugestivo e faz semicerrar os olhos masculinos, que também olham com admiração as pernas da Leo! Que monumentos!
Esta dupla é, de longe, muito melhor que qualquer Tucha ou Barbie, ambas solteiras, não há cá Toni’s nem Ken’s a rondar as portas dos galinheiros nem dos tanques.
Fisicamente sou mais Popota, mas interiormente sou toda Leopoldina. É fácil imaginar a Popota de botas, calções verdes caqui, uma mochila às costas e um mapa na mão, enquanto a Leopoldina com um vestido de noite e um colar ao pescoço faz lembrar a Torre Eiffel naquelas caricaturas em que a punham como companhia do De Gaulle!
A minha escolha, embora com um leve esgar de indecisão, vai para a Popota! A Leo pode ser muito fofinha, mas a Popota deve ser mais divertida, tem ar de quem sabe contar anedotas para adultos, é mais dinâmica e versátil. A outra pode saber voar, mas a hipopótama não perde a compostura nem no trapézio! E com tanta dança, tanto movimento, antes do Natal está magra e graciosa como uma flaminga.
Imagem retirada daqui |
A Leopoldina é elegante, alta e tem um parentesco, ainda que afastado, com o Indiana Jones e a Lara Croft, penas amarelas sempre impecáveis, fazendo lembrar o Santo, cujo cabelo não saia do sítio mesmo que andasse às cambalhotas no meio dum enorme vendaval.
A Popota é toda Hollywood, a Leopoldina é aventura. A Popota, cujo cachet é maior, não tenho dúvidas, caso contrário onde ia ela buscar aquelas jóias?, é gordinha e reboluda mas enfrenta sem medos a beleza loura e esbelta da pássara. O encanto das curvas da hipopótama é sugestivo e faz semicerrar os olhos masculinos, que também olham com admiração as pernas da Leo! Que monumentos!
Imagem retirada daqui |
Fisicamente sou mais Popota, mas interiormente sou toda Leopoldina. É fácil imaginar a Popota de botas, calções verdes caqui, uma mochila às costas e um mapa na mão, enquanto a Leopoldina com um vestido de noite e um colar ao pescoço faz lembrar a Torre Eiffel naquelas caricaturas em que a punham como companhia do De Gaulle!
A minha escolha, embora com um leve esgar de indecisão, vai para a Popota! A Leo pode ser muito fofinha, mas a Popota deve ser mais divertida, tem ar de quem sabe contar anedotas para adultos, é mais dinâmica e versátil. A outra pode saber voar, mas a hipopótama não perde a compostura nem no trapézio! E com tanta dança, tanto movimento, antes do Natal está magra e graciosa como uma flaminga.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Ruiz Záfon, o lânguido!
Li A Sombra do Vento há vários anos na língua original. Chegou-me através dum amigo a quem lhe foi oferecido por uma amiga espanhola com dedicatória que não podia pisar o tapete da entrada, caso contrário a esposa não se mostraria nada lânguida.
Se lángido, languidez ou qualquer parente verbal são mais ou menos fluidos em castelhano, já o mesmo não se pode dizer em português, cuja utilização não é vulgar. Voltei a A Sombra do Vento depois de ler O Jogo do Anjo, desta feita em português, e constato que nunca tinha lido tanta vez lânguido, languescer, languesciam e toda a qualidade e feitio de seus familiares, como se houvesse para além daquela trama, uma outra, em forma de árvore genealógica do verbo languescer, enterrada no meio da descrição.
Agora que agarro em Marina, na sétima linha do primeiro capítulo aparece-me logo um rapaz a languescer! José Teixeira de Aguilar e Maria do Carmo Abreu, os tradutores de A Sombra do Vento e de Marina, facilitam e não o deviam fazer.
Estes pormenores fazem-me perder a vontade, tal como as gralhas que me gralham a vista, transformada em cinco sentidos quando leio, que o mesmo é dizer, quando coloco uma placa de Não Incomodar a toda a minha volta, aparentando-me com o reflexo dum néon que não pode ser tocado pois, para além de outras coisas, pode dar choque.
Admiro a Dom Quixote, entre outras, mas é destas pequenas coisas que é feita uma Editora que produz para leitores e não para consumidores obrigatórios, como a Porto Editora, ou ocasionais, como qualquer uma.
Se lángido, languidez ou qualquer parente verbal são mais ou menos fluidos em castelhano, já o mesmo não se pode dizer em português, cuja utilização não é vulgar. Voltei a A Sombra do Vento depois de ler O Jogo do Anjo, desta feita em português, e constato que nunca tinha lido tanta vez lânguido, languescer, languesciam e toda a qualidade e feitio de seus familiares, como se houvesse para além daquela trama, uma outra, em forma de árvore genealógica do verbo languescer, enterrada no meio da descrição.
Agora que agarro em Marina, na sétima linha do primeiro capítulo aparece-me logo um rapaz a languescer! José Teixeira de Aguilar e Maria do Carmo Abreu, os tradutores de A Sombra do Vento e de Marina, facilitam e não o deviam fazer.
Estes pormenores fazem-me perder a vontade, tal como as gralhas que me gralham a vista, transformada em cinco sentidos quando leio, que o mesmo é dizer, quando coloco uma placa de Não Incomodar a toda a minha volta, aparentando-me com o reflexo dum néon que não pode ser tocado pois, para além de outras coisas, pode dar choque.
Admiro a Dom Quixote, entre outras, mas é destas pequenas coisas que é feita uma Editora que produz para leitores e não para consumidores obrigatórios, como a Porto Editora, ou ocasionais, como qualquer uma.
No reservations!
Viajar, comer, estar com amigos e ir deixando rasto de amizades, é o que se faz em No reservations, pela mão de Anthony Bourdain, cujo cv na matéria pode ser grande, mas não se aproxima da diversidade de paladares que aquela boquinha santa já experimentou. O meu filho e eu assistimos ao programa, deitando lágrimas ocasionais pela tristeza de vida que o homem leva e sem ponta alguma de inveja. Pois.
Concluímos que este sim, era homem para mim: sem papas na língua, no que respeita ao comer e às opiniões, nem sempre ditas, mas expressas em off, para nós, telespectadores.
O site de Bourdain ou não é actualizado há séculos ou navega no futuro pois a última notícia, sobre os Açores, informa que o programa irá para o ar a 26 de Janeiro.
O Travel Channel aloja um blog deste aventureiro de faca e garfo onde Bourdain escreve umas palavras à velocidade aproximada de um post por mês. Na verdade, a expressão de faca e garfo é muito redutora, uma vez que ele mostra preferência por tudo o que seja tradicional e típico, no sentido verdadeiro das palavras e come com as mãos, de garfo, com colher e às vezes com um certo nojo, face às iguarias dignas dum beduíno.
Eu e o Duarte fartamo-nos de rir com a sugestão de acompanhamento parental para ver o programa, repetida e escrita no ecrã; é nítido que aquilo se destina maioritariamente a quem está convicto que as galinhas nascem em pelo e metidas numas cuvetes de onde saltam para a panela, que a carne de vaca, de porco, cabrito borrego ou o que seja, nasce às fatias vestida com película transparente e outras convicções tão fortes como estas.
Em Hollywood, e não só, mata-se por asfixia qualquer um, mas quando é um primo do Calimero a ter o gasganete apertado, ai que horror! A vampiragem que por ai anda baba-se a sugar pescoços, mas facas a sangrarem porcos, dão origem a gritos Aqui del rei! O Tarantino (vénia!) pode mandar Aldo, o Apache, tatuar suásticas na testa de nazis e nós aplaudimos, mas penas arrancadas do rabo duma galinha dão direito a lágrimas e reclamações junto de activistas dos direitos dos animais!
Filmes de terror, de guerra ou de estupidez, que também há muitos neste género, consomem-se mais que sms’s na véspera de Natal, mas leva-se mais depressa os meninos ao cinema do que se lhes mostra um documentário sobre a vida.
Bourdain não se rala nada e vai dançando de acordo com a música, às vezes fazendo trejeitos onde se adivinha a dificuldade em engolir mas com um pensamento forte e inabalável: há que experimentar!
Pela minha parte tenho sempre reserva feita para assistir ao deambular de quem me provoca inveja, que tão depressa está refastelado num restaurante, como a comer num vendedor ambulante no meio da rua. O segredo de tudo passa, acho eu, pelos compinchas que o vão guiando e lhe levam a mão à boca cheia de especialidades.
Gostava de conhecer esta personagem, que se irrita facilmente, que se aborrece, mas que sabe o que quer e do que gosta. Bem, também posso passar sem o conhecer, bastava-me andar atrás dele. Pois.
Concluímos que este sim, era homem para mim: sem papas na língua, no que respeita ao comer e às opiniões, nem sempre ditas, mas expressas em off, para nós, telespectadores.
O site de Bourdain ou não é actualizado há séculos ou navega no futuro pois a última notícia, sobre os Açores, informa que o programa irá para o ar a 26 de Janeiro.
O Travel Channel aloja um blog deste aventureiro de faca e garfo onde Bourdain escreve umas palavras à velocidade aproximada de um post por mês. Na verdade, a expressão de faca e garfo é muito redutora, uma vez que ele mostra preferência por tudo o que seja tradicional e típico, no sentido verdadeiro das palavras e come com as mãos, de garfo, com colher e às vezes com um certo nojo, face às iguarias dignas dum beduíno.
Eu e o Duarte fartamo-nos de rir com a sugestão de acompanhamento parental para ver o programa, repetida e escrita no ecrã; é nítido que aquilo se destina maioritariamente a quem está convicto que as galinhas nascem em pelo e metidas numas cuvetes de onde saltam para a panela, que a carne de vaca, de porco, cabrito borrego ou o que seja, nasce às fatias vestida com película transparente e outras convicções tão fortes como estas.
Em Hollywood, e não só, mata-se por asfixia qualquer um, mas quando é um primo do Calimero a ter o gasganete apertado, ai que horror! A vampiragem que por ai anda baba-se a sugar pescoços, mas facas a sangrarem porcos, dão origem a gritos Aqui del rei! O Tarantino (vénia!) pode mandar Aldo, o Apache, tatuar suásticas na testa de nazis e nós aplaudimos, mas penas arrancadas do rabo duma galinha dão direito a lágrimas e reclamações junto de activistas dos direitos dos animais!
Filmes de terror, de guerra ou de estupidez, que também há muitos neste género, consomem-se mais que sms’s na véspera de Natal, mas leva-se mais depressa os meninos ao cinema do que se lhes mostra um documentário sobre a vida.
Bourdain não se rala nada e vai dançando de acordo com a música, às vezes fazendo trejeitos onde se adivinha a dificuldade em engolir mas com um pensamento forte e inabalável: há que experimentar!
Pela minha parte tenho sempre reserva feita para assistir ao deambular de quem me provoca inveja, que tão depressa está refastelado num restaurante, como a comer num vendedor ambulante no meio da rua. O segredo de tudo passa, acho eu, pelos compinchas que o vão guiando e lhe levam a mão à boca cheia de especialidades.
Gostava de conhecer esta personagem, que se irrita facilmente, que se aborrece, mas que sabe o que quer e do que gosta. Bem, também posso passar sem o conhecer, bastava-me andar atrás dele. Pois.
Eu também passo!
Um concorrente do concurso televisivo Quem Quer Ser Milionário? afirma que visitou Bombaim e Nova Deli e não lhe encheram as medidas: ‘Parece que caiu ali uma bomba’ disse ele.
Sem conhecer o senhor, só o tendo visto naquele momento na televisão, ponho-lhe imediatamente um carimbo na testa: Turista!
Ora, eu que não gosto de turistas fiz logo uma carantonha ao homem, cara feia que ainda ficou mais desfigurada quando ele afirma que não sabe qual o político chileno deposto por Pinochet, e tudo isto no meio duma conversa segundo a qual ninguém o levava preso!
Gosto de ver os concursos para observar a plêiade de argumentos que os concorrentes utilizam para escolher a resposta errada, mas com certezas absolutas.
- Quantos são dois mais dois? As hipóteses são: 4, Lua em Capricórnio, raiz quadrada de n ou Kilimanjaro?
- 4, não é de certeza porque não faz sentido, uma vez que a conta é com dois números no plural e quatro é no singular! Estou indeciso entre a raiz quadrada e o Kilimanjaro!
Todo e qualquer ar de espanto do apresentador não ajudam em nada pois o concorrente digladia-se interiormente por uma luz que, mesmo que consiga derreter as neves eternas do Kilimanjaro, não lhe iluminará qualquer raciocínio e acaba por dizer, em cima do tempo regulamentar:
- Passo!
Sem conhecer o senhor, só o tendo visto naquele momento na televisão, ponho-lhe imediatamente um carimbo na testa: Turista!
Ora, eu que não gosto de turistas fiz logo uma carantonha ao homem, cara feia que ainda ficou mais desfigurada quando ele afirma que não sabe qual o político chileno deposto por Pinochet, e tudo isto no meio duma conversa segundo a qual ninguém o levava preso!
Gosto de ver os concursos para observar a plêiade de argumentos que os concorrentes utilizam para escolher a resposta errada, mas com certezas absolutas.
- Quantos são dois mais dois? As hipóteses são: 4, Lua em Capricórnio, raiz quadrada de n ou Kilimanjaro?
- 4, não é de certeza porque não faz sentido, uma vez que a conta é com dois números no plural e quatro é no singular! Estou indeciso entre a raiz quadrada e o Kilimanjaro!
Todo e qualquer ar de espanto do apresentador não ajudam em nada pois o concorrente digladia-se interiormente por uma luz que, mesmo que consiga derreter as neves eternas do Kilimanjaro, não lhe iluminará qualquer raciocínio e acaba por dizer, em cima do tempo regulamentar:
- Passo!
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
O Partner - JLF
Folheio a Semana Informática e vejo um jovem bigodudo a sorrir lá pelo meio. Deu-me ares de conhecido, mas continuo sem certezas de identificação. As letras garrafais dizem que andam a diversificar o negócio, mas o tipo está de braços cruzados! Ora onde é que isto já se viu?
Lá me dei ao trabalho de ler a notícia e descubro o nome do figurão: é o Partner! Pronto, está tudo esclarecido! Afinal trabalhámos juntos, há alguns anos, num circo, éramos partneres! Ele de vez em quando fazia de mágico, usava capa e tudo! Depois desentendeu-se com os donos do circo e foi embora.
Agora, ao que leio, integra uma missão em África, mas o artigo é pouco esclarecedor porque não menciona a Ordem que integra, nem o posto que exerce, embora Abade não deva ser, uma vez que está magro e mais parece um Cartuxo, daqueles que fazem longos jejuns. Por aqui, só há Franciscanos, descalços e sempre com o mesmo hábito.
Olha o Partner… missionário! Sim senhor, gostei de saber! Tenho a certeza que se dará lá bem, e espero que não haja leões atrás dele a quererem abocanhá-lo! Daquilo que me lembro dele aqui no circo… coitados dos leões!
Beijos ao JLF!
Lá me dei ao trabalho de ler a notícia e descubro o nome do figurão: é o Partner! Pronto, está tudo esclarecido! Afinal trabalhámos juntos, há alguns anos, num circo, éramos partneres! Ele de vez em quando fazia de mágico, usava capa e tudo! Depois desentendeu-se com os donos do circo e foi embora.
Agora, ao que leio, integra uma missão em África, mas o artigo é pouco esclarecedor porque não menciona a Ordem que integra, nem o posto que exerce, embora Abade não deva ser, uma vez que está magro e mais parece um Cartuxo, daqueles que fazem longos jejuns. Por aqui, só há Franciscanos, descalços e sempre com o mesmo hábito.
Olha o Partner… missionário! Sim senhor, gostei de saber! Tenho a certeza que se dará lá bem, e espero que não haja leões atrás dele a quererem abocanhá-lo! Daquilo que me lembro dele aqui no circo… coitados dos leões!
Beijos ao JLF!
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Eu, tu, ele, nós, vós, eles, os outros.
Entro no metro e vejo as cabeças das pessoas como uma seara ao vento, ondulando todas na mesma direcção. Também eu sou atraída pela visão que se proporciona, na figura dum parzinho, ele inglês, ela portuguesa a procurar as palavras inglesas no meio dum imaginário dicionário, talvez da Porto Editora.
Ela trajava de encarnado, vestido com saia rodada muito curta, qual bailarina, leggings encarnadas por cima das quais uma meias pretas de renda se abriam com mais e maiores buracos do que aqueles que o fabricante originalmente lhe dera. O cabelo, para variar um pouco, também era encarnado! Do alto da cabeça pendiam dois puxos ou minis rabos-de-cavalo e no lugar duma eventual bandolete estava um par de óculos que deviam ter pertencido à dupla Sacadura Cabral e Gago Coutinho e que me deixaram verde de inveja! Por cima daquele cenário via-se ainda um blusão de pele, vermelho, e botas pretas de meio cano.
Ele vestia de preto da cabeça aos pés, peles e ganga, com uma corrente de metal que nascia a meio do casaco e terminava algures nos bolsos de trás e não me parecia que fosse do relógio.
Mas o mais fulgurante na dupla de Stendhal era o cabelo dele que me deixou muda e queda: os lados eram louros a atirar para o branco e a meio passava uma estrada negra, acabada de alcatroar. O alcatrão devia medir cerca de meio metro e estava magnificamente espetado em crista. Os dois lagos gelados brilhantes do sol ostentavam pequenos bicos, como galaroiços cujos penachos ainda estivessem a crescer.
Quando a carruagem chegou e as pessoas entraram os dois lugares frente a eles ficaram vagos, não obstante ir muita gente em pé. Sentei-me diante deles e não abri o livro. Olhei-os esperançada em arranjar coragem para lhes dizer como estavam um assombro.
Por cima de toda a pompa da poupa dele havia ainda duas antenas que lhe caiam perto da boca e que provinham da floresta negra, como se fossem saídas de emergência da auto-estrada. Aqueles dois fios de cabelo abanavam ao menor movimento dele ou do comboio e davam-lhe o ar duma joaninha gigante. O nariz tinha mais piercings do que todos os que vi na minha vida pois as narinas pareciam pregadas à cara com tachas negras e não pela dinâmica de pele, ossos e cartilagens ou lá o que se esconde debaixo da penca das pessoas. Tudo isto encimava numa pele muito branca e olhos tão claros que me remetiam para a transparência.
Estava eu a preparar o discurso para lhes dizer que nunca tinha visto alguém assim e que me sentia no subway em Nova Iorque, muito longe duma estação chamada Carnide, quando eles se levantaram e saíram no Colégio Militar.
No dia seguinte tive a esperança de os reencontrar e ia decidida a falar-lhes assim que os visse, mas tal não aconteceu, nem no dia seguinte, nem no outro.
Gostava de conversar com alguém que manifesta desta forma a sua alternatividade, sem ligar aos olhares que até furam paredes e indiferentes às palavras sussurradas entre sobrancelhas carregadas e pensamentos de horror.
Porque achamos sempre que o outro é mau? Ou, no mínimo, que somos melhores que o outro? Porque tendemos (tender é generosidade…) para nos colocar por cima tendo como critério, quantas vezes, apenas o testemunho do nosso olhar? Porque pensamos, mesmo inconscientemente, que sabemos tudo e manifestamos certezas de superioridade perante os outros?
Peço desculpa às pessoas com quem me envolvo em discussões por causa deste assunto, mas tenho a cabeça dura e não me entra com facilidade a facilidade com que falam e fazem juízos de valor sobre o que achamos que é a verdade, quase sempre tendo como barómetro a nossa pessoa. Porque é que os nossos olhos vêm melhor, o nosso nariz aspira com mais precisão, o nosso ouvido é o menos mouco, a nossa pele a mais sensível, a nossa língua a mais temperada? Com tanto milhão de gente no mundo, porquê nós? Porque é fácil!
Quantas vezes gostaríamos de ser diferentes, e seríamos se mudássemos, mas como não nos damos ao trabalho, criticamos os outros! É a fase da inveja mal dizente, dum certo GilVicentismo ou duma literatura da qual antes se tomava conta da sua existência na escola e agora pertence apenas ao Cemitério dos Livros Esquecidos, obrigada Ruiz Zafón por este ponto cardeal que tanto jeito dá.
Poucos amam a diferença na sua essência, o pólen da diferença, o distinto, o desconhecido, o que é novo e se lhe abrirmos os braços tornar-se-á amigo, vizinho, companheiro.
A facilidade em fazer garatujos de cantigas de escárnio emparceira com o medo do desconhecido, criando exércitos de descendentes da velharia do Restelo e transformando os outros que se atrevam a sair da linha em Adamastores.
Conclusão, eu adorava saber que cabeleireiro fez aquilo ao cabelo do rapaz, que mãos mestras conseguiram aquele feito que nem nos Festivais da Fiesa tenho visto coisa igual; gostava de saber se aquilo dura um dia ou dois ou mais, como dorme, quanto custa e quanto tempo demora a criar aquela crista genial com tanta cristinha filhote à sua volta; quanto gel é consumido e quais são os maiores constrangimentos que o penteado lhe provoca.
Já agora, se não lhe desse muita maçada, também gostava de saber qual a tirada mais cómica que já ouviu sobre ele. Calculo que sejam às pazadas.
É bom sabermos rirmo-nos de nós próprios.
Ela trajava de encarnado, vestido com saia rodada muito curta, qual bailarina, leggings encarnadas por cima das quais uma meias pretas de renda se abriam com mais e maiores buracos do que aqueles que o fabricante originalmente lhe dera. O cabelo, para variar um pouco, também era encarnado! Do alto da cabeça pendiam dois puxos ou minis rabos-de-cavalo e no lugar duma eventual bandolete estava um par de óculos que deviam ter pertencido à dupla Sacadura Cabral e Gago Coutinho e que me deixaram verde de inveja! Por cima daquele cenário via-se ainda um blusão de pele, vermelho, e botas pretas de meio cano.
Ele vestia de preto da cabeça aos pés, peles e ganga, com uma corrente de metal que nascia a meio do casaco e terminava algures nos bolsos de trás e não me parecia que fosse do relógio.
Mas o mais fulgurante na dupla de Stendhal era o cabelo dele que me deixou muda e queda: os lados eram louros a atirar para o branco e a meio passava uma estrada negra, acabada de alcatroar. O alcatrão devia medir cerca de meio metro e estava magnificamente espetado em crista. Os dois lagos gelados brilhantes do sol ostentavam pequenos bicos, como galaroiços cujos penachos ainda estivessem a crescer.
Quando a carruagem chegou e as pessoas entraram os dois lugares frente a eles ficaram vagos, não obstante ir muita gente em pé. Sentei-me diante deles e não abri o livro. Olhei-os esperançada em arranjar coragem para lhes dizer como estavam um assombro.
Por cima de toda a pompa da poupa dele havia ainda duas antenas que lhe caiam perto da boca e que provinham da floresta negra, como se fossem saídas de emergência da auto-estrada. Aqueles dois fios de cabelo abanavam ao menor movimento dele ou do comboio e davam-lhe o ar duma joaninha gigante. O nariz tinha mais piercings do que todos os que vi na minha vida pois as narinas pareciam pregadas à cara com tachas negras e não pela dinâmica de pele, ossos e cartilagens ou lá o que se esconde debaixo da penca das pessoas. Tudo isto encimava numa pele muito branca e olhos tão claros que me remetiam para a transparência.
Estava eu a preparar o discurso para lhes dizer que nunca tinha visto alguém assim e que me sentia no subway em Nova Iorque, muito longe duma estação chamada Carnide, quando eles se levantaram e saíram no Colégio Militar.
No dia seguinte tive a esperança de os reencontrar e ia decidida a falar-lhes assim que os visse, mas tal não aconteceu, nem no dia seguinte, nem no outro.
Gostava de conversar com alguém que manifesta desta forma a sua alternatividade, sem ligar aos olhares que até furam paredes e indiferentes às palavras sussurradas entre sobrancelhas carregadas e pensamentos de horror.
Porque achamos sempre que o outro é mau? Ou, no mínimo, que somos melhores que o outro? Porque tendemos (tender é generosidade…) para nos colocar por cima tendo como critério, quantas vezes, apenas o testemunho do nosso olhar? Porque pensamos, mesmo inconscientemente, que sabemos tudo e manifestamos certezas de superioridade perante os outros?
Peço desculpa às pessoas com quem me envolvo em discussões por causa deste assunto, mas tenho a cabeça dura e não me entra com facilidade a facilidade com que falam e fazem juízos de valor sobre o que achamos que é a verdade, quase sempre tendo como barómetro a nossa pessoa. Porque é que os nossos olhos vêm melhor, o nosso nariz aspira com mais precisão, o nosso ouvido é o menos mouco, a nossa pele a mais sensível, a nossa língua a mais temperada? Com tanto milhão de gente no mundo, porquê nós? Porque é fácil!
Quantas vezes gostaríamos de ser diferentes, e seríamos se mudássemos, mas como não nos damos ao trabalho, criticamos os outros! É a fase da inveja mal dizente, dum certo GilVicentismo ou duma literatura da qual antes se tomava conta da sua existência na escola e agora pertence apenas ao Cemitério dos Livros Esquecidos, obrigada Ruiz Zafón por este ponto cardeal que tanto jeito dá.
Poucos amam a diferença na sua essência, o pólen da diferença, o distinto, o desconhecido, o que é novo e se lhe abrirmos os braços tornar-se-á amigo, vizinho, companheiro.
A facilidade em fazer garatujos de cantigas de escárnio emparceira com o medo do desconhecido, criando exércitos de descendentes da velharia do Restelo e transformando os outros que se atrevam a sair da linha em Adamastores.
Conclusão, eu adorava saber que cabeleireiro fez aquilo ao cabelo do rapaz, que mãos mestras conseguiram aquele feito que nem nos Festivais da Fiesa tenho visto coisa igual; gostava de saber se aquilo dura um dia ou dois ou mais, como dorme, quanto custa e quanto tempo demora a criar aquela crista genial com tanta cristinha filhote à sua volta; quanto gel é consumido e quais são os maiores constrangimentos que o penteado lhe provoca.
Já agora, se não lhe desse muita maçada, também gostava de saber qual a tirada mais cómica que já ouviu sobre ele. Calculo que sejam às pazadas.
É bom sabermos rirmo-nos de nós próprios.
Adeus ao Senhor do Adeus
Conhecia esta figura de ouvir falar. Quando o meu filho foi jogar para o Belenenses passei a vê-lo e a retribuir-lhe o aceno ocasionalmente. Na televisão ouvi-o dizer que dizia adeus a toda a gente para afastar uma senhora muito má, a solidão. Ouvi-o também dizer que gostava da Nicole Kidman, o que não é difícil. Não sei porque fixei este pormenor, mas ele está cá.
Num mundo onde não conhecemos o vizinho do lado, onde poucos se dignam dar bons dias, como se fossem diamantes que querem guardar, é estranho vermos alguém que esbanja adeuses com desconhecidos, ainda por cima com pouca probabilidade de resposta face à velocidade a que passam dentro dos carros.
O Senhor do Adeus, João Serra de seu nome, era daquelas pessoas que parecem acumular várias vidas e que se se sentasse a descrevê-las teriam que ser organizados turnos de ouvintes. Calcula-se-lhe, pelo olhar algo maroto, algumas peripécias, todas decerto invejáveis.
No blog O Senhor do Adeus, onde ele dava voz aos olhares sobre os filmes que vão passando nas salas, o último, sobre a Rede Social, tem uma mensagem especial, as Boas Festas que deixa adiantadas, como se soubesse que tinha pressa.
Era uma figura! Quantos darão pelo espaço vazio que agora deixa? Quantos lhe terão saudades? O Senhor do Adeus era uma estátua viva, como há poucas, plantado, não numa rotunda mas num passeio, incansável a acenar a quem passava, como se o braço fosse movido a outra energia que não a sua, humana, simples, simpática.
Num mundo onde não conhecemos o vizinho do lado, onde poucos se dignam dar bons dias, como se fossem diamantes que querem guardar, é estranho vermos alguém que esbanja adeuses com desconhecidos, ainda por cima com pouca probabilidade de resposta face à velocidade a que passam dentro dos carros.
O Senhor do Adeus, João Serra de seu nome, era daquelas pessoas que parecem acumular várias vidas e que se se sentasse a descrevê-las teriam que ser organizados turnos de ouvintes. Calcula-se-lhe, pelo olhar algo maroto, algumas peripécias, todas decerto invejáveis.
No blog O Senhor do Adeus, onde ele dava voz aos olhares sobre os filmes que vão passando nas salas, o último, sobre a Rede Social, tem uma mensagem especial, as Boas Festas que deixa adiantadas, como se soubesse que tinha pressa.
Era uma figura! Quantos darão pelo espaço vazio que agora deixa? Quantos lhe terão saudades? O Senhor do Adeus era uma estátua viva, como há poucas, plantado, não numa rotunda mas num passeio, incansável a acenar a quem passava, como se o braço fosse movido a outra energia que não a sua, humana, simples, simpática.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Medicina caseira
Armada em cozinheira mas com tanto jeito para pratos complicados como para física quântica, queimei a mão no forno. Depois de duas idas à farmácia sem grandes resultados práticos e com dias cheios de papel e respectivo pó, vejo-me obrigada a por grandes pensos rápidos, cuja existência é logo questionada por todos. Face à explicação seguem-se as normais sugestões dos médicos que me rodeiam: toda a gente!
- Devia por aí manteiga
- Devia esfregar isso com vinho
- Se puser vinagre isso passa dum dia para o outro
- Tem que por muito creme
Curiosamente ninguém me pergunta se meti a mão em água fria!
- Devia por aí manteiga
- Devia esfregar isso com vinho
- Se puser vinagre isso passa dum dia para o outro
- Tem que por muito creme
Curiosamente ninguém me pergunta se meti a mão em água fria!
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Malas vintage
Há objectos que falam connosco, que sorriem para nós, que pedem para ser acariciados com o olhar, que assumem ar de órfãos para que os levemos para casa. A mim acontece-me com brincos, malas, sapatos e óculos.
O primeiro presente que recebi daquele que viria ser meu marido, quando namorávamos, foi um par de brincos. Eram em latão e tinham uma fita minúscula a imitar pele de cobra; foram-me dados à porta do extinto centro comercial Terminal, na estação do Rossio e, enquanto eu abria o pequeno embrulho, o meu recente namorado disse-me o preço que pagou por eles! Surpreendida pela informação, hesitei um pouco sobre o que fazer a seguir, mas o vício falou mais alto e enfiei-os nas orelhas. Ainda existem.
Os óculos são um vício noutra dimensão, desde logo pelo preço. A jóia da coroa foi um par que comprei em Valladolid, em cuja armação existiam todas as cores que se possam imaginar e que provocavam olhares de admiração. Hoje tenho três pares que vou mudando dia a dia, para além de dois de sol e várias armações que aguardam melhores dias para serem graduadas.
De sapatos e malas abastecia-me em qualquer local, ultimamente dando preferência ao mercado do Algueirão, onde se compram pechinchas fabulosas, como as sandálias cor-de-laranja que comprei no fim do Verão por 3 euros!
Numa ocasião, há cerca de vinte anos, vi uma mala de viagem na Baixa de Lisboa, que era a minha cara, nas palavras da minha irmã que estava comigo. A mala não era propriamente barata, mas era um sonho. Afastámo-nos da loja e fomos embora, mas o amor à primeira vista imperou e no dia seguinte lá estava eu, decidida a não contar a ninguém quanto me ia custar aquela loucura. Levei com um balde, não de água fria, mas de gelo, porque já tinha sido vendida. Nunca a esqueci, é claro.
Agora nem ao mercado vou, mas ganhei três malas vintage, no passeio que dei no fim-de-semana. Eram da mãe da I., são pequeniníssimas, todas pretas, mas muito conversadoras! Vêm do século passado, quando as mulheres não tinham agendas, nem carteiras com dezenas de cartões de desconto, para tudo quanto é supermercado, bomba de gasolina e lojas das mais variadas, quando não se tinham telemóveis, nem pacotes de lenços, mas antes apenas um lenço, normalmente branco, quantas vezes em cambraia branca com bordados, que consubstanciavam belas prendas, para quem dava e para quem recebia.
As malas estranharam também a chave do carro e perguntaram-me o que era aquele cartão que ando sempre a meter e a tirar de lá de dentro. Esclareci que era o passe dos transportes públicos. Todas estranharam os cigarros e o isqueiro e queixaram-se dos lápis de bico afiado e das canetas.
São motivo de olhares no metro e no café e hoje, a que saiu à rua pendurada no meu braço, recebeu dois valentes elogios que me deixaram vaidosa.
Para além da beleza das malas, mais do que o peso, carrego o seu significado, imagino por onde terão andado, a que locais terão ido, onde se terão exibido, certa que, noutros tempos, eram uma entre muitas, todas parecidas. Hoje são únicas e estou profundamente agradecida por serem minhas. Provavelmente poderão ser compradas em lojas da especialidade, certamente serão novas e virgens, mas garantidamente não têm História como estas.
O primeiro presente que recebi daquele que viria ser meu marido, quando namorávamos, foi um par de brincos. Eram em latão e tinham uma fita minúscula a imitar pele de cobra; foram-me dados à porta do extinto centro comercial Terminal, na estação do Rossio e, enquanto eu abria o pequeno embrulho, o meu recente namorado disse-me o preço que pagou por eles! Surpreendida pela informação, hesitei um pouco sobre o que fazer a seguir, mas o vício falou mais alto e enfiei-os nas orelhas. Ainda existem.
Os óculos são um vício noutra dimensão, desde logo pelo preço. A jóia da coroa foi um par que comprei em Valladolid, em cuja armação existiam todas as cores que se possam imaginar e que provocavam olhares de admiração. Hoje tenho três pares que vou mudando dia a dia, para além de dois de sol e várias armações que aguardam melhores dias para serem graduadas.
De sapatos e malas abastecia-me em qualquer local, ultimamente dando preferência ao mercado do Algueirão, onde se compram pechinchas fabulosas, como as sandálias cor-de-laranja que comprei no fim do Verão por 3 euros!
Numa ocasião, há cerca de vinte anos, vi uma mala de viagem na Baixa de Lisboa, que era a minha cara, nas palavras da minha irmã que estava comigo. A mala não era propriamente barata, mas era um sonho. Afastámo-nos da loja e fomos embora, mas o amor à primeira vista imperou e no dia seguinte lá estava eu, decidida a não contar a ninguém quanto me ia custar aquela loucura. Levei com um balde, não de água fria, mas de gelo, porque já tinha sido vendida. Nunca a esqueci, é claro.
Agora nem ao mercado vou, mas ganhei três malas vintage, no passeio que dei no fim-de-semana. Eram da mãe da I., são pequeniníssimas, todas pretas, mas muito conversadoras! Vêm do século passado, quando as mulheres não tinham agendas, nem carteiras com dezenas de cartões de desconto, para tudo quanto é supermercado, bomba de gasolina e lojas das mais variadas, quando não se tinham telemóveis, nem pacotes de lenços, mas antes apenas um lenço, normalmente branco, quantas vezes em cambraia branca com bordados, que consubstanciavam belas prendas, para quem dava e para quem recebia.
As malas estranharam também a chave do carro e perguntaram-me o que era aquele cartão que ando sempre a meter e a tirar de lá de dentro. Esclareci que era o passe dos transportes públicos. Todas estranharam os cigarros e o isqueiro e queixaram-se dos lápis de bico afiado e das canetas.
São motivo de olhares no metro e no café e hoje, a que saiu à rua pendurada no meu braço, recebeu dois valentes elogios que me deixaram vaidosa.
Para além da beleza das malas, mais do que o peso, carrego o seu significado, imagino por onde terão andado, a que locais terão ido, onde se terão exibido, certa que, noutros tempos, eram uma entre muitas, todas parecidas. Hoje são únicas e estou profundamente agradecida por serem minhas. Provavelmente poderão ser compradas em lojas da especialidade, certamente serão novas e virgens, mas garantidamente não têm História como estas.
Acromotriquia
A acromotriquia é a característica do envelhecimento que branqueia o cabelo. O meu pai estava acromotriquico (!) quando foi para a tropa e hoje, com 67 anos, não tem um único cabelo castanho o que lhe dá um enorme contraste com a minha mãe, da mesma idade, mas louraça e com ar de ter 50 anos acabados de fazer. É claro que também ajuda a forma como ela se veste e se penteia, sempre na crista da onda!
A minha irmã saiu ao pai e aos vinte anos já tinha cabelos brancos, tal como uma prima, a P., a quem o tom grisalho dá um ar de maturidade e calma, inexistentes no resto da família. Bem, o marido dela tem igualmente esse ar, e até ando a pensar seriamente em deixar de ser prima dela e passar a ser prima dele, uma vez que ele descende de Carlos Magno e, com toda a certeza, será daí que lhe vem aquele toque de aristocracia, aquela serenidade que os nobres têm mesmo em situação de tragédia, ao contrário da nossa família, que se transfigura em família cigana com uma rapidez inacreditável. Eu já lhes disse, e volto a afirmar, quero ser prima dele!
Mas mesmo os descendentes de Carlos Magno também ficam grisalhos e agora tenho uma madeixa branca, que parece pintada propositadamente, para além de fios brancos que se misturam na minha cabeleira castanha.
Ora eu que já tive o cabelo pintado de todas as cores agora decidi-me a não mais o pintar pois estou a adorar ter cabelo branco.
Também estou convicta que o meu processo de acromotriquia se deve aos problemas da vida e não ao envelhecimento em si, pois o Duarte diz que ninguém me dá mais de 36 anos e se falarem comigo dão-me 20, no máximo! Ou seja, lá para os 80 terei ar dos meus actuais 44!
Porém, e isto preocupa-me imenso, apesar dos cabelos brancos não vejo aumentar o respeito pela minha grisalhez! Tratam-me da mesma maneira e isto é injusto, tanto mais que, desde há dois, talvez três dias, sou descendente de Carlos Magno, Xarlemanhe, em francês! Ora, não tarda nada vai aparecer alguém a pedir um favorzinho, que jeitinho, enfim, uma cunha e aí, aí vão ver como elas mordem porque eu não intercederei! (Note-se como uso o futuro do presente simples, característica da antiga nobreza francesa e não uma simples conjugação plebeia, tipo eu vou interceder!) Não há dúvida, eu mereço ser descendente de Carlos Magno!
A minha irmã saiu ao pai e aos vinte anos já tinha cabelos brancos, tal como uma prima, a P., a quem o tom grisalho dá um ar de maturidade e calma, inexistentes no resto da família. Bem, o marido dela tem igualmente esse ar, e até ando a pensar seriamente em deixar de ser prima dela e passar a ser prima dele, uma vez que ele descende de Carlos Magno e, com toda a certeza, será daí que lhe vem aquele toque de aristocracia, aquela serenidade que os nobres têm mesmo em situação de tragédia, ao contrário da nossa família, que se transfigura em família cigana com uma rapidez inacreditável. Eu já lhes disse, e volto a afirmar, quero ser prima dele!
Mas mesmo os descendentes de Carlos Magno também ficam grisalhos e agora tenho uma madeixa branca, que parece pintada propositadamente, para além de fios brancos que se misturam na minha cabeleira castanha.
Ora eu que já tive o cabelo pintado de todas as cores agora decidi-me a não mais o pintar pois estou a adorar ter cabelo branco.
Também estou convicta que o meu processo de acromotriquia se deve aos problemas da vida e não ao envelhecimento em si, pois o Duarte diz que ninguém me dá mais de 36 anos e se falarem comigo dão-me 20, no máximo! Ou seja, lá para os 80 terei ar dos meus actuais 44!
Porém, e isto preocupa-me imenso, apesar dos cabelos brancos não vejo aumentar o respeito pela minha grisalhez! Tratam-me da mesma maneira e isto é injusto, tanto mais que, desde há dois, talvez três dias, sou descendente de Carlos Magno, Xarlemanhe, em francês! Ora, não tarda nada vai aparecer alguém a pedir um favorzinho, que jeitinho, enfim, uma cunha e aí, aí vão ver como elas mordem porque eu não intercederei! (Note-se como uso o futuro do presente simples, característica da antiga nobreza francesa e não uma simples conjugação plebeia, tipo eu vou interceder!) Não há dúvida, eu mereço ser descendente de Carlos Magno!
Vencedores e derrotados
Este texto é velho e encontra-se em quase toda a parte, e-mails, na internet, impresso e colocado por cima de secretárias mas, contudo, parece ser incapaz de entrar na cabeça de muitas pessoas… Curiosamente eu e a I. fartámo-nos de dissertar sobre o assunto durante o fim-de-semana e ela já estava farta de me ouvir falar da árvore e da floresta. Parede e azulejos também servem.
Quando um VENCEDOR comete um erro, diz: Enganei-me, e aprende a lição.
Quando um DERROTADO comete um erro, diz: A culpa não foi minha, e responsabiliza terceiros.
Um VENCEDOR sabe que a adversidade é o melhor dos mestres.
Um DERROTADO sente-se vítima perante uma adversidade.
Um VENCEDOR sabe que o resultado das coisas depende de si.
Um DERRROTADO acha-se perseguido pelo azar.
Um VENCEDOR trabalha muito e arranja sempre tempo para si próprio.
Um DERROTADO está sempre "muito ocupado" e não tem tempo sequer para os seus.
Um VENCEDOR enfrenta os desafios um a um.
Um DERROTADO contorna os desafios e nem se atreve a enfrentá-los.
Um VENCEDOR compromete-se, dá a sua palavra e cumpre.
Um DERROTADO faz promessas, não mete os pés a caminho e quando falha só se sabe justificar.
Um VENCEDOR diz: Sou bom, mas vou ser melhor ainda.
Um DERROTADO diz: Não sou tão mau assim; há muitos piores que eu.
Um VENCEDOR ouve, compreende e responde.
Um DERROTADO não espera que chegue a sua vez de falar.
Um VENCEDOR respeita os que sabem mais e procura aprender algo com eles.
Um DERROTADO resiste a todos os que sabem mais e apenas se fixa nos seus defeitos.
Um VENCEDOR sente-se responsável por algo mais que o seu trabalho.
Um DERROTADO não se compromete nunca e diz: Faço o meu trabalho e é quanto basta.
Um VENCEDOR diz: Deve haver uma melhor forma de o fazer
Um DERROTADO diz: Sempre fizemos assim. Não há outra maneira.
Um VENCEDOR é PARTE DA SOLUÇÃO.
Um DERROTADO é PARTE DO PROBLEMA.
Um VENCEDOR consegue "ver a parede na sua totalidade".
Um DERROTADO fixa-se "no azulejo que lhe cabe colocar".
Quando um VENCEDOR comete um erro, diz: Enganei-me, e aprende a lição.
Quando um DERROTADO comete um erro, diz: A culpa não foi minha, e responsabiliza terceiros.
Um VENCEDOR sabe que a adversidade é o melhor dos mestres.
Um DERROTADO sente-se vítima perante uma adversidade.
Um VENCEDOR sabe que o resultado das coisas depende de si.
Um DERRROTADO acha-se perseguido pelo azar.
Um VENCEDOR trabalha muito e arranja sempre tempo para si próprio.
Um DERROTADO está sempre "muito ocupado" e não tem tempo sequer para os seus.
Um VENCEDOR enfrenta os desafios um a um.
Um DERROTADO contorna os desafios e nem se atreve a enfrentá-los.
Um VENCEDOR compromete-se, dá a sua palavra e cumpre.
Um DERROTADO faz promessas, não mete os pés a caminho e quando falha só se sabe justificar.
Um VENCEDOR diz: Sou bom, mas vou ser melhor ainda.
Um DERROTADO diz: Não sou tão mau assim; há muitos piores que eu.
Um VENCEDOR ouve, compreende e responde.
Um DERROTADO não espera que chegue a sua vez de falar.
Um VENCEDOR respeita os que sabem mais e procura aprender algo com eles.
Um DERROTADO resiste a todos os que sabem mais e apenas se fixa nos seus defeitos.
Um VENCEDOR sente-se responsável por algo mais que o seu trabalho.
Um DERROTADO não se compromete nunca e diz: Faço o meu trabalho e é quanto basta.
Um VENCEDOR diz: Deve haver uma melhor forma de o fazer
Um DERROTADO diz: Sempre fizemos assim. Não há outra maneira.
Um VENCEDOR é PARTE DA SOLUÇÃO.
Um DERROTADO é PARTE DO PROBLEMA.
Um VENCEDOR consegue "ver a parede na sua totalidade".
Um DERROTADO fixa-se "no azulejo que lhe cabe colocar".
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Inspira...ção
Visitei um dos hotéis Inspira, o único estabelecimento hoteleiro 100% verde em Portugal. Pelo menos é o que me dizem… Para além do interior inspirar calma e tranquilidade, de ser belo e acolhedor, no restaurante só é servida comida biológica, a iluminação natural predomina (uma noite estrelada vista dos cadeirões do hall não deve ser nada má!), a iluminação artificial socorre-se de painéis solares, os champôs e géis de banho são ‘sustentáveis’ e mais cinquenta outros pormenores, todos muito atentos ao ambiente que entram nos nossos deliciados ouvidos e nos nossos agradecidos olhos. Quando estava à espera dum preço nada ecológico, fiquei agradavelmente surpreendida pois não é mais caro que a média em Lisboa, tem mini bar gratuito (!), spa e internet grátis.
Por norma, e será com certeza preconceito, associo as coisas verdes, biológicas, etc., a preços mais elevados. Um detergente com químicos a torto e a direito na barriga dos glutões é mais barato que um, cujo pó é uma fina selecção de produto que ‘quase’ não faz mal à água e aos esgotos e etc.
O mesmo passa-se com as lixívias, pastas dos dentes, sabonetes e por aí fora que quando são muito baratos, inspeccionada a composição verifica-se que são de origem desconhecida, qual controlo qual carapuça, qual preocupação com o ambiente. Porém, e este porém devia ser todo em maiúsculas, com a actual crise como se chega a um equilíbrio? Compramos mais barato mas, amiúde, prejudicial ao ambiente, ou mais caro mas com a consciência que estamos a dar o nosso contributo?
Recebi um e-mail sobre a questão da falta de água potável no planeta (obrigada Ana) que trazia uma frase curiosa: 'Fala-se tanto da necessidade de deixar um planeta melhor para os nossos filhos e esquecemo-nos da urgência de deixarmos filhos melhores para o nosso planeta.'
Por coincidência, ou talvez não para quem acredite no big brother, recebo uma mensagem do facebook a pedir para aderir a um grupo chamado mais ou menos assim: Poupe água, beba vinho português. Não achei graça.
Preocupo-me com estas coisas pois penso que o que se gasta a mais é um investimento no futuro. Mas logo a seguir vejo um contrabandista qualquer a fazer disparates que compensam em muito o meu acto isolado e deixo cair os braços desanimados.
A cadeia Inspira quer inspirar as pessoas, assim como os defensores, muitos deles tão acérrimos que até afastam o seu potencial público, dos valores ecológicos, mas o peso do ‘outro lado’ é tão grande que nos estafamos a puxar a corda do equilíbrio.
Por norma, e será com certeza preconceito, associo as coisas verdes, biológicas, etc., a preços mais elevados. Um detergente com químicos a torto e a direito na barriga dos glutões é mais barato que um, cujo pó é uma fina selecção de produto que ‘quase’ não faz mal à água e aos esgotos e etc.
O mesmo passa-se com as lixívias, pastas dos dentes, sabonetes e por aí fora que quando são muito baratos, inspeccionada a composição verifica-se que são de origem desconhecida, qual controlo qual carapuça, qual preocupação com o ambiente. Porém, e este porém devia ser todo em maiúsculas, com a actual crise como se chega a um equilíbrio? Compramos mais barato mas, amiúde, prejudicial ao ambiente, ou mais caro mas com a consciência que estamos a dar o nosso contributo?
Recebi um e-mail sobre a questão da falta de água potável no planeta (obrigada Ana) que trazia uma frase curiosa: 'Fala-se tanto da necessidade de deixar um planeta melhor para os nossos filhos e esquecemo-nos da urgência de deixarmos filhos melhores para o nosso planeta.'
Por coincidência, ou talvez não para quem acredite no big brother, recebo uma mensagem do facebook a pedir para aderir a um grupo chamado mais ou menos assim: Poupe água, beba vinho português. Não achei graça.
Preocupo-me com estas coisas pois penso que o que se gasta a mais é um investimento no futuro. Mas logo a seguir vejo um contrabandista qualquer a fazer disparates que compensam em muito o meu acto isolado e deixo cair os braços desanimados.
A cadeia Inspira quer inspirar as pessoas, assim como os defensores, muitos deles tão acérrimos que até afastam o seu potencial público, dos valores ecológicos, mas o peso do ‘outro lado’ é tão grande que nos estafamos a puxar a corda do equilíbrio.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Paredes em lágrimas
No fim-de-semana ainda fomos a Alfena, outra pequena aldeia.
O nosso destino é uma casa, uma certa casa, mas deparamos com uma ruína de levar às lágrimas. Sabemos que foi uma casa, mas dela pouco resta.
Entrar mostra-se uma tarefa perigosa: afastamos uma folha de contraplacado e entramos, à vez, através do que tinha sido o postigo da porta. A roupa prende-se nos pregos e ferros ferrugentos que nascem das entranhas das paredes. Dum molho de chaves conseguimos abrir duas portas, e encaramos directamente a desolação. Restos de vida espalhados por um chão molhado e metidos em gavetas que não querem abrir à primeira e só se deixam ver depois de muita insistência.
Revolvemos um armário segurando as lágrimas que se queriam misturar com a chuva que caia dentro da casa; apanhamos os papéis todos que encontramos, um conjunto de panelas, panelas a sério, à antiga e mais meia dúzia de objectos que enrolamos numa colcha.
Noutras divisões cheira-se o perigo de derrocada, o chão completamente molhado, as madeiras inchadas, a porta que dá para a rua principal tapada com um véu grosso esculpido por gerações de aranhas, em cuja fechadura nenhuma das chaves que temos consegue penetrar. De repente ela encontra uma caixa que nos parece um faqueiro. Afinal é uma máquina de costura, Singer, esguia e elegante, como os vestidos que um dia ali foram confeccionados. É lindíssima mas temos que escolher entre a máquina e as panelas, não conseguimos levar tudo. Acabamos por optar pelas panelas, pela facilidade de movimentação no meio daquele local fantasma, outrora cheio da vida de pais e cinco irmãos, agora cheio de vazio.
Quando saímos olhamo-nos e verificamos que podemos ser confundidas com mineiros tal o pó e os restos de teias de aranha que trouxemos para a luz do dia. É preciso gastar ali tempo e ver o que se pode aproveitar. É preciso deixar secar aquelas paredes um pouco mais para a sensação de entrar numa sepultura não ser tão viva. É preciso voltar.
Abandonamos o local com o coração nas mãos; mesmo eu, que nunca ali tinha estado sinto-me mal, triste e angustiada. A I. vai dando indicações, aqui era isto, ali era aquilo, mas sinto que fala não para me fazer uma visita guiada, mas para segurar a tristeza que lhe sobe pela garganta.
Avançamos para o Porto e paramos em frente à estação de Campanhã onde vamos apanhar o Duarte que vem do estágio em Anreade. O trajecto até Lisboa é sempre acompanhado de chuva, grossa, persistente, cansativa. Falamos o caminho inteiro, o Duarte encolhido e entalado entre sacos no banco de trás. Quando passamos a portagem final, a 30 ou 40 à hora, o carro derrapa e começa numa dança de círculos que nos atrofia o pensamento. Infelizmente já sabemos o que é fazer piões na estrada. Não sei bem como, consigo segurar o carro e levá-lo a bater nas protecções em ferro, mas com algum vagar, provocando uma pancada, só uma, seca e que não nos magoa.
Que final tão triste para um fim-de-semana cujo balanço era tão bom, que nos projectou para novos planos e novas visitas e novas estadias e novas viagens. Não quer dizer que se não façam, mas uma coisa assim deixa marcas.
Aqui fica um agradecimento aos desconhecidos que pararam a meu lado e nos ajudaram. O carro está na oficina, qual doente à espera de desenvencilhamentos orçamentais para poder ser operado. É a crise...
O nosso destino é uma casa, uma certa casa, mas deparamos com uma ruína de levar às lágrimas. Sabemos que foi uma casa, mas dela pouco resta.
Entrar mostra-se uma tarefa perigosa: afastamos uma folha de contraplacado e entramos, à vez, através do que tinha sido o postigo da porta. A roupa prende-se nos pregos e ferros ferrugentos que nascem das entranhas das paredes. Dum molho de chaves conseguimos abrir duas portas, e encaramos directamente a desolação. Restos de vida espalhados por um chão molhado e metidos em gavetas que não querem abrir à primeira e só se deixam ver depois de muita insistência.
Revolvemos um armário segurando as lágrimas que se queriam misturar com a chuva que caia dentro da casa; apanhamos os papéis todos que encontramos, um conjunto de panelas, panelas a sério, à antiga e mais meia dúzia de objectos que enrolamos numa colcha.
Noutras divisões cheira-se o perigo de derrocada, o chão completamente molhado, as madeiras inchadas, a porta que dá para a rua principal tapada com um véu grosso esculpido por gerações de aranhas, em cuja fechadura nenhuma das chaves que temos consegue penetrar. De repente ela encontra uma caixa que nos parece um faqueiro. Afinal é uma máquina de costura, Singer, esguia e elegante, como os vestidos que um dia ali foram confeccionados. É lindíssima mas temos que escolher entre a máquina e as panelas, não conseguimos levar tudo. Acabamos por optar pelas panelas, pela facilidade de movimentação no meio daquele local fantasma, outrora cheio da vida de pais e cinco irmãos, agora cheio de vazio.
Quando saímos olhamo-nos e verificamos que podemos ser confundidas com mineiros tal o pó e os restos de teias de aranha que trouxemos para a luz do dia. É preciso gastar ali tempo e ver o que se pode aproveitar. É preciso deixar secar aquelas paredes um pouco mais para a sensação de entrar numa sepultura não ser tão viva. É preciso voltar.
Abandonamos o local com o coração nas mãos; mesmo eu, que nunca ali tinha estado sinto-me mal, triste e angustiada. A I. vai dando indicações, aqui era isto, ali era aquilo, mas sinto que fala não para me fazer uma visita guiada, mas para segurar a tristeza que lhe sobe pela garganta.
Avançamos para o Porto e paramos em frente à estação de Campanhã onde vamos apanhar o Duarte que vem do estágio em Anreade. O trajecto até Lisboa é sempre acompanhado de chuva, grossa, persistente, cansativa. Falamos o caminho inteiro, o Duarte encolhido e entalado entre sacos no banco de trás. Quando passamos a portagem final, a 30 ou 40 à hora, o carro derrapa e começa numa dança de círculos que nos atrofia o pensamento. Infelizmente já sabemos o que é fazer piões na estrada. Não sei bem como, consigo segurar o carro e levá-lo a bater nas protecções em ferro, mas com algum vagar, provocando uma pancada, só uma, seca e que não nos magoa.
Que final tão triste para um fim-de-semana cujo balanço era tão bom, que nos projectou para novos planos e novas visitas e novas estadias e novas viagens. Não quer dizer que se não façam, mas uma coisa assim deixa marcas.
Aqui fica um agradecimento aos desconhecidos que pararam a meu lado e nos ajudaram. O carro está na oficina, qual doente à espera de desenvencilhamentos orçamentais para poder ser operado. É a crise...
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Rato do campo e rato da cidade ou Natal em Outubro
Este fim-de-semana acompanhei e assisti ao momento de regresso duma pessoa emigrada na cidade há 20 anos e que visitou, finalmente, o local onde nasceu e se reencontrou com uma grande amiga, que sempre lá permaneceu. O abraço deu-se à porta do café Santa Maria, na pequena localidade de Reguenga, perto de Santo Tirso, numa troca de calor guardado e preservado durante duas décadas e que me comoveu.
A amiga, Fátima, nunca abandonou a aldeia e há tempos, por interpostas pessoas, conseguiu o telefone da I. e as vozes reencontraram-se ao telefone com ânsia e desejos e promessas de visitas mútuas, rápidas e urgentes.
A Fátima orientou-nos ao telefone já à beira da aldeia, naquilo que pareciam cortinas de chuva que íamos afastando para nos aproximarmos da Reguenga. Disse-nos que esperássemos à porta do café e assim fizemos. Não sei se lá dentro alguém deu conta de dois carros ali parados, um encarnado e outro preto, do qual saltaram duas mulheres que se abraçaram com força, como se quisessem naquele abraço transmitir a saudade que tinham uma da outra, apagar vinte anos de distância, passar informação, perceber como se tinham alterado, mas constatar que ainda mantinham a amizade.
Tive que as interromper e lembrar-lhes que podiam falar o tempo que lhes apetecesse, mas dentro de portas, com um telhado por cima, talvez fosse melhor…
Deixámos o meu carro na garagem da Fátima e fomos jantar à Cozinha do Forno, ela a conduzir – graças a Deus! Ora o restaurante, que era já ali ao início da empreitada, revelou-se um segredo bem guardado. Às tantas aquilo parecia um remake do dia todo: para trás e para a frente, pergunta aqui e pergunta ali, inversão de marcha e agora experimentamos aquela rua e mais aquela estrada e ainda aquela vereda e de restaurante nada. A Fátima, que tirou o curso de sentido de orientação no mesmo sítio que eu, baralhava-se e já não se lembrava donde tínhamos vindo e ali andámos às voltas, com telefonemas pelo meio para pessoas que sabiam que sim, que era um bom restaurante, mas cuja ajuda para lá chegarmos era nula. Finalmente lá demos com aquilo. Comemos e senti-me na obrigação de pagar o jantar. Não aceitavam pagamento com multibanco mas disseram-me que havia uma caixa ali fora. Pedi explicações para lá chegar mas afinal tinha que ir de carro, a pé era coisa aí para meia hora, para cada lado! Lá tive que dividir o pagamento do jantar com a I.
Essa noite só não foi sagrada por causa da chuva que parecia deitar tudo abaixo. Já de madrugada as vacas da vacaria ao lado começaram uma cantoria que me acordou, mais uma vez, mas me deixou bem-disposta, a navegar no espírito do campo, para o qual contribuiu o pequeno-almoço de regueifa com manteiga e café de cafeteira!
A conversa continuou vinda da noite anterior com muitos nomes desconhecidos para mim mas que iluminavam o semblante das duas que recordavam dias há muito passados mas não esquecidos.
E a beltrana? E a sicrana? E beltranas e sicranas e gente de toda a qualidade e feitio ia entrando na conversa, sem dela nunca sair, como se fossem espectadoras silenciosas, um pouco como eu, daquele reencontrar que aguardara anos e agora se realizava.
Não havia dúvida, eu presenciava um momento de Natal e natais destes não se esquecem.
Nessa manhã passeámos na chuva de Santo Tirso e fomos almoçar a casa doutra amiga, Laurinda, cuja família nos recebeu como se fizéssemos parte dela. Quando andávamos nos dois carros, fazia questão que a I. fosse com a amiga que não via há séculos e adivinhava as conversas, cujo conteúdo confirmava percepcionando os olhares quando nos voltávamos a juntar: a I., exagerada como sempre, colocou-me nos píncaros aos ouvidos das amigas, que deviam esperar a qualquer momento que lhes dissesse os números do euromilhões, pois pessoa tão altamente recomendada e tão sabida saberá com certeza aquilo que a gente vulgar tenta adivinhar! A generosidade dos amigos dá-nos virtudes que não temos e a I. consegue superar tudo e todos.
Falou-lhes também da minha exigência com toda a gente, principalmente com ela própria, o que transpareceu nos olhares da Fátima e nos apertos que me dava no abraço, congratulando-se com a nossa presença ali – eu era uma espécie de veículo que permitia à I. ter ali chegado – mas em simultâneo era um pedido para ser leve nas exigências. Claro como água. Porém, eu só sou exigente com quem me preocupo, com quem acho que vale a pena, com quem merece, e a I. merece todo o meu empenho, que ela por vezes toma por obstinação, por teimosia. Quantas vezes vejo ‘coisas’ de bradar aos céus, mas não digo uma palavra pois, uma só, mesmo só uma, já era demais no meu orçamento palavrial, para pessoas nas quais nada frutifica.
Depois das despedidas, com promessas de reencontros muito brevemente, a I. diz-me que as amigas gostaram muito de mim e acrescenta que fica mais feliz por saber isso do que pela felicidade do reencontro dela própria com aquelas pessoas das quais tinha tantas saudades. Percebo-a perfeitamente e sei que diz o que sente. E é por eu sentir essa amizade tão acima de tudo que sou exigente com ela, que a obrigo a ver tudo de todos os pontos de vista possíveis e imaginários, que a levo por raciocínios nem sempre óbvios mas que ela própria acaba por iluminar pois, se ela não tivesse a força necessária para corresponder às exigências, não conseguisse subir os degraus que acha que eu lhe coloco à frente, também não acenderia as luzes que ela própria acende. Sozinha. E esse é um dos meus orgulhos no que a ela diz respeito.
A amiga, Fátima, nunca abandonou a aldeia e há tempos, por interpostas pessoas, conseguiu o telefone da I. e as vozes reencontraram-se ao telefone com ânsia e desejos e promessas de visitas mútuas, rápidas e urgentes.
A Fátima orientou-nos ao telefone já à beira da aldeia, naquilo que pareciam cortinas de chuva que íamos afastando para nos aproximarmos da Reguenga. Disse-nos que esperássemos à porta do café e assim fizemos. Não sei se lá dentro alguém deu conta de dois carros ali parados, um encarnado e outro preto, do qual saltaram duas mulheres que se abraçaram com força, como se quisessem naquele abraço transmitir a saudade que tinham uma da outra, apagar vinte anos de distância, passar informação, perceber como se tinham alterado, mas constatar que ainda mantinham a amizade.
Tive que as interromper e lembrar-lhes que podiam falar o tempo que lhes apetecesse, mas dentro de portas, com um telhado por cima, talvez fosse melhor…
Deixámos o meu carro na garagem da Fátima e fomos jantar à Cozinha do Forno, ela a conduzir – graças a Deus! Ora o restaurante, que era já ali ao início da empreitada, revelou-se um segredo bem guardado. Às tantas aquilo parecia um remake do dia todo: para trás e para a frente, pergunta aqui e pergunta ali, inversão de marcha e agora experimentamos aquela rua e mais aquela estrada e ainda aquela vereda e de restaurante nada. A Fátima, que tirou o curso de sentido de orientação no mesmo sítio que eu, baralhava-se e já não se lembrava donde tínhamos vindo e ali andámos às voltas, com telefonemas pelo meio para pessoas que sabiam que sim, que era um bom restaurante, mas cuja ajuda para lá chegarmos era nula. Finalmente lá demos com aquilo. Comemos e senti-me na obrigação de pagar o jantar. Não aceitavam pagamento com multibanco mas disseram-me que havia uma caixa ali fora. Pedi explicações para lá chegar mas afinal tinha que ir de carro, a pé era coisa aí para meia hora, para cada lado! Lá tive que dividir o pagamento do jantar com a I.
Essa noite só não foi sagrada por causa da chuva que parecia deitar tudo abaixo. Já de madrugada as vacas da vacaria ao lado começaram uma cantoria que me acordou, mais uma vez, mas me deixou bem-disposta, a navegar no espírito do campo, para o qual contribuiu o pequeno-almoço de regueifa com manteiga e café de cafeteira!
A conversa continuou vinda da noite anterior com muitos nomes desconhecidos para mim mas que iluminavam o semblante das duas que recordavam dias há muito passados mas não esquecidos.
E a beltrana? E a sicrana? E beltranas e sicranas e gente de toda a qualidade e feitio ia entrando na conversa, sem dela nunca sair, como se fossem espectadoras silenciosas, um pouco como eu, daquele reencontrar que aguardara anos e agora se realizava.
Não havia dúvida, eu presenciava um momento de Natal e natais destes não se esquecem.
Nessa manhã passeámos na chuva de Santo Tirso e fomos almoçar a casa doutra amiga, Laurinda, cuja família nos recebeu como se fizéssemos parte dela. Quando andávamos nos dois carros, fazia questão que a I. fosse com a amiga que não via há séculos e adivinhava as conversas, cujo conteúdo confirmava percepcionando os olhares quando nos voltávamos a juntar: a I., exagerada como sempre, colocou-me nos píncaros aos ouvidos das amigas, que deviam esperar a qualquer momento que lhes dissesse os números do euromilhões, pois pessoa tão altamente recomendada e tão sabida saberá com certeza aquilo que a gente vulgar tenta adivinhar! A generosidade dos amigos dá-nos virtudes que não temos e a I. consegue superar tudo e todos.
Falou-lhes também da minha exigência com toda a gente, principalmente com ela própria, o que transpareceu nos olhares da Fátima e nos apertos que me dava no abraço, congratulando-se com a nossa presença ali – eu era uma espécie de veículo que permitia à I. ter ali chegado – mas em simultâneo era um pedido para ser leve nas exigências. Claro como água. Porém, eu só sou exigente com quem me preocupo, com quem acho que vale a pena, com quem merece, e a I. merece todo o meu empenho, que ela por vezes toma por obstinação, por teimosia. Quantas vezes vejo ‘coisas’ de bradar aos céus, mas não digo uma palavra pois, uma só, mesmo só uma, já era demais no meu orçamento palavrial, para pessoas nas quais nada frutifica.
Depois das despedidas, com promessas de reencontros muito brevemente, a I. diz-me que as amigas gostaram muito de mim e acrescenta que fica mais feliz por saber isso do que pela felicidade do reencontro dela própria com aquelas pessoas das quais tinha tantas saudades. Percebo-a perfeitamente e sei que diz o que sente. E é por eu sentir essa amizade tão acima de tudo que sou exigente com ela, que a obrigo a ver tudo de todos os pontos de vista possíveis e imaginários, que a levo por raciocínios nem sempre óbvios mas que ela própria acaba por iluminar pois, se ela não tivesse a força necessária para corresponder às exigências, não conseguisse subir os degraus que acha que eu lhe coloco à frente, também não acenderia as luzes que ela própria acende. Sozinha. E esse é um dos meus orgulhos no que a ela diz respeito.
Chuva, chuva, chuva e mais chuva.
Sexta-feira ao final do dia eu e a I. metemo-nos pela auto-estrada em direcção a Vila Nova de Gaia onde chegámos quase seis horas depois. O trânsito de véspera de fim-de-semana prolongado era aterrador com filas dignas de Pequim, chuva que não dava tréguas, os carros avariados na berma a sucederem-se. Finalmente lá chegámos a casa dos primos onde ficámos a conversar até depois das três da manhã e a ver fotografias de Timor por onde a prima tem andado em trabalho e que me deixam com uma inveja tão grande como o caminho daqui até Díli.
No sábado de manhã, com tempo melhorzinho, mas ainda muito cinzento e com chuva, fomos até São Lourenço de Sande, perto de Guimarães, onde almoçamos também em casa de primos mas, desta vez, dela e não meus. Comemos cedo pois a próxima paragem deste percurso turístico era Anreade, uma freguesia do concelho de Resende, distrito de Viseu, onde fui ver o meu filho num jogo de andebol, Portugal versus Espanha.
Convém esclarecer que com facilidade ganharia o primeiro prémio dum qualquer concurso de desorientação e uma menção honrosa, a mais honrosa, no concurso de incapacidade de memorização de indicações. Com estas virtudes é fácil perder-me, ou melhor, desviar-me da minha rota original, demorar o dobro do tempo e gastar o triplo do caminho para chegar ao destino. Mais uma vez e para não variar foi o que aconteceu, até que em Penafiel comprei um mapa e lá me orientei. Quer dizer, mais ou menos.
O jogo em Anreade começava às cinco da tarde e chegámos faltava um quarto de hora! Choveu pouco, felizmente, e ainda pudemos apreciar a beleza do caminho e quando digo beleza, não há mesmo outra palavra: a variedade dos castanhos da vinha, árvores de folhagem encarnada, paisagens de cortar a respiração com o Douro muito presente, o Tâmega, ribeiros dos quais perdi o nome mas guardo a lembrança na memória. A paisagem do Norte enternece-me sempre e há momentos em que penso que ‘aquilo’ foi ali plantado por alguém pois parece impossível que a natureza se tenha alinhado de forma tão espectacular para nos dar aquela visão.
Falei com quase toda a gente que encontrei! Não que quisesse meter conversa, apenas porque pedi ajuda para encontrar o caminho, sem exagero, aí 50 vezes. Muitas curvas, estradas apertadas, paisagens belíssimas e vire na próxima à esquerda e depois suba e corte à sua direita e faça a rotunda e passe a ponte e mais mil indicações depois, lá damos com o pavilhão de Anreade. A Espanha ganhou…
Quando terminou já era de noite e as duas horas que se seguiram consubstanciaram o maior momento de pânico dos meus 44 anos.
Noutra ocasião em Vila Nova de Cerveira, eu e o pai do Duarte, ainda ele não era nascido, apanhámos um nevoeiro tão denso que esticávamos o braço fora da janela e não víamos a mão! Parámos e esperámos que passasse.
Tivemos o bom senso de comer qualquer coisa em Resende e perguntei o caminho a um Bombeiro que me orientou na direcção pretendida. De Resende para Santa Marinha do Zêzere e Gestaçô, daqui para Carneiro, Bustelo, Gondar, mais não sei quantas localidade até que, finalmente, A4!
Porém, todo este percurso foi feito sem recurso à terceira mudança do carro, com uma chuva tão forte que se solidificava diante das luzes, criando uma parede de água como nunca tinha visto e que era desviada momentaneamente pelo vento, que levava a água em bloco, para imediatamente a seguir nova enchente tomar o lugar da anterior, limpa pára-brisas no máximo, os riscos da estrada, quando os havia, estavam mergulhados e invisíveis debaixo daquele mar que escorria por ribanceiras à direita, das quais me tentava afastar, de tal modo que conduzi sempre o mais encostada à esquerda possível, a não ser nos raros momentos em que me cruzei com outros carros. A dada altura pensei que se dentro de cinco minutos aquilo não amainasse, teria que parar. Se o fizesse iria pedir abrigo na primeira casa, pois a sensação que tinha era que o carro não se seguraria no mesmo sítio muito tempo. Árvores, árvores e mais árvores, curvas e contra-curvas, locais perigosos para parar, que me obrigavam a avançar mais e mais, dentro duma cegueira completa, com os braços doridos da força de segurar o volante, contrariando o vento e a chuva. Como não via nada, nada me confirmava se aquele era o caminho certo e essa dúvida colocava-me perante a possibilidade de ter que voltar atrás, como já fizera tanta vez ao longo do dia, mas desta feita, longe das gargalhadas e boa disposição que causava cada engano das horas anteriores.
De repente, uma placa milagrosa que anunciava a proximidade da A4! Estávamos bem. A entrada na auto-estrada deu-nos um novo ânimo mas devia ter sido filmada: as obras arrastavam-se criando só uma faixa balizada por pinos que mal se viam e que a separavam da faixa em sentido contrário, criando uma imagem dum qualquer terceiro mundo. Os carros, aqui em maior quantidade, avançavam lentamente naquele serpentear em direcção à auto-estrada em si, que nunca mais chegava. Sempre a chover, riscos de humidade no vidro que nenhum ar condicionado do mundo extinguia, mas que provocavam um ardor nos olhos que me obrigava a abri-los e fechá-los a cada dois décimos de segundo, aumentando o perigo da jornada. Continuava em segunda, só meti a terceira já na A4 que, finalmente, lá se deixou ver na sua plenitude. Ríamos um riso nervoso, consciente do que acabáramos de passar e eu já só pensava na cama que me acolheria, depois daquela volta de cerca de 300 quilómetros depois da qual quase não sentia os braços.
Mas agora novo desafio se perfilava diante de nós: encontrar a Reguenga! Escusado será dizer que a Reguenga não é metrópole para constar nas setas da estrada e não é preciso ter dons de adivinhação para saber o que ia acontecer…
Nestes casos, vou a conduzir e a sentir-me um pequeno seixo que rola na direcção da areia, mas constantemente atirado para os lados e para trás pelas ondas; vou-me chegando, chegando, chegando, mas nunca mais chego. Depois de muitas voltas – sem chuva! – e mais meia dúzia de perguntas a todos quantos encontrávamos, lá damos com uma placa a anunciar que faltavam dois quilómetros para o nosso destino. A dada altura achámos que ali os quilómetros não mediam o mesmo que em Lisboa pois, mesmo já de telefone em punho, em contacto com a amiga da I. que parecia um centro de operações e comunicações dos Bombeiros, nunca mais entrávamos na Reguenga. Muitas, muitas voltas depois, algumas rotundas no meio do nada, muito riso nervoso do cansaço, a amiga da I. diz-nos para pararmos em frente ao café Santa Maria que nos vai buscar. E assim fizemos pensando nós que o dia de enganos e volta atrás e vai à frente de carro com chuva, tinha terminado…
No sábado de manhã, com tempo melhorzinho, mas ainda muito cinzento e com chuva, fomos até São Lourenço de Sande, perto de Guimarães, onde almoçamos também em casa de primos mas, desta vez, dela e não meus. Comemos cedo pois a próxima paragem deste percurso turístico era Anreade, uma freguesia do concelho de Resende, distrito de Viseu, onde fui ver o meu filho num jogo de andebol, Portugal versus Espanha.
Convém esclarecer que com facilidade ganharia o primeiro prémio dum qualquer concurso de desorientação e uma menção honrosa, a mais honrosa, no concurso de incapacidade de memorização de indicações. Com estas virtudes é fácil perder-me, ou melhor, desviar-me da minha rota original, demorar o dobro do tempo e gastar o triplo do caminho para chegar ao destino. Mais uma vez e para não variar foi o que aconteceu, até que em Penafiel comprei um mapa e lá me orientei. Quer dizer, mais ou menos.
O jogo em Anreade começava às cinco da tarde e chegámos faltava um quarto de hora! Choveu pouco, felizmente, e ainda pudemos apreciar a beleza do caminho e quando digo beleza, não há mesmo outra palavra: a variedade dos castanhos da vinha, árvores de folhagem encarnada, paisagens de cortar a respiração com o Douro muito presente, o Tâmega, ribeiros dos quais perdi o nome mas guardo a lembrança na memória. A paisagem do Norte enternece-me sempre e há momentos em que penso que ‘aquilo’ foi ali plantado por alguém pois parece impossível que a natureza se tenha alinhado de forma tão espectacular para nos dar aquela visão.
Falei com quase toda a gente que encontrei! Não que quisesse meter conversa, apenas porque pedi ajuda para encontrar o caminho, sem exagero, aí 50 vezes. Muitas curvas, estradas apertadas, paisagens belíssimas e vire na próxima à esquerda e depois suba e corte à sua direita e faça a rotunda e passe a ponte e mais mil indicações depois, lá damos com o pavilhão de Anreade. A Espanha ganhou…
Quando terminou já era de noite e as duas horas que se seguiram consubstanciaram o maior momento de pânico dos meus 44 anos.
Noutra ocasião em Vila Nova de Cerveira, eu e o pai do Duarte, ainda ele não era nascido, apanhámos um nevoeiro tão denso que esticávamos o braço fora da janela e não víamos a mão! Parámos e esperámos que passasse.
Tivemos o bom senso de comer qualquer coisa em Resende e perguntei o caminho a um Bombeiro que me orientou na direcção pretendida. De Resende para Santa Marinha do Zêzere e Gestaçô, daqui para Carneiro, Bustelo, Gondar, mais não sei quantas localidade até que, finalmente, A4!
Porém, todo este percurso foi feito sem recurso à terceira mudança do carro, com uma chuva tão forte que se solidificava diante das luzes, criando uma parede de água como nunca tinha visto e que era desviada momentaneamente pelo vento, que levava a água em bloco, para imediatamente a seguir nova enchente tomar o lugar da anterior, limpa pára-brisas no máximo, os riscos da estrada, quando os havia, estavam mergulhados e invisíveis debaixo daquele mar que escorria por ribanceiras à direita, das quais me tentava afastar, de tal modo que conduzi sempre o mais encostada à esquerda possível, a não ser nos raros momentos em que me cruzei com outros carros. A dada altura pensei que se dentro de cinco minutos aquilo não amainasse, teria que parar. Se o fizesse iria pedir abrigo na primeira casa, pois a sensação que tinha era que o carro não se seguraria no mesmo sítio muito tempo. Árvores, árvores e mais árvores, curvas e contra-curvas, locais perigosos para parar, que me obrigavam a avançar mais e mais, dentro duma cegueira completa, com os braços doridos da força de segurar o volante, contrariando o vento e a chuva. Como não via nada, nada me confirmava se aquele era o caminho certo e essa dúvida colocava-me perante a possibilidade de ter que voltar atrás, como já fizera tanta vez ao longo do dia, mas desta feita, longe das gargalhadas e boa disposição que causava cada engano das horas anteriores.
De repente, uma placa milagrosa que anunciava a proximidade da A4! Estávamos bem. A entrada na auto-estrada deu-nos um novo ânimo mas devia ter sido filmada: as obras arrastavam-se criando só uma faixa balizada por pinos que mal se viam e que a separavam da faixa em sentido contrário, criando uma imagem dum qualquer terceiro mundo. Os carros, aqui em maior quantidade, avançavam lentamente naquele serpentear em direcção à auto-estrada em si, que nunca mais chegava. Sempre a chover, riscos de humidade no vidro que nenhum ar condicionado do mundo extinguia, mas que provocavam um ardor nos olhos que me obrigava a abri-los e fechá-los a cada dois décimos de segundo, aumentando o perigo da jornada. Continuava em segunda, só meti a terceira já na A4 que, finalmente, lá se deixou ver na sua plenitude. Ríamos um riso nervoso, consciente do que acabáramos de passar e eu já só pensava na cama que me acolheria, depois daquela volta de cerca de 300 quilómetros depois da qual quase não sentia os braços.
Mas agora novo desafio se perfilava diante de nós: encontrar a Reguenga! Escusado será dizer que a Reguenga não é metrópole para constar nas setas da estrada e não é preciso ter dons de adivinhação para saber o que ia acontecer…
Nestes casos, vou a conduzir e a sentir-me um pequeno seixo que rola na direcção da areia, mas constantemente atirado para os lados e para trás pelas ondas; vou-me chegando, chegando, chegando, mas nunca mais chego. Depois de muitas voltas – sem chuva! – e mais meia dúzia de perguntas a todos quantos encontrávamos, lá damos com uma placa a anunciar que faltavam dois quilómetros para o nosso destino. A dada altura achámos que ali os quilómetros não mediam o mesmo que em Lisboa pois, mesmo já de telefone em punho, em contacto com a amiga da I. que parecia um centro de operações e comunicações dos Bombeiros, nunca mais entrávamos na Reguenga. Muitas, muitas voltas depois, algumas rotundas no meio do nada, muito riso nervoso do cansaço, a amiga da I. diz-nos para pararmos em frente ao café Santa Maria que nos vai buscar. E assim fizemos pensando nós que o dia de enganos e volta atrás e vai à frente de carro com chuva, tinha terminado…
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