Quando trabalhei em
Almada dava-me diariamente com uma mulher que pregava ideias que eu admirava.
Dizia a M. – e fazia-o! – que quando percebia que um relacionamento não
funcionava, afastava-se, custasse o que lhe custasse. Vi-a a fazer isto com
relações amorosas e com pretensos amigos. Apesar de estranho era uma forma de
se defender cuja tática nunca incluía ataques de espécie alguma. Se uma amiga
se afastava dela, deixava-a ir alegando que não tinha que prender
alguém e que, se não queriam a sua companhia, não era ela que a imporia, nunca,
sempre com a certeza que os verdadeiros amigos, esses, ficariam, mesmo com
aborrecimentos, zangas, interregnos, afastamentos ou silêncios.
Com ela aprendi a
dizer às pessoas que o mereciam que as amava, um amor fraterno e incondicional.
A nossa amizade mantém-se, embora nos vejamos raramente e já tenhamos tido
desentendimentos mas, tal como ela sempre defendeu, como é verdadeira, não
morre e, de repente, surge um encontro, telefonemas que não fazemos a outras
pessoas, trocam-se palavras que não são meras palavras.
Quando falamos ao
telefone parece que não nos vemos desde ontem, tal a força da ligação, da
presença, ainda que invisível.
As nossas vidas são
cruzadas por inúmeros conhecimentos que vêm e vão, em alguns depositamos, ainda
que inconscientemente, grandes esperanças, que passado algum tempo se
desvanecem, com tristeza uns, com alívio outros.
Uma destas pessoas em
quem depositei esperanças um dia deu-me um queijo. De visita a casa dela
mostrou-me o queijo que alguém lhe tinha oferecido, e que ela tinha colocado
num prato, adiantando que aquilo iria parar ao lixo pois ninguém lá em casa
gostava, e que se eu quisesse, que o levasse. Claro que quero! E assim levei o
queijo e o prato onde estava dentro de um saco, comemo-lo e o prato foi lavado,
à espera de voltar para o armário onde pertencia.
Porém, hoje por
esquecimento, amanhã não sei porquê, o prato foi ficando. Por uma estupidez
enorme, aliada a conselhos de pessoas parciais da parte dela, afastámo-nos e
não lhe devolvi o prato.
No fim-de-semana, ao
puxar uma travessa daquelas que raramente vêm a luz do dia, o prato vem atrás e
fica no chão transformado em prato ralado. Varri os cacos e deitei-os fora
pensando que já o devia ter feito antes, talvez até de forma propositada, para
simbolicamente deitar fora aquele aparente e parente prémio do Trivial feito
percurso individual que me causava tristeza cada vez que o via.
Cortar amarras com o
passado não é fácil, principalmente se deixamos ligações que fizeram algum
sentido ou que, melhor dizendo, nos parecia fazerem sentido.
Por várias vezes
discuti o assunto com a M., este concretamente e outros semelhantes, nossos ou
de pessoas que conhecíamos, e sempre estranhei o facto de as pessoas não
conversarem, pura e simplesmente, cortarem relações, às vezes sem que saibamos
de todo porquê. Ela encolhe os ombros e afirma, com ar sapiente, que nunca
conhecemos seja quem for. Relembramos os nossos momentos menos bons e
reflectimos em como os ultrapassámos. Conto-lhe que uma pessoa me deixou de falar
de um dia para outro, sem motivo algum nem resposta ao meu pedido de explicação
e que, encontrando-a na rua inesperadamente, meses depois, me cumprimenta, eu
respondo com um educado, mas brusco, Boa tarde, e viro costas. Ela diz-me que
nem Boa tarde teria gasto, nem um olhar teria perdido para alguém assim.
Conto-lhe a história
do prato partido e ela não tem dúvidas: O destino quer limpar a tua vida!
Quer queiramos quer
não, é um permanente trapézio, como diz a minha sábia amiga M., nunca sabemos
quando nos deixam cair, e mais, corremos sempre o risco de até nos empurrarem.
:)
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