Há muito, muito tempo tínhamos uma vizinha chamada Marta, mulher da idade da minha mãe, mãe dum amigo, minha grande cúmplice e salvadora em mil ocasiões.
A D. Marta era casada com o Sr. Armando, alfaiate de profissão e dono dum temperamento muito nervoso, de meter medo, apesar do seu pouco mais de metro e meio que ele compensava gritando em bicos de pés. Numa ocasião, tínhamos uma tia lá em casa de visita e incharam-lhe as mãos de tal forma que ficou com um anel a querer perfurar-lhe a carne. Procurou ajuda na casa da D. Marta para tirar o anel e quando nós chegámos a gritaria assustava até as pedras da calçada; o Sr. Armando recorreu a uma falha de sabão para fazer escorrer o anel e, não conseguindo, só viu uma solução: agarrar na enorme e bem afiada tesoura de alfaiate e cortar-lhe o dedo! Os gritos dividiam-se entre a minha tia, apavorada, a D. Marta, chateada e o próprio Armando, em fúria contra um bocado de metal. A cena em si era de loucos: ele tinha metido o braço da pobre mulher por baixo da axila e puxava com uma mão, enquanto a outra brandia a arma! A minha tia empurrava-o e abanava a mão como se estivesse a despedir-se de alguém para a eternidade e teria feito as despedidas do anelar não fosse a Marta que também ajudava, mas só com a voz, pois, esperta, não se chegava muito ao louco guerreiro que agarrado à tesoura fazia-a girar em busca do dedo a decepar. A minha mãe entrou, gritou-lhe o nome de forma sonante e no décimo de segundo que ele afrouxou para ver quem o desafiava, a minha tia escapuliu o braço e escapuliu-se toda da casa para fora. Não sei se lá voltou a entrar, mas sei que se lembra dele sempre que passa em frente a uma ourivesaria.
A adoração que eu sentia pela D. Marta era recíproca, de tal forma que quando o filho lhe apresentou a namorada, com quem depois casou, ela lhe disse alto e bom som, que esperava que ela fosse pelo menos metade de mim. Isto comigo ao lado da rapariga.
Os disparates da D. Marta eram célebres na praceta, mas um deles tomou proporções míticas que fizeram rir a freguesia toda, quando um pedinte lhe bateu à porta e ela lhe disse que dinheiro não lhe dava, mas estava a acabar a sopa e convidava-o a comer; sugeriu-lhe que, se quisesse, que fosse batendo às portas do prédio por ali acima (ela morava no rés do chão) e que quando voltasse, a sopa estaria no prato. O homem agradeceu e ela voltou às suas ocupações deixando a porta encostada para que ele não tivesse que voltar a tocar à campainha: os tempos eram mesmo diferentes! Porém, dois minutos bastaram para se esquecer da combinação e resolveu ir tomar banho. Entretanto, um dos vizinhos entrou no prédio e, passando à sua porta e vendo-a aberta, bateu; como não teve resposta, foi entrando e chamando. Nada. Correu a casa e nada. A única porta fechada era a da casa de banho, onde também bateu, e de onde ela saiu toda nua do meio duma nuvem de vapor, e deixando rasto, com a cabeça tapada por uma toalha ainda a limpar o cabelo, não vendo quem estava diante de si mas, julgando tratar-se do marido, atirando-lhe que fossem para o quarto enquanto os filhos não chegavam! Assim que o homem abriu a boca ela levantou a cabeça e viu que estava na presença, não de um, mas de dois homens e nenhum era o Sr. Armando: o pedinte estava plantado à porta da rua de olhos esbugalhados e nem o vizinho tinha dado conta da presença dele.
Ela grita o nome do vizinho de espanto, mete-se no quarto a galope e o vizinho, puxando da sua autoridade no prédio pergunta ao outro quem é e o que está a fazer ali. A resposta veio… sorridente:
- Ela vai dar-me de comer.
O vizinho achando que a resposta é matreira começa a expulsar o pedinte! Desgrenhada mas já ataviada com um fato de treino, ela saí do quarto ainda a ajeitar-se e esclarece a confusão: o vizinho desculpa-se, o pedinte come a sopa e chega o Sr. Armando, que só mais tarde soube da cena e não sabemos que cenas terá feito.
Hoje levantei-me mais tarde pois tive que atender um problema da casa do meu vizinho, causada pela minha casa de banho, e combinei com o canalizador às nove da manhã. As nossas janelas estão sempre corridas para cima pois dormimos à luz do luar e se for do sol do meio-dia, dá na mesma, pois tanto eu como o Duarte somos de bom dormir.
Tomei banho e saí da casa de banho nua em direcção ao quarto para me vestir. Assim que entrei estava um homem de capacete na marquise do meu quarto a três metros de mim. Fiquei tão espantada que não me mexi por alguns segundos. O homem riu-se, desviou o olhar e continuou a trabalhar. Na verdade, ele não estava na marquise, estava do lado de fora a arranjar o prédio do lado mas a proximidade é tanta que me deu a sensação que ele estava do lado de dentro.
Lá me tapei com uma toalha, fui fechar os estores e, inevitavelmente, lembrei-me da D. Marta…
A D. Marta era casada com o Sr. Armando, alfaiate de profissão e dono dum temperamento muito nervoso, de meter medo, apesar do seu pouco mais de metro e meio que ele compensava gritando em bicos de pés. Numa ocasião, tínhamos uma tia lá em casa de visita e incharam-lhe as mãos de tal forma que ficou com um anel a querer perfurar-lhe a carne. Procurou ajuda na casa da D. Marta para tirar o anel e quando nós chegámos a gritaria assustava até as pedras da calçada; o Sr. Armando recorreu a uma falha de sabão para fazer escorrer o anel e, não conseguindo, só viu uma solução: agarrar na enorme e bem afiada tesoura de alfaiate e cortar-lhe o dedo! Os gritos dividiam-se entre a minha tia, apavorada, a D. Marta, chateada e o próprio Armando, em fúria contra um bocado de metal. A cena em si era de loucos: ele tinha metido o braço da pobre mulher por baixo da axila e puxava com uma mão, enquanto a outra brandia a arma! A minha tia empurrava-o e abanava a mão como se estivesse a despedir-se de alguém para a eternidade e teria feito as despedidas do anelar não fosse a Marta que também ajudava, mas só com a voz, pois, esperta, não se chegava muito ao louco guerreiro que agarrado à tesoura fazia-a girar em busca do dedo a decepar. A minha mãe entrou, gritou-lhe o nome de forma sonante e no décimo de segundo que ele afrouxou para ver quem o desafiava, a minha tia escapuliu o braço e escapuliu-se toda da casa para fora. Não sei se lá voltou a entrar, mas sei que se lembra dele sempre que passa em frente a uma ourivesaria.
A adoração que eu sentia pela D. Marta era recíproca, de tal forma que quando o filho lhe apresentou a namorada, com quem depois casou, ela lhe disse alto e bom som, que esperava que ela fosse pelo menos metade de mim. Isto comigo ao lado da rapariga.
Os disparates da D. Marta eram célebres na praceta, mas um deles tomou proporções míticas que fizeram rir a freguesia toda, quando um pedinte lhe bateu à porta e ela lhe disse que dinheiro não lhe dava, mas estava a acabar a sopa e convidava-o a comer; sugeriu-lhe que, se quisesse, que fosse batendo às portas do prédio por ali acima (ela morava no rés do chão) e que quando voltasse, a sopa estaria no prato. O homem agradeceu e ela voltou às suas ocupações deixando a porta encostada para que ele não tivesse que voltar a tocar à campainha: os tempos eram mesmo diferentes! Porém, dois minutos bastaram para se esquecer da combinação e resolveu ir tomar banho. Entretanto, um dos vizinhos entrou no prédio e, passando à sua porta e vendo-a aberta, bateu; como não teve resposta, foi entrando e chamando. Nada. Correu a casa e nada. A única porta fechada era a da casa de banho, onde também bateu, e de onde ela saiu toda nua do meio duma nuvem de vapor, e deixando rasto, com a cabeça tapada por uma toalha ainda a limpar o cabelo, não vendo quem estava diante de si mas, julgando tratar-se do marido, atirando-lhe que fossem para o quarto enquanto os filhos não chegavam! Assim que o homem abriu a boca ela levantou a cabeça e viu que estava na presença, não de um, mas de dois homens e nenhum era o Sr. Armando: o pedinte estava plantado à porta da rua de olhos esbugalhados e nem o vizinho tinha dado conta da presença dele.
Ela grita o nome do vizinho de espanto, mete-se no quarto a galope e o vizinho, puxando da sua autoridade no prédio pergunta ao outro quem é e o que está a fazer ali. A resposta veio… sorridente:
- Ela vai dar-me de comer.
O vizinho achando que a resposta é matreira começa a expulsar o pedinte! Desgrenhada mas já ataviada com um fato de treino, ela saí do quarto ainda a ajeitar-se e esclarece a confusão: o vizinho desculpa-se, o pedinte come a sopa e chega o Sr. Armando, que só mais tarde soube da cena e não sabemos que cenas terá feito.
Hoje levantei-me mais tarde pois tive que atender um problema da casa do meu vizinho, causada pela minha casa de banho, e combinei com o canalizador às nove da manhã. As nossas janelas estão sempre corridas para cima pois dormimos à luz do luar e se for do sol do meio-dia, dá na mesma, pois tanto eu como o Duarte somos de bom dormir.
Tomei banho e saí da casa de banho nua em direcção ao quarto para me vestir. Assim que entrei estava um homem de capacete na marquise do meu quarto a três metros de mim. Fiquei tão espantada que não me mexi por alguns segundos. O homem riu-se, desviou o olhar e continuou a trabalhar. Na verdade, ele não estava na marquise, estava do lado de fora a arranjar o prédio do lado mas a proximidade é tanta que me deu a sensação que ele estava do lado de dentro.
Lá me tapei com uma toalha, fui fechar os estores e, inevitavelmente, lembrei-me da D. Marta…
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