Há
dias tive uma conversa sobre a Amizade que me levou a fazer uma experiência.
Sei que pode ser dolorosa, ou melhor, que me pode mostrar algumas verdades
menos boas, algumas realidades, mas estou preparada para a fazer e para aceitar
as suas consequências.
Qual o objectivo deste exercício? Pensar, reflectir.
Esclareço que não é pelo resultado que escolherei amigos, pois a voz própria do resultado é relativa, e não será catalisadora das minhas amizades e grandes considerações. É apenas uma experiência.
Qual o objectivo deste exercício? Pensar, reflectir.
Esclareço que não é pelo resultado que escolherei amigos, pois a voz própria do resultado é relativa, e não será catalisadora das minhas amizades e grandes considerações. É apenas uma experiência.
As
amizades vivem muito nas redes sociais, que são o paradoxo que conhecemos: ora
aproximam ora afastam as pessoas. Porém, tendemos – eu tendo – a pensar que há
aqueles que são inafastáveis, amigos sem os quais não vivemos e eles não vivem
sem nós. Estes são uma percentagem pequena dos meus quase 300 'amigos' no Facebook (FB), mas
foi com todos que resolvi fazer a experiência: desactivar o meu perfil e contar
as horas até que alguém dê pela minha falta.
Uso o
FB várias vezes ao dia, em Portugal e no estrangeiro, sou daquelas que coloca
uma imagem pela manhã quando me levanto, a dar os bons-dias, e que respondo aos
bons-dias dos que fazem o mesmo, nem que seja colocando um like. A meio do dia vou à praça pública, vejo as novidades dos meus
amigos, comento ou manifesto-me, conforme me parece melhor, uso o tempo em que
vou no metro, para o trabalho ou a caminho de casa, a fazer o mesmo e todas as
noites, não vou ao café mas é como se fosse: encontramo-nos todos e conversamos, rimos, partilhamos, etc. Há
pessoas com as quais interajo diariamente, algumas várias vezes, outras nem
tanto. Há pessoas com quem tenho conversas privadas enquanto estamos no FB, via
Messenger, verificando-se assim uma espécie de dupla interacção simultânea.
É dia
22 de Outubro, são 22h e encerrei a conta do FB. É Domingo à noite, dia de
grande actividade. Vamos ver o que acontece.
Quem são os meus 'amigos' do FB
Vou
dividir as quase três centenas de 'amigos' em categorias, sem ofender alguém:
Nº do grupo
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Constituição
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Contactos alternativos
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1
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Família,
em vários graus, que inclui filho e nora, pais, irmã, cunhado, sobrinhos,
tios e primos.
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Telemóvel,
sms, telefone fixo do trabalho, telefone fixo de casa, Messenger, WhatsApp
|
2
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Amigos
muito, muito chegados, uns de infância, outros de grande proximidade, o que
não é sinónimo de nos vermos amiúde, aliás, o FB dá-nos notícias, novidades,
idas e vindas que compensam de alguma forma, e aproximam.
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Telemóvel,
sms, telefone fixo do trabalho, telefone fixo de casa, Messenger, WhatsApp
|
3
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Amigos
próximos, vemo-nos de vez em quando ou saímos juntos ocasionalmente, damo-nos
parabéns e desejamos Boas Festas também por telefone, sempre que o calendário
avisa que há festas.
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Telemóvel,
sms, Messenger, WhatsApp
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4
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Colegas
de trabalho, cujos interesses esporadicamente passam a fronteira
profissional, mas dos quais pouco sei e eles pouco sabem de mim, fora do
âmbito do trabalho.
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Telemóvel,
telefone fixo do trabalho, Messenger, WhatsApp, outras redes sociais, como o
LInkedIn.
|
5
|
Conhecidos,
aqueles que por razões várias, por exemplo serem muito amigos de amigos ou
família, ou porque temos interesses comuns a nível profissional, social,
cultural, etc., acolhi no meu círculo, ou eles acolheram-me a mim.
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Messanger,
outras redes sociais, como o LInkedIn.
|
Sei
que em todas estas categorias há pessoas com díspar actividade no FB, bem como
com distinta literacia funcional, havendo aqueles que só sabem consultar a sua
página e a praça pública das suas amizades, e estou, como é óbvio, a falar das
pessoas mais velhas.
Em
contraponto, há também aqueles que passam o dia agarrados ao FB e distribuem likes generosamente, interagindo comigo
directamente.
A Experiência
Domingo,
22 de Outubro, 22h, desactivo a conta do FB.
Neste
dia falo por telefone com pessoas de família, e com uma pessoa do Grupo 2,
tendo este telefonema durado cerca de uma hora (e repetiu-se toda a semana). É usual falar ao telefone e
interagir no FB em simultâneo. Não há reacções.
Segunda-feira,
23 de Outubro:
Não
há reacções.
Terça-feira,
24 de Outubro:
Não
há reacções.
Quarta-feira,
25 de Outubro:
Não
há reacções.
Quinta-feira,
26 de Outubro:
Ao fim
da tarde de quinta-feira uma pessoa do Grupo 5 pergunta-me por sms se o
bloqueei no FB. Digo que não, mas não dou mais explicações. Ele também não
pede.
Nessa
noite desactivo a conta do Instagram.
Sexta-feira,
27 de Outubro:
Logo pela
manhã uma pessoa do Grupo 4 elogia a minha participação no FB dizendo “tenho
visto a tua página, aquilo é que é actividade”. Sorrio e agradeço.
Sábado,
28 de Outubro:
Uma pessoa
do Grupo 1 telefona-me a perguntar se está tudo bem. Acrescenta que foi
alertada duas vezes antes de decidir telefonar: a primeira vez por uma pessoa
do Grupo 5 que lhe enviou uma mensagem via Messenger a dizer que estranhou não
ver nada publicado por mim; a segunda vez por uma pessoa do Grupo 2 que
perguntava porque teria desaparecido o meu perfil. Ambas as pessoas têm o meu
telemóvel e também podem contactar-me por Messenger.
Estou
há cinco dias sem perfil no FB. Isto significa uma média diária de dez posts meus, e umas cinquenta interacções
com outrem, o que totaliza cerca de 50 posts
e 354 interacções.
Ao longo da semana recebi quatro telefonemas não previsíveis, a pedir favores. Falei com mais de 50 pessoas com quem interajo no FB, que nada comentaram.
Ninguém
me telefonou ou me procurou pessoalmente de forma espontânea.
Será forçada a minha presença na tal mesa de café onde nos encontramos, as tertúlias nocturnas onde se contam piadas, onde se estabelece e se reforça (?) proximidade, tudo e mais um par de botas? Não creio, mas o que é certo é que ninguém deu pela falta do meu perfil, nem pela falta do cumprimento matinal, nem pela despedida nocturna, nem pela interactividade ao longo do dia.
Será forçada a minha presença na tal mesa de café onde nos encontramos, as tertúlias nocturnas onde se contam piadas, onde se estabelece e se reforça (?) proximidade, tudo e mais um par de botas? Não creio, mas o que é certo é que ninguém deu pela falta do meu perfil, nem pela falta do cumprimento matinal, nem pela despedida nocturna, nem pela interactividade ao longo do dia.
Penso
nos velhos que são encontrados mortos nas suas casas, sem que ninguém tenha
dado por eles. Se eu, que sou tão barulhenta, passo despercebida, imaginemos
os velhos que são pessoas silenciosas. Não estranho que morram sozinhos. Se ao menos tivessem Facebook…