segunda-feira, 16 de abril de 2012

O teu rosto não será o último


Cacém, foi a primeira localidade onde morei quando viemos para Lisboa. A casa era emprestada por uns tios e os dias passavam com a pressa de procurarmos um tecto nosso, de onde não fossemos despejados quando eles regressassem de África. As hipóteses foram várias, a começar na Damaia, colónia do Sobral da Adiça. Nas redondezas existiam outras possibilidades, arrumadas quase a murro pela minha mãe, que se recusava a morar em sítios que davam pelo nome de Buraca ou Porcalhota. A Brandoa, onde também moravam vários sobralenhos, foi igualmente posta de lado na tarde em que fomos ver uma casa e a minha mãe perdeu um sapato no lamaçal que dava acesso à dita casa… acabámos por comprar um apartamento nas Mercês pelo valor de 256 contos, pouco mais de 1250 euros. Um luxo que deu muitas noites sem dormir, com a preocupação de sabermos como pagar aquela loucura.
Nas nossas andanças morámos na Reboleira e na Quinta da Barroca, nomes sem qualquer supless e que davam sempre origem a brincadeiras.
Na badana do livro O teu rosto será o último, João Ricardo Pedro afirma que nasceu na Reboleira. Parabéns por não ter dito só Amadora. Os nomes dos locais, assim como os das pessoas, têm uma história, uma história cheia que muitas vezes descamba em conjuntos de sílabas que desdenhamos, mas isso não tira valor aos locais, ou às pessoas (conheci uma Maria da Expectoração e vi o bilhete de identidade de uma Maria Sanita…).
Gostei do livro, não o amei, mas gostei bastante. Gostei particularmente da quantidade de frases que começam com E, como se o autor quisesse terminar no ponto final anterior mas a acção não o deixasse e o obrigasse a acrescentar sempre mais qualquer coisa. Gostei da visualidade da escrita, cujas palavras e frases estão ordenadas de tal forma que lemos um conjunto de imagens que se sucedem não diante dos olhos, mas algures cá dentro de nós. Gostei da veracidade e eu, que moro na Reboleira (pela segunda vez!), olho pela janela como se procurasse uma outra janela por onde espreite um jovem por ali nascido, protagonista daquela história, em todos os sentidos.
Como sou muito picuinhas ou qualquer outro nome que me queiram chamar, apontei um exame médico feito pelo protagonista, um TAC. Parece-me que na altura indicada ainda não se faziam TAC’s em Portugal. Parece-me. Neste caso, certezas só tenho uma: estarei atenta ao próximo livro de João Ricardo Pedro.

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