“A justiça é administrada por processos difíceis e por gente
grosseira e não bem disposta, porque não são admitidos a magistrados os bons
cidadãos, as pessoas competentes, imparciais, exemplares e justas, mas somente
certos doutorzecos, na maior parte ignóbeis e desconhecidos que, como vêm a ter
o freio nas mãos, querem antes fazer-se conhecer pelos males e pelas extorsões
que praticam – parte voluntariamente, parte por não saberem mais – do que pela
recta aplicação da justiça e que, quando acham (embora injustamente) ocasião
aparente para maltratar alguma pessoa honrada, então parece que atingiram a
glória e o trono, ainda que para a nobreza a justiça não corra igual. (…)
Os oficiais
e ministros da justiça são tantos que não vos entendem, todos orgulhosos, todos
inchados, todos amigos de mostrar que podem, pelo que, se os não adulais, tendes
os beleguins atrás. Em verdade se pode bem dizer (perdoem-me os Portugueses) ser
aquela uma das partes do mundo onde podem os homens mais que as leis porque, consoante
querem, assim as transformam. (…)
Os processos são em número infinito (…) As dilações, as suspeições,
as sentenças ambíguas, as apelações e os testemunhos falsos são tantos que as leis
acabam, por fim, por ficar tão sofismadas que da verdade e da mentira resulta uma
embrulhada tal que a não desfaria Apolo.”
Retrato e reverso do reino de
Portugal. In MARQUES, A. H. de Oliveira – Portugal
quinhentista: ensaios: Lisboa: Quetzal, 1987, p. 127-245
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