segunda-feira, 9 de abril de 2012

Três ao mesmo tempo

Levanto-me e tomo banho. Engulo o pequeno-almoço na cozinha e relembro o que destinei para o jantar enquanto apanho a roupa que voa no estendal e penso se é hoje que tenho aquela reunião no Museu, e aceno à vizinha velhota do prédio em frente. Viverá sozinha?
Bebo um café no café da esquina; pergunto ao Sr. Correia, o dono, como vão as netas, ao que ele responde com um largo sorriso, Bem, e floreia por ali fora.
Meto-me no carro e vou em direcção ao Metro. Paro no semáforo, dou passagem a um autocarro pensando, como sempre, que aquele conjunto de pessoas que ali vai a olhar a paisagem sem a ver, terá mais pressa que eu, são tantos, sabe-se lá para onde irão, ainda.
Estaciono o carro questionando-me pela milionésima vez sobre qual será a dificuldade de se acertar nos riscos e estacionar os carros em condições, e em condições leia-se com respeito pelos outros automobilistas e não ocupar dois lugares em vez de um. Não me posso esquecer de pagar o IMI. Terei guardado o cartão de multibanco, ontem? Já terão chegado os livros para fazermos aquela oferta? Quem terá ido ao armazém?
Meto-me no metro e no livro que ando a ler e regresso ao momento em que acordei com o toque do despertador. Sorrio, sem compreender.
Leio até uma voz mecânica dizer que a próxima estação é Marquês de Pombal e que há ligação com a Linha Amarela. Usei a Linha Amarela poucas vezes, com pena minha, pois o símbolo é um girassol, a minha flor favorita. Mas a Azul, é uma gaivota. A Vermelha é um astrolábio. A Verde, uma caravela. Quem terá tido estas ideias brilhantes? A voz mecânica fala e eu levanto-me, preparando-me para sair, pensando se já terão chegado os meus cigarros e como terão sido as férias do senhor do quiosque e da sua família, lá na sua Índia natal; gostava de lá ir e chegar e ele pensar que eu ia pedir cigarros ou um euromilhões e dizer-lhe, olhe fui à sua terra e adorei, sim, porque sei que vou adorar.
Desço a rua em direcção ao palácio onde trabalho e a cada passo vou dando bons dias, é hora de entrada e encontramo-nos quase todos, até a senhora daquele café onde eu raramente vou, mas que conheço, o senhor da garagem, vai atrasado com certeza, a senhora da loja de malas que me cumprimenta a abrir a grade de ferro.
O dia faz os últimos aquecimentos antes de começar a correr propriamente dito. Assim entrar na biblioteca ele vai-se esbaforir, transpirar e arrasar e vai querer que eu o acompanhe e eu vou fazer tudo para o percorrer, para chegar ao fim do dia com o sentimento de missão cumprida.
Sei que vou atender mil telefonemas, vou fazer bastantes, vou falar com dezenas de pessoas, escrever vários e-mails, debruçar-me sobre inúmeros assuntos e face a isto pergunto, como resposta a quem me questiona sobre o facto de estar a ler três livros em simultâneo: se ao longo de um simples dia somos envolvidos em tantas realidades, como não havemos de conseguir ler mais do que um livro em simultâneo?
Sugestão: um para os transportes, outro para a casa de banho e outro para a cama… fácil, não é? Tão simples como respirar.

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