Cacém, foi a primeira localidade onde morei quando viemos
para Lisboa. A casa era emprestada por uns tios e os dias passavam com a pressa
de procurarmos um tecto nosso, de onde não fossemos despejados quando eles
regressassem de África. As hipóteses foram várias, a começar na Damaia, colónia
do Sobral da Adiça. Nas redondezas existiam outras possibilidades, arrumadas
quase a murro pela minha mãe, que se recusava a morar em sítios que davam pelo
nome de Buraca ou Porcalhota. A Brandoa, onde também moravam vários
sobralenhos, foi igualmente posta de lado na tarde em que fomos ver uma casa e
a minha mãe perdeu um sapato no lamaçal que dava acesso à dita casa… acabámos
por comprar um apartamento nas Mercês pelo valor de 256 contos, pouco mais de
1250 euros. Um luxo que deu muitas noites sem dormir, com a preocupação de sabermos
como pagar aquela loucura.
Nas nossas andanças morámos na Reboleira e na Quinta da Barroca,
nomes sem qualquer supless e que davam sempre origem a brincadeiras.
Na badana do livro O
teu rosto será o último, João Ricardo Pedro afirma que nasceu na Reboleira.
Parabéns por não ter dito só Amadora. Os nomes dos locais, assim como os das
pessoas, têm uma história, uma história cheia que muitas vezes descamba em
conjuntos de sílabas que desdenhamos, mas isso não tira valor aos locais, ou às
pessoas (conheci uma Maria da Expectoração e vi o bilhete de identidade de uma Maria Sanita…).
Gostei do livro, não o amei, mas gostei bastante. Gostei particularmente
da quantidade de frases que começam com E, como se o autor quisesse terminar no
ponto final anterior mas a acção não o deixasse e o obrigasse a acrescentar
sempre mais qualquer coisa. Gostei da visualidade da escrita, cujas palavras e
frases estão ordenadas de tal forma que lemos um conjunto de imagens que se
sucedem não diante dos olhos, mas algures cá dentro de nós. Gostei da
veracidade e eu, que moro na Reboleira (pela segunda vez!), olho pela janela
como se procurasse uma outra janela por onde espreite um jovem por ali nascido,
protagonista daquela história, em todos os sentidos.
Como sou muito picuinhas ou qualquer outro nome que me
queiram chamar, apontei um exame médico feito pelo protagonista, um TAC.
Parece-me que na altura indicada ainda não se faziam TAC’s em Portugal. Parece-me.
Neste caso, certezas só tenho uma: estarei atenta ao próximo livro de João
Ricardo Pedro.
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