Respeito com vénia as razões que levaram a esta
comemoração e arrepio-me ao pensar nelas, tenho vertigens só de saber que a História
se repete um pouco por todo o lado ainda hoje.
Mas só me lembrei que era Dia da Mulher quando um aluno
me entrou no gabinete a pedir um chapéu-de-chuva emprestado e me parabenizou. Agradeci.
É Dia da Mulher para as novas e para as velhas,
solteiras e casadas, mães, tias e irmãs. É Dia da Mulher para as vivas e para
as mortas. A Paula faria ontem anos se fosse viva.
Lembro-me do dia que a conheci, de pele muito
branca, mulher enorme em tamanho e em interioridade, dois anos mais velha que
eu, a querer muito, muito, muito ser mãe, a natureza a contrariá-la, ela a
teimar e a adoptar uma criança, mas afinal quem é que manda aqui?
Mulher de convicções, de pulso firme e grande
cabeleira ondulada que se movia como uma montanha quando ela se ria. Pessoalmente
nunca fui alvo da sua ira, mas assisti a vários confrontos e não são bons de
lembrar pois se era a pessoa mais divertida do mundo quando estava bem-disposta,
era terrível em dias maus.
Já naquela altura eu era apaixonada por baleias e
andava sempre a dizer que queria ir aos Açores, mas não tinha dinheiro. Lembro-me
que estávamos no café do António a almoçar, uma tasca espectacular, pelo dono,
pelos empregados e pela frequência. Quando repeti a conversa das baleias a
Paula olhou-me com seriedade coreografada e disse-me que não era preciso ir aos
Açores pois no mês seguinte ela iria para o Algarve. Eu só tinha que ir também
e esperar que ela vestisse o fato de banho preto para ver uma orca nas águas
quentes de Lagos. Disse isto, levantou-se e começou a dar aos braços como se
fossem barbatanas e a emitir sons esquisitos e terminou sentando-se e dizendo: Quem dá o que tem a mais não é obrigado.
Rimos a bom rir com aquela espontaneidade tão típica dela.
Trabalhámos juntas na Câmara Municipal, que
oferecia às mulheres um almoço seguido de espectáculo, todos os 8 de Março. Por
norma a Paula, a Lena e eu ficávamos juntas e era rir até fartar. Num desses
almoços chamaram-me ao telefone, coisa inusitada, quem teria tanta pressa, para
quem seria eu tão urgente? O meu avô morrera, o meu amado avô Gualdino,
morrera.
O meu cabelo vindo há poucas horas da cabeleireira
esbateu, a minha roupa um pouco mais vistosa ensombrou-se, as gargalhadas
transformaram-se em lágrimas e as minhas amigas acompanharam-me nesta imensa
tristeza.
Anos mais tarde recordei com a Lena, e diante de
uns bons copos, aqueles almoços do dia 8 de Março e a exuberância da Paula. Brindámos-lhe
como se ela estivesse connosco. A bem da verdade, ainda está porque há pessoas
que nunca desaparecem.
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