Quem sabe o que quer vai à
mercearia lá do bairro; quem não sabe vai à grande superfície, e alega que é
por ter mais variedade. Nessa mercearia, a dona ajuda-nos a escolher a fruta e
põe de lado a laranja podre, enquanto conversamos sobre as questões comuns que
nos preocupam e rimos juntas; na grande superfície passamos como autómatos
junto a todos os outros clientes e esticamos o braço quando uma máquina anuncia
o número da nossa senha, depois de termos estado à espera, espera essa durante
a qual fomos enchendo o carro com coisas que não precisamos.
Somos muita bons! Somos turistas no sítio onde vivemos: só lá vamos
dormir, afirmamos não conhecer o vizinho do lado, mas não fazemos nada por
isso.
Com os livros é a mesma coisa.
Vamos à FNAC que tem tudo! E não é que tem mesmo? Até tem funcionários que nada
percebem de livros! É maravilhoso! A capa regula o assunto: tem flores? É de
horticultura, garantidamente, mesmo que seja sobre Desenho Científico!
A FNAC é aquela máquina! Não é
tão bom ter uma máquina à nossa disposição? Mesmo que também nos trate como
máquinas, mesmo que nos minta descaradamente afirmando que ‘a edição está
esgotada’ quando não tem o livro em questão e desconhecendo que quem pergunta é
o próprio Editor!
Dar primazia aos interesses do
cidadão? Qué lá isso? A máquina
funciona, não funciona? Atão prontos!
Se tivermos cartão cliente da FNAC até há a possibilidade de nos tratarem pelo
nome depois de lhe darem uma olhadela, como quem espreita a coleira do cão. Dois
segundos depois já estão a chamar Gervário a um Rogério, mas também o que é um
nome? Nem fomos nós que o escolhemos!
Quem quer informação vai à
FNAC, quem quer conhecimento vai a uma Livraria, com um Livreiro atrás do
balcão.
O que é um Livreiro? É um
profissional dos livros, uma espécie em vias de extinção, que muitos nunca
terão visto; fala com o cliente muito para além da conversação pré-programada
dos vendedores das grandes superfícies, a quem uma pergunta mais técnica,
elaborada ou profunda, deixa sem resposta. O leque de respostas dos vendedores
destes locais abarcam duas grandes perguntas: O livro existe? Sim ou Não. Onde está? Ali.
Um Livreiro sabe sugerir,
conhece o livro, alerta para outras edições, faz atendimento personalizado,
deixando, em simultâneo, espaço para quem queira viajar na Livraria. Porquê? Porque
trata cada cliente como uma pessoa única e distinta. Um Livreiro sorri. Um
vendedor emite esgares. Um Livreiro faz tudo para agradar ao cliente. Um
vendedor faz tudo para agradar à empresa para a qual trabalha. Um Livreiro dedica-se
ao cliente e empenha-se para encontrar um livro. Um vendedor diz está esgotado e vira-se para o cliente
seguinte na fila. Um Livreiro cultiva a nossa diferença. Um vendedor quer
modelar-nos à forma previamente instituída.
Um vendedor é ideal para
atender turistas: os poucos recursos de linguagem são comuns, não sabem bem o
que querem e aceitam o que se lhes dá, ficam momentaneamente encantados com a
quantidade, que até podem candidatar ao guiness que trazem na mão, vão embora e
nunca mais se lembram que ali estiveram, vivendo todos maquinalmente felizes
para sempre, como manda o guião das vendas.
E é assim que um turista vai à
FNAC.
Um cidadão vai à Livraria. Por exemplo à Pó dos Livros.