segunda-feira, 19 de março de 2012

Downton Abbey, ou a perfeição em duas palavras

Em Downton Abbey é difícil destacar um momento que seja superior. Atrevo-me a sugerir as tiradas de Mrs. Grantham como o ponto alto duma cadeia montanhosa bem acima do ar respirável em matéria de séries de televisão.
Quando a senhora pergunta, petrificada, o que são fins-de-semana, como se a voz se lhe escapasse sem querer, em resposta à declaração do intruso que manifestou ter tempo apenas aos sábados e domingos, é-nos dado ver o interior da cultura da elite da época. Magistral.
Ainda a mesma personagem afirma que só a um estrangeiro (leia-se, não inglês) lhe passaria pela cabeça morrer em casa alheia, pior ainda, no lar de pessoas que mal conhecia.
Não, o objectivo não é fazer-nos rir mas, antes pelo contrário, mergulharmos na própria História.
Se Downton Abbey fosse um livro teria duas colunas lado a lado: uma para a visão dos senhores, outra para a perspectiva dos empregados, ambas sobre a mesma coisa, ambas muito diferentes.
A fotografia da série ajuda imenso a tornarmo-nos cúmplices daquela acção em dois planos – é fácil e quase inato, dizer plano superior e inferior, tentarei fugir a este facilitismo mesmo em pensamento. Há planos de pormenor magníficos, há imagens que sozinhas contam toda uma história ou, melhor ainda, revelam parte dela, para que nos questionemos e sejamos incapazes de abandonar a televisão.
Mudar de canal está fora de questão pela simples razão que nem nos ocorre que exista outra coisa para além do que estamos a ver e, obrigada, obrigada, nem sequer há intervalo.
O cerne da história tem origem na posição subalterna das mulheres. Não me vou deter nesta questão, entendendo que se o fizesse estaria a tentar transpor o presente para o passado. Não, limito-me a ver, a espreitar como quem viaja no tempo, um trabalho soberbo de realização, de cenários e diálogos, de direcção de actores, onde nada é deixado ao acaso e tudo é perfeito. Tudo é perfeito porque era assim, foi assim, não se discute se devia ter sido assim.
Quando o mordomo afirma que um castiçal tem um risco e lhe respondem que é tão pequeno que ninguém vê, ele argumenta com a verdade mais básica: ‘Basta eu saber que ele existe’. Irrepreensível.

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