De empreitada li os três livros de Stieg Larsson,
a trilogia Millenium. Adorei o primeiro, Os
homens que odeiam as mulheres, gostei bastante dos outros, A rapariga que sonhava com uma lata de
gasolina e um fósforo e A rainha no
palácio das correntes de ar. A construção de Lisbeth Salander é extraordinária
e Mikael Blomqvist é um precioso acessório.
A trilogia – de Editora Oceanos, Grupo Leya - está
gralhada mas o enredo é tão bom que fui saltando sem demoras até ao fim. Livros
difíceis de ler no Metro, por causa do volume e do peso, só lia à noite e,
chegada à meta, não deixo de pôr um ponto de interrogação ao pensar no ataque
cardíaco que deu ao autor. Que estranho.
A páginas tantas já os, para nós, bizarros nomes
de povoações e pessoas me pareciam naturais e lia-os como estavam escritos sem
engolir letras e sílabas como costumamos fazer quando os nomes são complicados.
Tudo assenta na perfeição, o mal extremo a enviuzar-se
pela vida das pessoas normais e as pessoas que podiam ser normais a criarem
mundos herméticos e cerrados onde nem o oxigénio entra.
Polícia contra polícia, jornalistas ciosos de
verdade e justiça, a vingança a passear-se como quem se oferece e a ser agarrada
e usada. E a dar prazer. E que prazer.
Depois da leitura decidi-me a ver os filmes. A surpresa
foi total. Pela primeira vez senti que um filme fazia jus a um livro. A multiplicar
por três.
Longe dos cabeleireiros de Hollywood há pessoas e
não personagens. Pessoas completamente desconhecidas, na medida em que não lhes
reconheço a cara fruto da minha ignorância sobre cinema sueco, mas conhecidas
na medida em que já sabia tudo sobre elas com a leitura dos livros.
Não vi o filme com o belo Daniel Craig na pele de
Blomqvist mas antes as versões suecas onde o jornalista é um tipo que já sofreu
de bexigas e tem as marcas na cara, veste camisolas de mangas compridas meias
tortas e fatos de treino sem qualquer estilo, bem ao estilo de uma pessoa com
aquelas características. Não há cá as camisas brancas bem passadas a ferro que
Craig usava no pouco que vi na apresentação do filme americano.
Erika Berger anda permanente e naturalmente
despenteada e sem brilho mas com uma veracidade que não via há anos, ao contrário
da sua colega americana que tem o verniz de Hollywood, cujo cheiro se sente a léguas.
Erika mostra um pequeno pneu na cintura e umas cuecas de gola alta que lhe
tapam a barriguinha maior do que os critérios de Hollywood algum dia
permitiriam. É real, é verdadeira, é uma mulher e não uma boneca construída
para aquela situação.
Todos os personagens têm defeitos, o que lhes dá uma credibilidade enorme. Mikael Blomqvist é
muito namoradeiro e relaciona-se com meia dúzia de mulheres ao longo de toda a
narrativa, mas as cenas de sexo não foram exploradas nos filmes, surgindo qb de
forma natural e espontânea, ao longo de várias horas, que não se tornam longas,
embora cada filme seja bem maior do que aquilo a que estamos habituados.
Lisbeth Salander é maravilhosa e o seu
comportamento chega a causar inveja num mundo cobarde e cínico, hipócrita e
desleal como este em que vivemos.
A caracterização da personagem é um espanto e está
de tal modo bem-feita que se continua sempre a ver a pessoa por baixo da
maquilhagem, do gel e da laca. Noomi Rapace é brilhante, extraordinária e usa o
olhar para nos manter à distância num trabalho de interpretação único.
Livros cinco estrelas, filmes cinco estrelas,
coisa rara, raríssima.
Sem comentários:
Enviar um comentário