Num olhar mais atento percebe-se que é quarentona.
Esbelta e muito bonita, elegante no vestir, com classe até, senta-se diante de mim, de telemóvel na mão a marcar um número.
A classe evapora-se quando começa a falar: partilha a conversa com todos os túneis do metro de Lisboa e perfura tímpanos das pessoas mais próximas.
O conteúdo da conversa perfura mais que os tímpanos.
Fala com a filha a quem explica que não pode ir dormir a casa porque vai ser operada na manhã seguinte; fala com a mãe a quem pede que tome conta da filha, afiançando que vai correr tudo bem. Volta a falar com a filha de quem se despede como se fosse morrer.
Depois de uma despedida longa, chorosa e ranhosa, lá desliga o telefone.
Volta a marcar um número no telefone e, de rajada, com um tom de voz mais baixo, diz que está livre até segunda-feira. Do outro lado devem ter perguntado pela filha pois ela nomeia a criança e diz que acabou de falar com ela e que a miúda só quer ficar com os avós...
A mim só me dá vontade de lhe pregar um estalo.
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