quinta-feira, 4 de abril de 2013

De autor desconhecido, mas avisado


“A justiça é administrada por processos difíceis e por gente grosseira e não bem disposta, porque não são admitidos a magistrados os bons cidadãos, as pessoas competentes, imparciais, exemplares e justas, mas somente certos doutorzecos, na maior parte ignóbeis e desconhecidos que, como vêm a ter o freio nas mãos, querem antes fazer-se conhecer pelos males e pelas extorsões que praticam – parte voluntariamente, parte por não saberem mais – do que pela recta aplicação da justiça e que, quando acham (embora injustamente) ocasião aparente para maltratar alguma pessoa honrada, então parece que atingiram a glória e o trono, ainda que para a nobreza a justiça não corra igual. (…) 
Os oficiais e ministros da justiça são tantos que não vos entendem, todos orgulhosos, todos inchados, todos amigos de mostrar que podem, pelo que, se os não adulais, tendes os beleguins atrás. Em verdade se pode bem dizer (perdoem-me os Portugueses) ser aquela uma das partes do mundo onde podem os homens mais que as leis porque, consoante querem, assim as transformam. (…)
Os processos são em número infinito (…) As dilações, as suspeições, as sentenças ambíguas, as apelações e os testemunhos falsos são tantos que as leis acabam, por fim, por ficar tão sofismadas que da verdade e da mentira resulta uma embrulhada tal que a não desfaria Apolo.”


Retrato e reverso do reino de Portugal. In MARQUES, A. H. de Oliveira – Portugal quinhentista: ensaios: Lisboa: Quetzal, 1987, p. 127-245

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