terça-feira, 24 de agosto de 2010

Regresso

Ai que preguiça! É tão grande que até a sinto para escrever. Não me lembro de ter tirado um mês de férias. Assim, seguido, inteiro, todo. Mantenho uma ansiedade que me acompanhou o mês todo, aquela sensação que eu chamava de vai acontecer alguma coisa, durante muitos anos, uma angústia sobre qualquer coisa desconhecida, uma aflição morna que não me larga.
Como sempre chorei no último dia de férias. Bem, não foi no último, mas no penúltimo, ao sair da praia com quatro amigos muito especiais. Esforcei-me para que eles não vissem e deixei-me ficar para trás a comer o gelado de modo que ninguém reparou, a não ser o meu filho, acho eu, que encabeçava aqueles quatro golfinhos com quem gosto de ir à praia e me fazem sentir como se tivesse ainda e só a idade deles. Gosto da resistência deles à água, das perguntas que fazem, das exclamações, dos segredos e das meias palavras, enfim, da companhia.
É claro que ainda vou à praia, mas o último dia de férias, para alguém que sonha com elas o ano todo, é um dia especial. Lembro-me do momento em que entrei de férias este ano, enfiada numa calças brancas e numa camisa cor de carmim, apanhei um táxi em direcção à estação das camionetas onde já me esperavam duas amigas e um jovem amigo, carregando uma mala com fatos de banho que se esmeraram ao sol e na água salgada da praia do Carvoeiro. Lembro-me de usar nesse dia um chapéu recém comprado, como sempre faço no meu primeiro dia de férias, usando uma coisa nova, que me dê prazer, que seja a minha cara estampada e me acompanhe, pelo menos, durante essa temporada sagrada. As férias.
Guardo vários livros de férias, mas de entre eles sobressaem Férias no Mar, um livro com imagens de chorar por mais que alguém me ofereceu quando eu tinha uns seis ou sete anos e que descreve as férias de duas irmãs com os pais, num local paradisíaco com imagens de mar tão belas que só podem existir mesmo num livro para crianças. O outro livro é um dos meus fetiches, talvez um bocadinho a causa desta ansiedade que não me larga, por nunca ter abandonado o desejo que alguma coisa de semelhante me aconteça um dia, por nunca ter perdido essa esperança, por continuar a ser uma criança perdida: Dois Anos em Férias dispensa apresentações e arrasta uma música dentro da minha cabeça que me envia automaticamente para lugares inexplorados com uma única proprietária, uma só conhecedora da sua existência, eu.
Mas ao invés de sítios inóspitos ao olhar da maioria das pessoas e que para mim são uma espécie de lar, estou em casa a aguardar o primeiro dia de trabalho, aquele em que começarei a contar os dias para o próximo período de férias. A angústia que sinto não se relaciona com o trabalho em si, nem eu sei estar quieta sem nada para fazer, apenas se me revolve o estômago com a proximidade da rotina, dos horários, dos transportes, das saídas e entradas nos casulos onde vivemos, da proximidade do inverno.
Adoraria viver num sítio onde andasse sempre de sandálias. E de calções. E de alças. E bronzeada. E de chapéu de sol.
Nunca se sabe o dia de amanhã e isso é bom porque me faz manter a esperança de um dia poder ser assim.
Destas férias lembro várias coisas, umas boas outras nem tanto, mas de entre elas lembro ao pormenor um pôr do sol com o calor ainda forte mas a esvair-se lentamente para outras paragens num céu púrpura de tal forma que parecia pintado. Foi belíssimo apesar de estar sozinha. Tudo na vida se multiplica se estamos acompanhados pois na lembrança a dois revivem-se melhor os momentos. O meu filho começou a namorar antes das férias e o primeiro embate, na minha cabeça, foi de exclusão, tanto mais que sempre me tinha convencido a não me meter quando chegasse o momento. Mas a verdade é que fui incluída em mil ocasiões ternurentas e isso não tem preço. Dizem que um homem sozinho é livre e uma mulher sozinha está na solidão, mas não é bem assim, principalmente se regámos o percurso em comum com os nossos filhos. Podia ter alguém com quem dormir todas as noites e não tenho. Podia ter alguém com quem partilhar a confecção do jantar e não tenho. Podia ter alguém a quem contar como foi o meu dia e não tenho. Podia até ter alguém com quem dividisse as despesas e não tenho. Mas tenho a árvore da minha vida bem regada, sorridente e a partilhar comigo segredos e sentimentos, a pedir-me a opinião, a fazer projectos de futuro e a partilhá-los comigo. A cada dia que passa. E isso dá-me força para mais um ano.

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