terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

L de livros e de ladrão...

Há cerca dum mês atrás falava-se de roubo de livros no blog Pó dos Livros. Um dos protagonistas da coisa confessou-se afirmando que o fazia por razões monetárias, e que nunca privava locais privados dos seus bens, mas fazia-o em grandes superfícies. Era noite quando li o post e respondi:

Senhor Ladrão de Livros, também eu guardo um livro roubado: chama-se O bando dos Ayacks, é um livro para adolescentes e eu era adolescente quando o roubei da carrinha da Gulbenkian. No início de cada mês abasteço-me depois de receber o ordenado, como quem vai ao Casal comprar produto. Quem me dera conseguir explicar a necessidae que tenho em ter livros em lê-los, em consumi-los. Vou dar uma ideia que talvez ajude: escrevo neste momento num computador com o ecran todo partido. É o único que tenho em casa. Escrevo cada palavra tentando não errar porque me é difícil ver o que escrevo ou o que leio... tiro umas pelas outras, afasto o olhar para tentar perceber o que leio. Muitos dizem-me que já devia ter comprado outro computador. É verdade. Porém, acabo por gastar o dinheiro todos em meses. Onde? Já se adivinha... para além de leitora, sou bibliotecária e trabalho numa editora. Sempre entre livros. mas nunca me passaria pela cabeça tirar um bit ao Bill Gates. Também sou viciada em viagens e já tenho uma razoável conta de Planeta Terra mas quando entro numa agência de viagens de viagens peço para levar um catálogo, apesar de serem gratuitos.
Imagino-o uma personagem, direi romãntica, do género de quem rouba pão para comer, saído da imaginação dum Dumas, um Miserável... será? Muitas podiam ser as interpretações, as leituras e, concluo, quem sou eu para dizer seja o que for, pois nada disto é um julgamento, logo, não julgo. Apenas comento: sejam os franceses ou os aimoré, o Belmiro ou o João, há sempre solução, há sempre alternativa para não roubar. A menos que se seja um personagem comandado por alguém, apenas fruto da imaginação de outrem, sem vida própria. As nossas acções são comandadas por nós e roubar não é bonito, mesmo que se assine Robin e se namore uma Marion. Se a miúda não o quisesse iria raptá-la...?
O que não falta por aí são Bibliotecas, fica a informação, just in case...

Dois ou três dias depois vi que tinha um e-mail dum desconhecido sobre o assunto Ladrão de Livros. Era ele. Duvidava de mim por ser bibliotecária e editora e ter de comprar livros. Respondi contando a minha relação de paixão com esses objectos, com o seu interior, com a sua alma. Ele respondeu na mesma moeda. Eu voltei a responder. E assim começámos uma troca epistolar entre gente que ama ler. E livros.
E assim descobrimos coincidências, gostos e coisas comuns, se calhar sem serem de espantar, que as pessoas que se banham nestas águas acabam por ser parecidas. E assim fui deixando cair alguma reticência sobre a pessoa dele. E assim venho descobrindo uma pessoa muito parecida comigo, cujo primeiro contacto foi a matar, mas que estou a gostar de conhecer.
Quando escrevo penso se ele estará a prevaricar… de certa forma, sinto-me cúmplice por dar guarida no meu espaço mental a alguém que rouba livros. Por outro lado, surge-me uma certa confusão por gostar de trocar e partilhar ideias com ele. Sensação estranha provocada por um igual. Começo a acreditar que são mais as semelhanças que as diferenças. Há uma certa síndrome de Estocolmo associada a esta estranha relação, escrita, não visual, nada banal.
Eu que tiro sempre o aspecto positivo de tudo e tento esquecer ou minorar as vertentes menos boas das coisas, concluo que estou mais rica desde que o conheci, apesar de me sobrar sempre a pedra no sapato ao lembrar-me da razão por que nos conhecemos…

3 comentários:

  1. Pode ser que isso ainda resulte em proveito das editoras - o roubo de livros. No Le Lièvre de Patagonie, Claude Lanzmann conta como foi apanhado a roubar livros, tendo sido mesmo julgado por isso, e no entanto, cá está a Galimard a publicar-lhe o livro:
    http://www.librairie-gallimard.com/detaillivre.php?gencod=9782070120512

    Também aqui no artigo on-line do NO (http://bibliobs.nouvelobs.com/essais/20090306.BIB3071/les-cent-vies-de-claude-lanzmann.html)se pode ler «petit voleur de livres au quartier Latin» e no entanto todo essa apropriação indevida resultou numa monumental restituição da memória quer no livro, quer no filme: o Shoah.

    E se calhar é apenas uma questão de grau entre um tipo que rouba, e os outros que se fartam de apregoar cultura, mas recebendo das editoras e dos amigos livros ... a preço zero. Também é certo que muitos, se tivesse que comprar e pagar (com fruto de trabalho) a cultura que apregoam muito menos apregoariam. Cá por mim, se possuísse livraria, não me incomodaria nada este tipo de roubos. Chamar-lhe-ia... sementeira!

    Mas claro, eu sou campónio como sabes, vejo tudo em termos de lavouras, sementeiras e colheitas.

    ResponderEliminar
  2. Cara M.
    Vou-lhe contar uma história recente que comigo se passou e se passa ainda, porque não desisti. No dia 4 de Janeiro entrei no site da Magazine Littéraire e encomendei 4 números anteriores. Paguei por cartão de crédito, o dinheiro foi-me subtraído da conta e até hoje, depois de muitos e-mail's a perguntar o que de passa, o porquê do não envio das revistas, até hoje dizia ainda não recebi nada! Irónico tratando-se de quem se trata...Eu que "castigo" os franceses da Fnac, surge agora uma vingança por intermédio de outros franceses. Como não acredito nestas coisas do oculto, ou lá como se possa chamar, (Divina Providência?), referi este episódio para lembrar que há muitas formas de sermos espoliados. Sobre o belíssimo texto que acabou de publicar, fico surpreendido por se sentir mais rica depois desta troca de mensagens. E logo comigo que me defino como um homem sem qualidades.
    PS. Muito curioso e relevante o comentário de Soliplass. Gostei. É uma outra maneira, bem conhecedora, de ver a questão.

    ResponderEliminar
  3. Sabe Pedro, tenho a certeza que mais do que o comentário, o que gostaria mesmo era de conhecer Soliplass, meu irmão verdadeiro, uma riqueza incalculável, que me pertence na medida em que ele decidiu partilhá-la comigo.
    Sobre a sua falta de qualidades, direi antes que tem defeitos, o que o faz humano. Não faço a mínima intenção de conhecer alguém sem defeito algum! Os defeitos também enfeitam...

    ResponderEliminar