segunda-feira, 22 de agosto de 2011

De Lisboa a Foz Côa. E volta.

Depois duma semana no Algarve, o Duarte ficou com o pai por duas longuíssimas semanas e eu vesti o meu fato de marinheira e fui dar uma volta com os meus sobrinhos: só me faltava a boina e o rabo alçado de gansa, porque apesar de só ter levado dois sobrinhos, o terceiro vem a caminho, o que quer dizer que dentro de poucos anos eles deixam de me chamar Quica para me chamarem Donald.
Foi a primeira vez que a levei a ela e fartei-me de rir no meio das birras da garota, não porque seja sádica, mas porque ele fazia observações como se fosse adulto, revirando os olhos e falando-me em sussurros para que ela não ouvisse. O banco de trás do carro era alvo de gritos e zangas intercalados com momentos de ternura e amizade. Por duas vezes ameacei parar o carro e levá-los de volta a casa. Conhecendo-me, os desgraçados continuavam na algazarra!
Saímos de casa com direcção a Conímbriga onde não ia há anos. Apesar de a cidade não ser habitada há séculos estava muito mudada! Ele adorou, ela suportou, o tempo fez-nos o jeitinho e esteve encoberto enquanto pulávamos e corríamos por entre memórias e histórias. E pedras também, já agora, é bom que se diga, pois quem lá vai deve levar doses extra de imaginação, para poder ver melhor.
Quem me conhece sabe que, ao contrário da gigantesca maioria das mulheres, não gosto de fazer compras e as lojas não me atraem, mas se há sítios onde tenho prazer em comprar é em lojas de museus. As Ruínas e o Museu Etnográfico de Conímbriga têm uma loja com produtos de… outros museus. Quis comprar t-shirt’s aos garotos mas só havia doutros sítios e desisti.
Acelerámos devagar e dormimos em Celorico de Basto, sem visitas a nada porque chovia e era de noite. Jantámos com os olhos na televisão à espera que desse o Milionário para vermos como eu tinha ganho, apesar de continuar pobre. Não deu e passámos o resto da noite na batota! O quarto, onde se chegava depois de galgarmos vários lances de escadas e de a minha sobrinha perguntar porque raio não havia elevador, era um mix de dois quartos com uma enorme casa de banho, um com cama de casal e outro com cama individual. Assim que viram aquele luxo ambos manifestaram intenção de dormir na pequena arrecadação, perdão, no quarto mais pequeno, decisão que eu releguei para quando nos deitássemos. Como ele é sonâmbulo optei por dormir com ele – porta fechada à chave não fosse ele dar uma volta por Celorico a meio da noite – mas ela não gostou da opção e gerou-se ali uma crise, com choros, da parte dela, cansaços, da minha parte, e amuos, da parte dele. Acabei por ser eu a dormir no anexo, depois de ter fechado a porta à chave e colocado as maletas diante da porta como reforço para eventuais fugas. Ora, o garoto levantou-se mesmo a meio da noite, mas não foi para sair e sim para me chamar e informar que ela tinha feito xixi na cama.
Passeia-a por água, mudei-lhe a roupa, passei os dois para a sucursal do quarto e eu mudei-me para a bordinha da cama de casal onde fiquei até de manhã, quando o sol apareceu para nos conduzir a Foz Côa.
Nunca tinha ido ver a gravuras e adorei apesar da confusão da deslocação.
Fomos ver o  Museu do Côa e ficámos a saber que era preciso marcar a visita às gravuras; quinta-feira havia vaga e eram 11 da manhã de terça. Perante isto, tirei a boina, que fiz descer até ao colo devagar, saquei do meu ar mais triste, olhei os pobres pequenos com lágrimas nos olhos, baixei as penas do rabo em sinal de desalento profundo, avisei-os em voz baixa que íamos passar o resto dia sem comer o que lhes criou uma enorme e visível consternação nos rostos. Não sei se foi isto ou não, mas o funcionário disse-me que havia empresas privadas que levavam gente a ver as gravuras e deu-me os números de telefone; à quarta e última tentativa marquei para as quatro da tarde desse dia. Quando desliguei verifiquei que não era preciso tanto teatro pois davam os telefones a qualquer um! Com franqueza!
Dos quatro locais onde é possível ver as gravuras calhou-nos o de Castelo Melhor. Vimos o Museu, demos uma volta em Foz Côa e fomos almoçar ao  Restaurante Paleolitico em Castelo Melhor, que não tem multibanco. Voltámos a sair e andámos cerca de 15 quilómetros, ida e volta até Almendra, onde há uma caixa ATM, num largo lindíssimo que nos fez sorrir por no Paleolítico não haver multibanco, caso contrário não teríamos ido a Almendra.
Comemos e fomos até ao local da partida para as gravuras, convicta, eu, que haveria por ali qualquer coisa para fazer, para passar o tempo. Esperava-nos uma casa onde se vendia água fresca – não havia sol, mas estava muito calor – mel, sabonetes de leite de burra e pedras com ímanes para pormos no frigorífico como recordação de Foz Côa. Ainda não eram duas da tarde e já me estava a ver a dormir a sesta no carro, estacionado no meio duma rua onde me garantiram que não havia problema. Os donos da casota das águas logo a quererem saber com quem íamos descer, como se eu conhecesse toda a gente por ali. Estavam os miúdos a meio dum gelado que se ia desfazendo a velocidade recorde quando entrou uma rapariga que se apresentou como a pessoa que nos guiaria até ao fundo do vale dali a duas horas e qualquer coisa. Olhei com inveja os passageiros a entrarem no jipe e a desaparecerem por uma curva. Estávamos cansados, moles, sem vontade de nada e eu não podia estar ali duas horas a entreter os miúdos com jogos e canções… a menos que lhes desse gelados ininterruptamente! A construção desta ideia genial foi interrompida pelos lamentos dum jovem que se perguntava onde andariam as sete pessoas que tinham marcado com ele àquela hora. Isto assim não podia ser, então marcavam e depois não apareciam? E nem sequer atendiam o telefone…
Do grupo original restava uma francesa, por volta da minha idade, mas que a aparentava, ao contrário de mim que estou sempre à espera que me venham perguntar pelos meus pais. Enquanto os gaiatos, sentados num muro ao lado do carro, viam os gelados desaparecerem fui falar com o rapaz e disse-lhe que éramos três e queríamos ir com ele. Que não podia ser, que parecia mal, que eu tinha marcado com outra empresa, que isto parecia traição, que isto e que aquilo.
- Ouça lá… você tem lugar, eu quero ir, deixe as explicações comigo, por favor.
Acenei aos miúdos que vieram a correr lambuzados até aos joelhos, dando-lhes um ar triste mas excelente para falar ao coração do jovem que teimava em não nos querer levar. Em desespero de causa disse-lhe, esperando que nenhum dos meus dois compinchas me desmentisse:
- Olhe, eu vim aqui de propósito… tenho dois miúdos… se for às quatro da tarde, estarei despachada por volta das seis, hora a que me vou fazer à estrada para uma jornada de quinhentos quilómetros.
Rezei para que o meu sobrinho não me corrigisse o número de quilómetros nem me perguntasse qualquer coisa como, então onde vamos dormir, ao Algarve? Mas eles estavam a discutir as diferenças do jipe com outro onde tinham andado em Marrocos e estavam com ar de ciganitos, mas ausentes.
Valeu-me o dono da loja de bebidas que se meteu na conversa e sugeriu que nós fossemos e que lá em baixo eu desse uma explicação à guia. Paguei os bilhetes e meti-nos aos três no jipe antes que o condutor tivesse tempo de recusar novamente. Acomodei os garotos ao lado da francesa no banco de trás e sentei-me no lugar do pendura, mostrando imenso e urgente interesse em saber mil coisas sobre as gravuras, enquanto o condutor /guia dava as explicações em português e depois em francês.
A descida ao vale é impressionante e as paisagens são imponentes, com o domínio das vinhas, as colheitas a fazerem-se face às temperaturas mais elevadas naqueles locais.
Quando lá chegámos fiquei com pena de não ter feito aquele passeio há mais tempo e prometemos voltar a todos os outros locais visitáveis, incluindo a uma das visitas nocturnas. Concluímos os três a rir que qualquer regresso terá que ser feito sem a presença da mãezinha que não aguenta emoções fortes nem gosta de ter precipícios a seu lado.
Descemos até Nossa Senhora dos Remédios em Lamego e dormimos no  Hotel Parque onde eu tinha feito uma reserva há uns tempos e onde não dormi pois as andanças andebolísticas do meu filho levaram-me a trocar o repouso daquele local por um divã no hospital de Vila Real, onde ele foi operado.
Desta vez dormimos mesmo; jantámos meio à pressa para irmos pôr os olhos na televisão e até dissemos à empregada do restaurante que eu ia ganhar o Milionário nessa noite. Ela deve ter achado que éramos uns mentirosos porque continuou sem dar nada. Assim sendo, voltámos à batota!
Retemperados e depois duma descida das escadas do santuário, parámos na Batalha onde fomos ver o Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota. Não andámos à espadeirada mas o meu sobrinho deu um pontapé numa pedra e partiu uma unha. Isto vale alguma coisa em prol da defesa da nação? Em prol da boa disposição vale com certeza e o resto são cantigas.
A minha aparição no Milionário acabou por ser num dia em que cada um estava nas suas casas; fiquei espantada com a quantidade de pessoas minhas conhecidas que estavam a ver e agradeço as mensagens e os telefonemas que se sucederam nessa noite embora eu suspeite que a pergunta que todos queriam fazer e ninguém fez, era quem era eu, uma vez que, como estava de preto e bem redonda, me confundia com o Malato. A televisão é tramada…
Na manhã seguinte o dono do café por baixo da minha casa deu-me os parabéns mas com ar de acusação. Não percebi. Ele esclareceu que se eu fosse uma vizinha mais atenta teria sabido a resposta final e ganho cinco mil euros. Abri os olhos perguntando silenciosamente o que tinham os meus hábitos solitários de vizinhança a ver com os meus conhecimentos sobre quem ganhou o prémio fotográfico XPTO. Foi assim que fiquei a saber que o vencedor do dito prémio é… meu vizinho. Quando o mocinho ganhou o dito foi uma algazarra na rua mas eu devia estar ausente. Em Marte. Ou teria sido em Saturno?

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