Declaro publicamente sem pejo nem vergonha que preciso, e muito, da minha quota parte do dinheiro que se gasta nos fogos de artifício e nas iluminações de Natal. Sendo cidadã, algum foguete há-de ser para mim, para suposto gáudio da minha vista, assim como um qualquer raminho dum qualquer pinheiro reluzente pendurado no meio duma rua do sítio onde moro. A minha vista já é iludida com fogos artificiais, fátuos ou de santelmo dos mais variados e, não querendo a desgraça dos profissionais da pirotecnia nem das empresas que tão laboriosamente constroem magníficos trenós com rechonchudos pais natais, estrelas de outras galáxias, pinheiros carregados de bolas, fitas e neve, anjos e as mais variadas decorações eléctricas que acendem e apagam, com minúcia e zelo de duende do Pai Natal, como se viessem directamente de Rovaniemi, mas deviam criar um programa de requalificação, de transferência tecnológica, de reformulação destes profissionais para outras actividades, de modo a que se pudesse acabar com todo este exagero que pretende hipnotizar os cidadãos, nem que seja por dez ou vinte minutos, fazendo-os repetir ohhhh, a cada novo rebentamente de foguete ou sorrirem momentaneamente à vista dos anjinhos que até parecem que voam pelas avenidas abaixo, ou acima, conforme a nossa posição.
Eu percebo a lógica da tradição, mas quando o dinheiro que se gasta na tradição nos suga o tutano e congela os miolos pensantes em prol duma imagem efémera que em nada contribui para o nosso bem estar, o que fazer?
Ouvimos falar dos valores gastos nestes bricabraques e até os olhos dão reviravoltas, de inverno com as iluminações, de verão com o foguetório. A palavra Prioridade perdeu sentido – como tantas outras – ou melhor, deixou de existir e já diz o ditado, uma imagem vale mais que mil palavras, que aqui tão bem se adequa.
Ninguém tem espelhos em casa? Deviam investir nisso e cada um olhar-se bem antes de sair pela manhã, fazer uma pequena introspecção de quem é na realidade e para onde caminha com tanta falta de cérebro. Já ninguém quer caminhar sozinho, é preferível deixarmo-nos ir para onde nos mandam, ver o que disponibilizam para nós e deixarmos de pensar. De facto, dá menos trabalho. Qualquer dia acordamos e constatamos que estamos plantados numa eira, porque alguém assim o determinou, e ai, aí não há nada a fazer, pois a inutilidade será realçada – ainda mais – e a estupidez natural brilhará ao sol.
Gosto desta imagem, da plantação de estúpidos, principalmente porque imagino que uma qualquer cana de foguete poderá cair no meio dela e consumi-la por inteiro.
Durante as férias fui brindada com inúmeros ‘espectáculos’ de fogo de artifício, todos iguais, todos sensaborões, todos inúteis, todos extremamente dispendiosos. Alguma autarquia já se lembrou de perguntar aos seus fregueses se querem a repetição de mais do mesmo todos os anos, lembrando-os, já agora, quanto custa a coisa? Tenho a certeza que os que escapam à plantação atrás enunciada responderão que há aí uns mil assuntos, coisa pouca, que talvez, e sublinho, talvez, deva ter mais prioridade. Mas para isso era preciso uma outra coisa que emigrou para parte incerta e que ninguém tem: coragem.
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