Levanto-me e tomo banho. Engulo o pequeno-almoço na
cozinha e relembro o que destinei para o jantar enquanto apanho a roupa que voa
no estendal e penso se é hoje que tenho aquela reunião no Museu, e aceno à
vizinha velhota do prédio em frente. Viverá sozinha?
Bebo um café no café da esquina; pergunto ao Sr. Correia,
o dono, como vão as netas, ao que ele responde com um largo sorriso, Bem, e
floreia por ali fora.
Meto-me no carro e vou em direcção ao Metro. Paro no
semáforo, dou passagem a um autocarro pensando, como sempre, que aquele
conjunto de pessoas que ali vai a olhar a paisagem sem a ver, terá mais pressa
que eu, são tantos, sabe-se lá para onde irão, ainda.
Estaciono o carro questionando-me pela milionésima vez
sobre qual será a dificuldade de se acertar nos riscos e estacionar os carros
em condições, e em condições leia-se com respeito pelos outros automobilistas e
não ocupar dois lugares em vez de um. Não me posso esquecer de pagar o IMI. Terei
guardado o cartão de multibanco, ontem? Já terão chegado os livros para
fazermos aquela oferta? Quem terá ido ao armazém?
Meto-me no metro e no livro que ando a ler e regresso ao
momento em que acordei com o toque do despertador. Sorrio, sem compreender.
Leio até uma voz mecânica dizer que a próxima estação é
Marquês de Pombal e que há ligação com a Linha Amarela. Usei a Linha Amarela
poucas vezes, com pena minha, pois o símbolo é um girassol, a minha flor
favorita. Mas a Azul, é uma gaivota. A Vermelha é um astrolábio. A Verde, uma
caravela. Quem terá tido estas ideias brilhantes? A voz mecânica fala e eu levanto-me,
preparando-me para sair, pensando se já terão chegado os meus cigarros e como
terão sido as férias do senhor do quiosque e da sua família, lá na sua Índia
natal; gostava de lá ir e chegar e ele pensar que eu ia pedir cigarros ou um
euromilhões e dizer-lhe, olhe fui à sua terra e adorei, sim, porque sei que vou
adorar.
Desço a rua em direcção ao palácio onde trabalho e a cada
passo vou dando bons dias, é hora de entrada e encontramo-nos quase todos, até
a senhora daquele café onde eu raramente vou, mas que conheço, o senhor da
garagem, vai atrasado com certeza, a senhora da loja de malas que me
cumprimenta a abrir a grade de ferro.
O dia faz os últimos aquecimentos antes de começar a
correr propriamente dito. Assim entrar na biblioteca ele vai-se esbaforir,
transpirar e arrasar e vai querer que eu o acompanhe e eu vou fazer tudo para o
percorrer, para chegar ao fim do dia com o sentimento de missão cumprida.
Sei que vou atender mil telefonemas, vou fazer bastantes,
vou falar com dezenas de pessoas, escrever vários e-mails, debruçar-me sobre
inúmeros assuntos e face a isto pergunto, como resposta a quem me questiona
sobre o facto de estar a ler três livros em simultâneo: se ao longo de um
simples dia somos envolvidos em tantas realidades, como não havemos de
conseguir ler mais do que um livro em simultâneo?
Sugestão: um para os transportes, outro para a casa de
banho e outro para a cama… fácil, não é? Tão simples como respirar.
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