sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A minha veia policial em acção

A poucos metros do meu local de trabalho há duas lojas que me confundem sobremaneira: uma de roupa e uma de malas. A de roupa, de senhora, fica-me à direita quando desço a rua em direcção ao palácio que me acolhe o dia inteiro e hoje tinha um vestido verde enfiado num manequim, um modelo de alças, em tecido vaporoso de Verão, que ostentava o preço antes do desconto que os saldos lhe conferem: 563 euros. Aproximei-me da montra para confirmar se precisava de mudar de óculos e constatei que não, via perfeitamente, 563 euros, lá estavam eles assinalados, se bem que, com o preço de saldo, estivesse mais baixo o que, como facilmente se percebe, não chegou aos 20 euros, o máximo que eu daria por aquela peça.
A loja das malas ainda é mais estranha pois ano após ano mantém uma estratégia de decoração de montras completamente oposta à que qualquer ignorante na matéria faria em nome do bom senso: expõe o que de mais desagradável, feio e caro tem. Bem sei que a beleza é subjectiva, mas há algo incontornável que regula, se assim posso dizer, a medida da suposta beleza de estação em estação: a moda. Durante algum tempo, quando tinha capacidade para isso, eu era cliente desta loja e sei que tem peças de alta qualidade, embora caras, e de estilo clássico que, mudem todos os tempos e vontades, mantêm uma moda própria, fiéis a uma certa aparência. As minhas visitas a esta loja são cada vez mais espaçadas mas ainda me mantenho como cliente dum cinto, duma carteira para oferecer e duma ou outra peça, longe vão os tempos em que dois em dois ou de três em três meses eu comprava uma mala nova, satisfazendo assim um dos meus fetiches, comprar sapatos, malas e chapéus.
Para além da fealdade dos objectos na montra, cada um deles é acompanhado dum cartão amarelo mal cortado e amanhado com o preço escrito com grosso marcador o que faz a montra parecer uma floresta com cogumelos amarelos, rabiscados com números exageradamente grandes em tamanho e em preço. Peças definitivamente fora de moda são expostas naquela montra como se fossem o último grito da moda, amontoadas, denotando uma falta de visão atroz. Ora numa altura em que tudo e todos se queixam que as vendas são o que são, em que se procuram todas as técnicas e estratégias para vender mais, para agradar e atrair os clientes, para os fascinar levando-os a comprar, porque raio é que esta loja faz tudo precisamente ao contrário? Os funcionários e proprietários são simpáticos e cordiais não se notando qualquer desvio de comportamento mas eu tenho a teoria que a loja serve de fachada a qualquer outro negócio e que a montra não objectiva o mesmo que as outras montras de qualquer loja e sim o contrário, afastar os clientes. Porquê? Não sei, mas suspeito que é assim e talvez seja a minha veia policial a falar, talvez não.
O que é facto é que estas duas lojas colocadas no centro de Lisboa mas em circuitos onde os que passam pertencem maioritariamente à classe média baixa, logo, não são potenciais clientes e comprarão uma peça muito ocasionalmente e em altura de saldos, me fazem estranheza. A de roupa é tão cara que nem podemos espreitar a montra e a de malas oferece peças que nem o elenco de Conta-me como foi as quereria para ilustrar o que se usava no início da década de setenta.
O metro quadrado nesta zona da cidade é de valor elevado, exorbitante e as lojas estão às moscas, mas mantêm a porta aberta durante anos, como é o caso da loja das malas, que aqui está há cerca de duas décadas, sempre com a mesma filosofia de captação de clientes, e eu pergunto-me, como?
Os preços proibitivos duma e doutra poêm-me a pensar em que cogitam as pessoas que gerem estes estabelecimentos se, de facto, eles são apenas e só lojas que vendem roupa e malas e não se confirma a minha teoria de frontispício duma coisa e conteúdo doutra, coisa não despicienda, uma vez que da boca da proprietária da loja de malas não se ouve um queixume, tão próprio de quem tem uma superfície comercial seja lá qual for e onde se localize.
Muito estranho, digo eu de cachimbo na boca.

3 comentários:

  1. fiquei a pensar se esta loja de malas é aquela onde o Magnífico Reitor compra os seus presentinhos. Se for está explicado como conseguem manter-se abertos. E eu que nunca fui contemplada com um desses presentes de Natal :( porque será??
    bjs, susana

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  2. Esta sua observação fez-me rir a bom rir!! Tenho a certeza que concorda comigo! bjs

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  3. e as saudades que eu tenho de me rir consigo !
    beijinhos e bom fim de semana

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