terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Vade retro Fangio!

Depois de inundações, cortes de luz e electrodomésticos avariados já merecia uma pausa. Fui a Vila Nova de Gaia com uns primos em romaria a outros primos.
Sendo tudo gente nada macambúzia adivinham-se muitas rugas num futuro próximo, foi um fim-de-semana de rir à gargalhada: um diz mata, os outros respondem esfola e é sempre num crescendo. Se o matar saudades sangrasse o Douro estaria encarnado e espesso.
Os primos, para além de descenderem de Carlos Magno, são artistas, pintores que esculpem materiais e, objectivo atingido, também a nossa cabeça, numa mescla onde não falta música, silenciosa mas bem presente.
A exposição das últimas obras, que só ganhou bem esse nome depois da nossa visita, foi acedida depois de uns bons quilómetros de carro conduzido, nem mais nem menos, pelo Fangio-Alonso que conseguia a proeza de passar pelos intervalos da chuva - não chovia, mas se chovesse, passaria - sem tocar em pessoas, carros ou edifícios, mas roçando-lhes a aura.
Do banco de trás as reclamações começaram subtis - não temos pressa... - foram ganhando uma consistência de contracções, os cintos de segurança, quais tubos de soro, prendiam-nos mas não nos amarravam e as três miúdas chocalhavam no banco de trás.
Os edifícios escuros das ruas estreitas do Porto corriam em direcção contrária à nossa e, imediatamente a seguir a uma reclamação sobre a impossibilidade de admirar a arquitectura, o nosso Fangio pára de repente e diz:
- Saiam!
Ninguém se mexeu e a dona do carro, que vinha nas traseiras com outra prima e comigo, deu pressa ao condutor, seu amigo de tão longa data que vem de outra vida, e artista também. A resposta repetiu-se:
- Saiam, depressa!
O meu primeiro pensamento foi de estupefacção: Estamos a ser postos na rua pelas reclamações? Não acredito nisto... Ainda assim, e porque a dona do carro já abria a porta do seu lado, achei por bem imitá-la e saímos todos, menos o motorista que não sabíamos quando voltaríamos a ver. Já eu pensava se teria dinheiro na carteira para apanhar um táxi de volta para casa quando a prima de Gaia sorria e explicava:
- Ele trouxe-nos a ver o Ângelo, que boa ideia...
Quem seria o Ângelo? Um primo? Mais um de tantos que temos e que eu desconhecia? Não... estávamos à porta da Cooperativa Árvore para vermos uma exposição, imperdível, de Ângelo de Sousa, onde não faltavam os famosos cavalos, que me lembram Altamira.
Ângelo de Sousa não dá muita vontade de rir mas nós ríamos à fartazana, como se quiséssemos esgotar as gargalhadas, ao revivermos o momento em que ele nos pusera fora do carro, sem mais explicações.
No regresso à viatura os agradecimentos multiplicavam-se, quais vénias, talvez o dobrar das cruzes o fizesse conduzir mais devagar dali para a frente. Não. Sentava-se ao volante e ficava possuído e guiados pela alma infernal lá fomos a Perafita, ver a Tia R., com quem eu passei tantas férias, ali, em todo o Minho, com especiais paragens no Gerês, tendo sido ela e o meu Tio, já falecido, que me mostraram tudo aquilo e me fizeram apaixonar para sempre por aquelas penhas, piscinas, serras, estradas e lugares. 

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