segunda-feira, 15 de julho de 2013

José Castelo Branco

Oito e pouco da manhã, café por baixo da minha casa, entro e dou os bons dias mas ninguém me ouve. Donos e três clientes esganiçam-se a falar mais alto que os outros mostrando repugnância e sobrolhos franzidos em uníssono. O dono faz-me sinal do fundo, ao lado da máquina do café, assinto com a cabeça, sim é café, cheio, explico eu com o polegar e indicador afastados.
Pouca vergonha, lata, gozo, mariquice, paneleirice até, eram palavras usadas na conversa que se desenvolvia com ares de escárnio, sem que eu percebesse quem era a desenvergonhada pessoa de quem falavam, até que alguém disse, isto devia ser proibido.
Mas que raio, o que é que devia ser proibido? O José Castelo Branco!
Num programa de televisão na noite anterior apresentou-se vestido de toureiro ou campino, as opiniões divergiam, mas a unanimidade conseguia-se quando concordavam no maluco, sem vergonha, estapafúrdio, inconsequente, bizarro, parvo, nojento, exibicionista, maricas.
Mas como é que a mulher atura aquilo? Mas como é que lhe dão tempo de antena? Mas como é que se permite uma coisa daquelas num canal de televisão?
Muitos mais mas comos irritaram-me tanto que, aproveitando uma deixa de uma senhora que se me dirigia, certa da minha concordância e talvez um pouco curiosa com o facto de ainda não me ter juntado ao coro, manifestei a minha total discordância. Arrependi-me no mesmo instante, pois claro, mas já era tarde.
Avancei devagar, voz moderada, defendendo a diferença, elogiando a coragem que nenhum de nós tem para fazer o que nos apetece, sempre tão preocupados com o que os outros dizem e pensam sobre nós. Acrescentei que não se pode comparar o incomparável, o casamento de José Castelo Branco com Betty Grafstein não se enquadra nos casamentos onde vamos ou dos quais ouvimos falar, é preciso um espírito muito aberto para não se usarem as medidas com que costumamos medir o mundo, medidas essas feitas pela média da pessoas, no caso pela moda - esta calhou que nem ginjas.
Porque razão tem tudo de ser igual? Porque exprimimos sentimentos negativos com a diferença? Porque é tão difícil gozarmos connosco próprios e tão fácil de o fazer com os outros? Não será isto uma certa forma de inveja? Alguém que faz o que lhe dá na real gana, será condenável ou é ousadia provocadora de ciúme? Inconfessável, é claro.
Eu percebo que os dois casais que ali estavam a comparar-se com JCB e BG, usavam a comparação de forma tão ridícula como eu ficaria a comandar um submarino, mas eu sei que a casaca e o chapéu de comandante me assentariam carregados de comicidade - sem falar da minha cara de pânico por não fazer a mais pequena ideia como devia agir - e eles acham perfeitamente natural fazerem a comparação e, como se não chegasse, ficarem convictos de que a normalidade é a regra, a sua normalidade, não a dos outros.
JCB, o ridículo, é também JCB, o livre. Pormos de lado os preconceitos dá-nos liberdade, liberdade essa que vem com preço, preço em forma de seta apontada a todo o lado, seta venenosa, veneno da inveja.
O divórcio de preconceitos pode dar uma calma que não se consegue nem com medicação, uma visão diferente do mundo, um coexistir pacífico onde a diversidade se pode passear à vontade.
A esta altura já vingava o silêncio no café mas eu ainda não tinha dito tudo e não saí sem dar a opinião completa, ou seja, lembrando-os que alguém precisa de dar alguma cor às vidas cinzentas da maioria das pessoas, arranjar-lhes assunto para comentarem; e como essa maioria não costuma interessar-se muito pela ciência - aproveitei para perguntar de rajada se sabiam quem era Ana Ferraz, não sabiam - como não se interessam muito por leitura, mas adoram conversar, sobre os outros é claro, e de preferência quando esses outros não podem responder, então deviam agradecer a JCB por proporcionar momentos tão inesquecíveis.
Não conheço JCB, nunca o vi sem ser na televisão, sei que é um ser excêntrico e divergente dos modelos aceites socialmente, que se está nas mais puras tintas para o que dele dizem, que não se molda nem à lei da bala, porque nem um bala abala a coragem que tem. Isto devia ser proibido? Não me parece...

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