quinta-feira, 31 de março de 2011

Peregrinando...

As peregrinações, à imagem de muitas coisas, já não são o que eram. Que eu saiba há três modalidades de peregrinar a Fátima, e falo de Fátima por ser o expoente máximo das peregrinações em Portugal:
1. O Método Profissional da Fé
2. O Método Pedro Caldeira
3. O Método Tradicional.

O Método Profissional da Fé, que também se podia chamar Método de Aluguer, consiste em pagar a alguém para que faça a peregrinação por nós; assim, alugamos os sapatos, pernas e corpo de outrem que fará o caminho por quem fez a promessa. É uma criativa saída para a crise, onde se pede tanto, imagino eu que os Santos andem numa lufa-lufa com listas intermináveis de pedidos e estas pessoas, os Profissionais da Fé, estão dispostos a pagar promessas por procuração, desde que lhes paguem a eles em dinheiro.
O Método Pedro Caldeira, que também pode ser chamado Método das Prestações, foi publicitado quando se constou que o ex-famoso corrector teria feito a promessa de ir a pé a Fátima, em troca duma graça, dum pedido para a sua vida, tal como o fazem milhares e milhares de pessoas. A estória não teria história não se desse o caso de ele ter feito uma peregrinação completamente fora dos padrões tradicionais: todos os dias caminhava uns determinados quilómetros e ao fim da caminhada alguém o ia buscar e ele regressava confortavelmente a casa, à sua caminha, à sua família, ao seu meio. No dia seguinte, sentado no fofinho da sua viatura, era levado até ao local onde tinha terminado no dia anterior e daí andava mais meia dúzia de quilómetros e a coisa repetia-se.
O Método Tradicional é uma maçada de sacrifício, dores de pés e contacto com gentes coloridas nas pernoitas sabe-se lá onde. É usado só pelos pobres e por aqueles que acreditam e interiorizam verdadeiramente que estão a pagar a promessa.
Aqui não se farão apreciações sobre se as peregrinações devem ou não ser feitas, mas apenas me rebolarei no ridículo de quem sabe que tem que pagar a promessa, mas inventa de tudo para se livrar desse compromisso.
Os dois primeiros métodos podem ter muitos nomes, mas não são peregrinações e o primeiro então, lembra-me aqueles alunos que mandam outros fazer o exame por si, o que pode ser definido numa só palavra: trafulhice! Há quem a defenda, é certo, mas também é verdade que a lei consagra que todos sem excepção devem ter uma defesa, logo, há advogados para tudo.
O segundo método lembra-me analogias, como por exemplo, chegar a casa e comer qualquer coisa não é jantar, ir para a rua de pijama não é estar-se vestido, embora não se esteja nu, alinhar palavras atrás umas outras não é escrever, fazer uma peregrinação não é dar uns passeios ao fim de semana.
Pedir é fácil, cumprir o quer se prometeu, que o diga o Governo, não é bem a mesma coisa e por alguma razão diz o povo que de boas intenções está o inferno cheio.
Com franqueza afirmo que não percebo estes pretensos peregrinos que querem mas não querem, vão mas não vão, pagam mas não pagam, mas uma coisa é certa, assim que se apanham com a graça pedida e obtida arranjam esquemas para minimizar a sua parte do acordo e cumpri-la com o mínimo dos sacrifícios, aos bocadinhos aos fins-de-semana que tirar dias de férias para pagar promessas nem pensar.
Esqueceram que o pedido era de monta, se não o fosse não teriam recorrido aos serviços das promessas, e já com o servicinho feito, fazem caretas ao caminho, planeiam pequenos passeios que não lhes desarranjem a vida e assim se fazem as modernas peregrinações. Mais, até há os que se arrependem e ficam chateados com a necessidade de mais aquele pagamento, como eu fiquei esta semana quando fui pagar o IMI!
Ora bolas, agora tenho que ir fazer uma caminhada enorme… tenho que ir já comprar uns Hush Puppies novos que os Manolos não ficam bem com as jeans que comprei na Prada…
Onde está o sacrifício que se oferece em troca da dádiva? Onde está a concentração no pagamento que se está a efectuar? Onde estão as dores semelhantes às de Cristo quando deu a vida pela humanidade? Onde está a fé? Onde está o ‘estar’ em comunidade nas noites em albergues para peregrinos? Estes são alguns dos argumentos que me apresentam para fazer peregrinações, a malta do Método Tradicional.
A peregrinação sentida sai da pele de quem a faz e deixa cicatrizes e não fotografias para mostrar mais tarde, como se tivessem ido fazer uma excursão.
Caminhadas também eu faço aos fins-de-semana, mas não são peregrinações! É assim que vivem a fé? É assim que querem conquistar, pelo exemplo? É assim que dão o exemplo aos filhos? Que de atitudes exemplares se faz a vida, seja em matéria religiosa ou outra qualquer.
À preguiça e indolência que se instalou também neste campo da fé eu sugiro que possam ir ainda mais longe e, tendo em conta que de Lisboa a Fátima são 147 quilómetros, (quem for de outros locais deverá medir a respectiva distância) deixo aqui a seguinte sugestão:
Cada ‘peregrino’ deve arranjar um pedómetro, que mede a quantidade de passos dados, e deve colocá-lo num braço, por exemplo. Como o passo médio das pessoas tem cerca de 75 centímetros, é só fazer as contas de quantos passos equivalem à distância entre a sua casa e Fátima e completar essa distância! Quem viver em Lisboa deve dar 195 951 passos. Ora com idas e vindas nos transportes de e para o trabalho, com idas ao supermercado, ao cinema, um ou outro passeiozito ao fim-de-semana, mais umas visitas a casa de amigos, está feita a coisa.
Aqueles que tiverem de facto pressa e desejarem cumprir a promessa mais rapidamente ainda podem deixar os carros longe da porta dos supermercados, da porta dos prédios dos amigos ou familiares que visitem e caminharem ao longo das carruagens do metro ou do comboio e assim farão mais passos ao longo do dia.
Mais simples que isto nem saltar à corda!

Toda esta dissertação foi causada pela descoberta de que uma pessoa muito querida e amiga está a fazer uma peregrinação no Método das Prestações: todos os fins-de-semana anda qualquer coisita. Quando me contou fiquei boquiaberta e estupefacta com tamanha fé, que a leva a fazer semelhante promessa, e com tamanha cara de pau, que a leva a cumpri-la de semelhante forma, sem convicção alguma.
Quando perdemos as convicções, o que resta…?

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