quinta-feira, 24 de março de 2011

Pregar aos carris do metro

Com o nariz a pingar e lenços de papel espalhados pelos bolsos entro no metro a ansiar por chegar a casa. A plataforma quase vazia informa-me que acabou de passar um comboio. Sento-me à espera do próximo entre um homem e uma mulher sem qualquer característica que os distinga de milhões de outros por esse planeta fora. Calados, contemplamos as pessoas que chegam e se instalam na plataforma, à espera também.
De repente, sem qualquer aviso prévio o homem desata a gritar:
- A Santa Casa da Misericórdia deve-me seis mil euros! Há cinco anos que me devem o dinheiro e até agora nada.
Os barulhos normais do metro asfixiam-se perante o grito, que continua:
- Comprei a raspadinha e estavam lá, cinco ferraduras! E dizia seis mil euros! Cinco anos! E nada!
As pessoas que se tinham voltado na sua direcção inicialmente já estão de costas outra vez.
- E depois aquele assalto ao banco! Mas o meu irmão tem culpa nisto porque ele estava lá quando foi o assalto ao banco e não me disse nada. Calou-se bem caladinho! Bem caladinho é que ele se calou. Ora ele devia ter-me dito que assaltaram o banco, se fosse eu tinha-lhe dito a ele! E agora a Santa Casa nada! Caladinha também.
As cabeças esticam-se em direcção ao escuro do túnel, como se assim o comboio viesse mais depressa.
- Seis mil euros! É quanto me devem! Que azar o banco ter sido assaltado logo no dia em que lá deixei a raspadinha. Que azar. Santa Casa, estás a ouvir, deves-me seis mil euros. Há cinco anos.
E mais não soube porque o comboio chegou e o barulho abafou os gritos do homem, que ficou sentado nos bancos da plataforma, com certeza à espera que o comboio se fosse embora para continuar a pregação.

Sem comentários:

Enviar um comentário