Em
Downton Abbey é difícil destacar um momento que seja superior. Atrevo-me a
sugerir as tiradas de Mrs. Grantham como o ponto alto duma cadeia montanhosa
bem acima do ar respirável em matéria de séries de televisão.
Quando
a senhora pergunta, petrificada, o que são fins-de-semana, como se a voz se lhe
escapasse sem querer, em resposta à declaração do intruso que manifestou ter tempo apenas aos sábados e domingos,
é-nos dado ver o interior da cultura da elite da época. Magistral.
Ainda
a mesma personagem afirma que só a um estrangeiro (leia-se, não inglês) lhe
passaria pela cabeça morrer em casa alheia, pior ainda, no lar de pessoas que
mal conhecia.
Não,
o objectivo não é fazer-nos rir mas, antes pelo contrário, mergulharmos na
própria História.
Se
Downton Abbey fosse um livro teria duas colunas lado a lado: uma para a visão
dos senhores, outra para a perspectiva dos empregados, ambas sobre a mesma
coisa, ambas muito diferentes.
A
fotografia da série ajuda imenso a tornarmo-nos cúmplices daquela acção em dois
planos – é fácil e quase inato, dizer plano superior e inferior, tentarei fugir
a este facilitismo mesmo em pensamento. Há planos de pormenor magníficos, há
imagens que sozinhas contam toda uma história ou, melhor ainda, revelam parte
dela, para que nos questionemos e sejamos incapazes de abandonar a televisão.
Mudar
de canal está fora de questão pela simples razão que nem nos ocorre que exista
outra coisa para além do que estamos a ver e, obrigada, obrigada, nem sequer há intervalo.
O
cerne da história tem origem na posição subalterna das mulheres. Não me vou
deter nesta questão, entendendo que se o fizesse estaria a tentar transpor o
presente para o passado. Não, limito-me a ver, a espreitar como quem viaja no
tempo, um trabalho soberbo de realização, de cenários e diálogos, de direcção
de actores, onde nada é deixado ao acaso e tudo é perfeito. Tudo é perfeito
porque era assim, foi assim, não se discute se devia ter sido assim.
Quando
o mordomo afirma que um castiçal tem um risco e lhe respondem que é tão pequeno
que ninguém vê, ele argumenta com a verdade mais básica: ‘Basta eu saber que
ele existe’. Irrepreensível.
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